A eleição de Donald Trump colocou a discussão sobre fake news na mesa de quase todas as democracias. Mas, é bem verdade que a desinformação não é elemento nascido naquele ano, nem somente restrito a processos eleitorais, tampouco algo que causa impactos apenas no ambiente digital.
O próprio termo fake news é bastante reducionista diante do problema que temos de enfrentar, que é sobre a nossa relação com o meio digital, uma discussão mais sobre conduta individual dentro de uma sociedade plural, envolvendo direitos e deveres.
As regras de convivência do mundo analógico estão claras e bem pacificadas. Porém, nenhuma legislação do planeta tratou, de forma ampla e objetiva, de questões fundamentais sobre o uso da internet pelo cidadão comum.
Creio que o principal debate está na relação do indivíduo conectado com o anonimato que, em teoria, o uso da rede permite. Alguns países adotam filtros para acesso a páginas da rede, mas não me recordo de algum que exija que cada conta em uma rede social esteja associada a um documento pessoal.
No Brasil, todo processo legislativo que ousa discorrer sobre o tema acaba perdendo o foco sob alegações de que pretende censurar o que é publicado por usuários. Uma relação sem nexo, dado que todo brasileiro ao nascer precisa ser registrado e nem por isso é impedido de falar o que pensa.
A própria Constituição dá as regras para a liberdade de expressão, no artigo 5º: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Creio que o parágrafo é de interpretação inequívoca. A vedação do anonimato se dá por um motivo, expresso no parágrafo seguinte: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.
Em resumo, o que garante que uma vítima possa pleitear o ressarcimento diante de extrapolação da liberdade de expressão é que o autor não se esconda por trás do anonimato. Agora, cabe levar esse conceito para o mundo virtual, dado que um crime contra a honra em ambiente virtual provoca danos reais no mundo analógico.
Então, se acabarmos com anonimato, acaba o problema com as fake news? Não. É preciso ir além e definir o que é crime cometido em ambiente virtual, onde ele acontece e qual a competência para julgamento.
O artigo 6º do Código Penal, cuja redação data de 1984, diz o seguinte: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”. Ocorre que um crime virtual produz efeitos sem território físico definido.
Um criminoso pode, com facilidade, simular conexão e fazer parecer que está acessando a rede a partir de endereço na Alemanha e espalhar notícia falsa contra um residente do Maranhão. Produz efeitos na reputação da vítima de forma nacional. Talvez, até por meio de impulsionamento em redes sociais.
Sem a definição clara de território, não há, também, a definição de competência. Já li casos sobre julgamentos de pedófilos serem protelados por essa razão. O pedófilo sobe imagens em uma unidade da Federação, mas é julgado por outra e depois pede anulação do julgamento.
De forma muito simples, podemos definir que todo crime virtual contra pessoa física ou jurídica brasileira tenha como território o território nacional e trocar a competência do local em que se pratica a infração, ou sua tentativa, para o domicílio da vítima, estabelecendo nele o foro para o julgamento. Isso é só o começo da discussão. Mas é um bom começo.
*Professor de comunicação e marketing político pela Presença On-line e ESPM