Por um tribunal ambiental internacional

Houve época — não faz muito tempo — em que a humanidade percebeu o risco que corria convivendo com criminosos globais ou regionais soltos por aí, cujas vítimas contavam-se aos milhares. Foi implantado, então, o Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, na Holanda, por cujas barras já passaram alguns genocidas.

Desde a Rio 92, conferência internacional sobre o meio ambiente patrocinada pelas Nações Unidas e realizada em 1992 no Rio de Janeiro, passou a existir uma consciência global crescente quanto à necessidade de um meio ambiente equilibrado e sustentável, que venha permitir a sobrevivência da espécie humana. Alguém já disse que o bater de asas de uma borboleta nas antípodas pode ter algo a ver com o regime de chuvas ou com a falta delas aqui.

Apesar de o Brasil ser o único país com uma Constituição em permanente mutação, em 1988, o art. 225 da Carta prescrevia que incumbe ao poder público a defesa e a preservação do patrimônio de fauna e flora comum, que assegure direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Além disso, o art. 170 do mesmo texto estabelece que um dos princípios da ordem econômica é a defesa do meio ambiente. Isso é o que está escrito.

Porém, todos os anos, na época das secas, o Brasil tem sido assolado por centenas de focos de incêndio, que consomem a já escassa cobertura vegetal do país. Trata-se de flagelo previsível, que ocorre com a precisão rigorosa do calendário meteorológico, diante da absoluta e irresponsável passividade do poder público e a despeito das denúncias recorrentes de organizações nacionais, vítimas atuais de desprestígio orquestrado com patrocínio oficial.

O prejuízo é enorme. Além da contaminação atmosférica, milhares de hectares homogêneos são consumidos nas chamas. Espécies vegetais são extintas, animais são carbonizados, grandes extensões de floresta e de cerrado, de pasto e lavoura são perdidas. O caso mais recente ocorreu em várzea, no Pantanal. Aliás, a boiada já tinha passado. É o fim da picada.

Não é mero fenômeno climático sobre o qual inexiste possibilidade de controle, mas da ação predatória dos desmatamentos, da prática criminosa e obsoleta das queimadas para mineração, pecuária, soja, loteamento ou qualquer outro fim. Lamentavelmente, da inércia e da inépcia do poder público. Essa, entretanto, é a melhor hipótese.

Quando agentes públicos, na União, nos estados ou nos municípios, além da omissão e da incompetência históricas revelarem negligência deliberada, não poderão ser tratados apenas como cúmplices de delito ambiental. Tornam-se indivíduos perigosos para a humanidade, como os criminosos de guerra, os autores de crimes contra a humanidade, os agentes de limpeza étnica, e, como tal, devem ser tratados.

São autoridades. Na democracia — como é ideal — têm a legitimidade do mandato outorgado pelo povo. Contudo, isso não os inibe da prestação de contas, da responsabilidade civil, penal ou fiscal, da condição, enfim, de devedores perante a humanidade daquilo que todas as pessoas têm o direito de exigir: um meio ambiente sadio e equilibrado.

Assim, delitos ambientais que ultrapassem a simples esfera local, além de desservirem à nação, traem a esperança da humanidade. Quando sejam cometidos dolosamente por agentes públicos, embora possam agradar a alguns eleitores (mineradores, madeireiros, especuladores), passam a merecer um julgamento global como os crimes de guerra. Com a imprescindível cooperação de entes internacionais dedicados ao meio ambiente e à preservação da vida no planeta, urge a implantação de um tribunal ambiental internacional.

* Advogado e ministro aposentado do Superior Tribunal Militar, foi procurador do Estado de São Paulo, vereador, deputado estadual e deputado federal por São Paulo