O bom senso e o equilíbrio, guiados pela realidade socioeconômica do país, levaram a Câmara dos Deputados a manter, por 316 a 165 votos, o veto do presidente da República ao trecho da Lei Complementar nº 173/2020, que garantiria a servidores da saúde e da segurança pública reajuste salarial no próximo ano. Os deputados reverteram a decisão do Senado Federal, sem comprometer os dispositivos da lei que asseguraram ajuda de R$ 125 bilhões a estados e municípios durante a pandemia. Cabe, agora, ao Executivo, recompor a sua base na Câmara Alta.
Arrasado pelas sucessivas crises econômicas, desde 2014, o Brasil luta para ganhar fôlego. A crise sanitária global, causada pelo novo coronavírus, empurrou o país para a parte mais funda do poço, quando estava prestes a alcançar a borda e respirar aliviado. A manutenção do congelamento dos salários dos servidores permitirá à União e aos estados e municípios economizarem R$ 130 bilhões, segundo cálculo da equipe do Ministério da Economia.
Os servidores públicos, nos diferentes níveis de poder — federal, estadual, municipal e distrital — foram poupados do revés causado pela pandemia. Além de estabilidade no emprego, a categoria obteve ganhos salariais acima da inflação de 23,5% entre 1986 e 2017. Na iniciativa privada, os trabalhadores tiveram perda de 4%. Na comparação entre a média salarial dos dois setores, o funcionalismo público tem renda 87% maior.
Desde os meados da década passada, as sucessivas equipes econômicas tentam tirar as contas públicas do vermelho. O deficit de R$ 124 bilhões previsto para este ano foi agigantado devido aos gastos imperativos no campo da saúde. Os investimentos públicos necessários para impulsionar a economia também ficaram comprometidos. Ou seja, em vez de chegar ao fim do ano com crescimento, o Produto Interno Bruto (PIB) encolherá mais de 5,5%, segundo as últimas previsões.
Embora os servidores contestem o congelamento de salários, é sacrifício que se impõe diante da tragédia pela qual passa o país. A cota de contribuição do setor público nem de longe se compara com o que ocorre na iniciativa privada. O isolamento social, exigido para conter a proliferação da doença, sacrificou toda a sociedade. Entretanto, os trabalhadores da iniciativa privada foram os que mais se ressentiram: perda do emprego, redução de jornada e salários, suspensão de contratos, com menor renda. Hoje, são mais do 13 milhões de desempregados e quase 6 milhões que desalentados. O aumento de oportunidades em julho — 142 mil — é sinal alvissareiro, mas muito longe de suprir as reais necessidades do país.
Diante desse quadro, as reformas tributária e administrativa impõem-se com imprescindíveis para reestruturar o Estado nacional. É fundamental que sejam discutidas e aprovadas, a fim de que Brasil seja reconduzido à via do desenvolvimento econômico, com justiça fiscal e menos desigualdade social.