O presidente Bolsonaro iniciou bem o discurso de abertura da 75º Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) ao afirmar que vivemos um “momento em que o mundo necessita da verdade para superar seus desafios”. Foi um sopro de esperança de que, finalmente, os fatos, a realidade e os bons argumentos seriam a tônica de sua abordagem sobre a crise ambiental enfrentada pelo Brasil. Infelizmente, não foi o que ocorreu.
O que assistimos, envergonhados, perante a comunidade internacional foi um discurso radical e incoerente. Ao invés de seguir o que ele mesmo defendeu como necessário, a fala veio carregada de contradições e dados inverídicos, em uma retórica agressiva que radicaliza, ainda mais, um modelo de governança que nega informações objetivas e agride qualquer pessoa, brasileira ou estrangeira, que insista em contrariá-lo exibindo os fatos da realidade.
Nós, brasileiros, definitivamente não “somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”. Somos vítimas de um governo que se recusa a analisar os números revelados pelas imagens de satélite e relatórios produzidos nos quatro cantos do mundo, que expõem a situação gravíssima que estamos vivendo. Enfrentar isso com ações enérgicas, como seria o esperado, não acontece. O que vemos é a negação e, pior, a acusação de que são informações falsas, disseminadas com “o apoio de instituições internacionais” em uma “campanha escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil”.
Essas inverdades não são decorrentes apenas de uma insistente e ultrapassada teoria da conspiração em que todos que não se alinham ao governo são inimigos do Brasil. O presidente presta-se a desinformar a sociedade mundial e nacional utilizando dados falsos. De campeão isolado no desmatamento, ele afirmou que “somos líderes em conservação de florestas tropicais”.
Não precisamos de longas análises ou interpretações para refutar a afirmação, basta saber ler as estatísticas. Estamos em 30º lugar no ranking dos países que possuem a maior cobertura proporcional de florestas em seus territórios e fora da lista dos que mais plantam florestas, apesar de nosso compromisso de reflorestar 12 milhões de hectares assumidos na Conferência de Paris.
Aliás, nesse último quesito, bem que o presidente poderia se inspirar em seu líder internacional, o presidente Trump, já que os EUA aparecem como sétimo entre os que mais recuperam suas florestas. Nem no ranking de maior detentor de florestas temos o primeiro lugar, que é da Rússia. Só lideramos mesmo o de maiores desmatadores do mundo por três décadas seguidas, desde 1990, quando a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) passou a registrar a evolução das florestas no planeta.
Um fato de que “nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior” foi utilizado para confundir a audiência internacional, pois não esclareceu que boa parte de nossa cobertura florestal, cerca de 20% da Amazônia, está degradada e sujeita, sim, às queimadas que se repetem por anos a fio, degradando-a ainda mais. A afirmação de que o “caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sobrevivência, em áreas já desmatadas”, foi outro argumento falacioso, pois tentou induzir os menos avisados de que os 20 mil km2 queimados nos primeiros oito meses de 2020 teriam origem nessas populações que são, na realidade, os maiores defensores da floresta.
Quem se esforçar para encontrar os locais onde “os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação” só vai encontrar o aumento deles em ritmo avassalador, dia após dia. Fato que tem surpreendido a sociedade nacional justamente por perceber a incapacidade de o governo reverter essa situação calamitosa, gerando a desvalorização da imagem de nossas Forças Armadas, que sempre contaram com a admiração de todos.
O único momento da tensa fala do presidente, que permitiu alguma descontração entre os que assistiam angustiados ao pronunciamento, foi quando ele finalmente soltou uma piada muito espirituosa, ao afirmar com feições sérias: “Mantenho minha política de tolerância zero com o crime ambiental”.
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