Sete tiros foram disparados pelas costas de Jacob Blake, um cidadão negro de 29 anos, na cidade de Kenosha, no estado de Wisconsin. O “crime” de Blake teria sido intervir em uma briga de duas mulheres. Abordado pela polícia, ele tentou entrar no carro, onde os três filhos pequenos o esperavam. Os agentes se aproximaram e abriram fogo. A mais nova vítima da violência policial está hospitalizada em estado grave. Ontem, perdeu os movimentos da cintura para baixo, e os médicos afirmam não ter condições de afirmar se a paraplegia será temporário ou não. Blake é mais um exemplo do racismo institucionalizado cravado nos Estados Unidos. Em muitas regiões do país, o negro é culpado, até que se prove o contrário — o oposto do tratamento dispensado aos brancos.
As cenas brutais, desproporcionais e destemperadas de violência policial foram flagradas, em vídeo, por uma testemunha. As imagens viralizaram na internet e causaram indignação, revolta e ira. A tentativa de assassinato contra Blake ocorreu exatamente três meses depois que outro homem negro, George Floyd, foi sufocado até a morte com o joelho de um policial pressionado ao seu pescoço durante 8 minutos e 46 segundos. Na era digital, o trágico fim de Floyd também foi filmado, em Minneapolis, no estado de Minnesota.
Uma revolta não vista havia cinco décadas varreu os Estados Unidos de norte a sul, de leste a oeste. O presidente Donald Trump chegou a mobilizar a Guarda Nacional para tentar conter os distúrbios. Lojas foram vandalizadas, carros incendiados, patrimônio público destruído.
O incidente em Kenosha provocou uma reedição, por enquanto mais localizada, do levante antirracismo que atingiu os EUA. “Sem justiça, não há paz!” e “Diga o nome dele, Jacob Blake”, gritavam os manifestantes, nos últimos dias. Dessa vez, a violência policial — em suma, o racismo institucionalizado — coincidiu com a Convenção Nacional Republicana. Representante da extrema direita, Trump deu sinais polêmicos depois da morte de Floyd. Atribuiu a todos os manifestantes a pecha de vândalos ou marginais. Dessa vez, o magnata republicano preferiu o silêncio. A pouco mais de dois meses das eleições de 3 de novembro, Trump sabe que qualquer passo em falso pode ser fatal.
A morte de Floyd e a covarde tentativa de assassinato contra Blake mostram que os Estados Unidos estão longe de serem a terra das igualdades. E que muito pouco se avançou desde que a voz do reverendo, ativista e líder dos direitos civis Martin Luther King Jr. ecoou do National Mall, em Washington, rumo aos quatro rincões dos Estados Unidos. O racismo continua lá, ameaçando de morte cidadãos negros ou lhes impondo um futuro de medo e de terror. O sonho de Luther King, por enquanto, não passa de pura utopia.