O mundo vive o imenso desafio de enfrentar e vencer a pandemia do novo coronavírus. No Brasil, chegamos ao trágico número de 100 mil mortes e de 3 milhões de casos e o processo ainda está longe de um controle. Por óbvio, todos os esforços do país concentram-se no combate à covid-19 e nos seus efeitos. Atento à gravidade dos fatos, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, por meio de suas sessões remotas, têm trabalhado incessantemente para discutir e aprovar matérias que minimizem os efeitos da pandemia no país.
Entretanto, a despeito do momento delicado que atravessa o Brasil, movimentos contrários aos direitos autorais na música têm pressionado o Congresso Nacional a alterar a Lei de Direitos Autorais.
Resumidamente, há setores que pretendem não pagar remuneração alguma pela utilização pública de música. Alegam que seria urgente a discussão da matéria por conta dos prejuízos impostos pela pandemia.
Indiscutivelmente, tais setores foram afetados. Mas esse movimento vem de antes, muito antes da pandemia.
Apenas para dar um exemplo, no final do ano passado, em plena temporada de alta do turismo e antes da pandemia, foi editada a Medida Provisória 907/2019, que tratava da reformulação da Embratur. Naquela medida, foi inserido um artigo para extinguir a cobrança de direitos autorais em quartos de hotéis e embarcações. O dispositivo foi retirado do texto final da MP, mas, enquanto esteve em vigor, os beneficiados deixaram de recolher cerca de R$ 100 milhões a título de direitos autorais. E, desta forma, autores e músicos deixaram de receber pelo uso de suas obras. Ao setor hoteleiro, muitos outros setores se juntaram para simplesmente extinguir a cobrança de direitos autorais.
Agora, no encerramento da sessão do plenário da Câmara dos Deputados realizada na última quarta-feira, dia 5, foi anunciado que será votado hoje, dia 11, o Requerimento de Urgência 1971 ao Projeto de Lei 3968 de 1997, ao qual estão apensados mais de 50 outros projetos, todos visando à limitação dos direitos de autor.
Sim, o projeto é de 1997! Estava adormecido há quase dois anos e, agora, sob a alegação de que a matéria é urgente, é ressuscitado para discussão.
Os interessados na votação da matéria agora tratam a música como a culpada pela crise. Como se deixar de pagar a remuneração a compositores e músicos fosse a salvação de todos. Como se o setor cultural não fosse ele mesmo um dos mais afetados.
Não estamos falando aqui só dos grandes intérpretes e dos grandes compositores. Estamos falando em quase 400 mil titulares espalhados pelo Brasil todo. Gente que vive da música, porque a música é o seu trabalho. Culpar o pagamento dos direitos autorais pela crise do setor, seja ele qual for, é injusto. Votar esta matéria em caráter de urgência é um ato de deslealdade. Impedir a discussão é um ato de covardia.
O pagamento dos direitos autorais é a remuneração, o salário, a retribuição pelo uso do trabalho alheio. Ninguém está obrigado a consumir música. Mas quem o faz precisa pagar pelo seu uso. Não é demais alertar para o fato de que o respeito ao direito do autor é cláusula pétrea da Constituição Federal e objeto de diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
O cenário que se apresenta agora é que temos pela frente a votação em caráter de urgência. A mobilização de todos é urgente. Não se pode permitir que os direitos autorais sejam usurpados, sem direito à defesa!
O Ecad, na qualidade de órgão arrecadador e distribuidor de direitos autorais relativos à execução pública, está lutando incansavelmente para que sejam preservados os direitos dos compositores e músicos. Mas é preciso que a esta luta se juntem todos aqueles que lutam pela arte, pela cultura, pela preservação de direitos duramente conquistados.
Gonzaguinha já cantava que, sem o seu trabalho, o homem não tem honra. Arte é fruto de trabalho árduo, incansável, visceral. Privar o artista do recebimento por seu trabalho é desonrar aquele que se dedica a levar a todos a beleza.