Tenho visto iniciativas, da parte do governo e de entidades, de combate à violência contra mulheres, principalmente nesta pandemia. São providências imprescindíveis, como novas unidades de atendimento, melhoria dos serviços e peças publicitárias em defesa delas, que estão confinadas com seus agressores. Mas há um grupo ainda mais vulnerável que também precisa da atenção das autoridades públicas e da sociedade. Por causa do isolamento social, meninos e meninas estão, igualmente, convivendo mais com seus abusadores. E, nesses casos, o grupo de algozes é ainda maior: pais, mães, tios, avós, irmãos, primos, enfim, os responsáveis justamente por garantir a segurança deles.
Estatísticas do Disque 100 — canal de denúncias do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) — mostram que o maior número de violações contra crianças e adolescentes (agressões sexuais, físicas e psicológicas) ocorre na própria casa das vítimas. Foram 22.304 registros de janeiro a junho de 2019, de acordo com os dados mais recentes.
Afastados de escolas e creches, locais importantes para a detecção de abusos, e longe do convívio com outras pessoas, meninos e meninas têm menos condições de pedir ajuda. Eles precisam da mobilização de todos nós, de campanhas maciças de alerta sobre os riscos a que estão sujeitos, da divulgação dos canais de denúncia, do trabalho ágil da rede de proteção.
O distanciamento social tornou ainda mais difícil a revelação de agressões, mas vizinhos ou parentes que souberem ou suspeitarem da violência podem denunciar tanto em delegacias e conselhos tutelares quanto pelo Disque 100, app Direitos Humanos ou no site da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, que funciona 24 horas, inclusive em feriados e fins de semana.
O MMFDH anunciou que trabalha num aplicativo para que crianças e adolescentes possam fazer denúncias de violações. Segundo a pasta, a primeira reunião para definir o funcionamento do serviço ocorreu na semana passada, com representantes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
“A ferramenta será lúdica e bastante interativa. O objetivo é ajudar o público infantojuvenil a romper o muro do silêncio, barreira essa tantas vezes presente nos contextos de violência. As nossas crianças e adolescentes estão sofrendo sozinhos agora. Por isso, a nossa preocupação em desenvolver ações que combatam as violações intrafamiliares”, explicou Maurício Cunha, secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Ampliar os canais de denúncia é uma boa medida, mas são necessárias outras ações mais efetivas, principalmente da parte do governo, que tem maior poder de implementá-las. Empresas e entidades também devem entrar nessa luta, com peças publicitárias em massa, por exemplo. E cada cidadão pode dar sua contribuição, denunciando. O enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes é uma responsabilidade de todos nós.