Em 1865, um pequeno elefante chegou ao Zoológico de Londres. Capturado no Sudão, ele tornou-se uma celebridade, não só por ser o primeiro elefante africano em cativeiro na Europa, mas também devido a um nome que lembramos até hoje: Jumbo. Multidões aglomeravam-se no zoo para vê-lo e até mesmo os filhos da rainha Vitória passeavam nas suas costas. Afinal, quem não gostaria de ver um animal enorme desses de perto?
A fama de Jumbo gerou a demanda por outros de sua espécie em vários zoológicos e, logo, mais elefantes foram capturados e exibidos em outros países. Ninguém nem sabia ao certo como cuidar deles e acreditava-se que era necessário apenas fornecer água, feno e pão doce. Sim, achava-se que pão era dieta adequada para elefantes. Caso os animais morressem, também não haveria problema. Eles eram apenas atrações.
Era assim que os zoológicos funcionavam na época e sua função restringia-se, meramente, a exibir animais em situações que as pessoas não teriam chance de ver no seu dia a dia. Ou seja, a qualidade de um zoo era medida pela quantidade de animais e espécies que mantinha e não em como eram tratados ou se as espécies estavam em risco de extinção. O que importava era haver um leão, elefante ou tigre para ser visto.
Esse conceito começou a morrer na metade do século 20, quando cientistas fizeram duas descobertas importantes. A primeira: de que os animais são sencientes e conscientes, capazes de ter emoções e pensar, não sendo apenas “máquinas” movidas por instinto. E a segunda foi a constatação de que as nossas atividades, como o crescimento das cidades, a expansão agropecuária e tantas outras feitas de maneira desordenada, estão causando a perda não só de espécies, mas de ambientes inteiros.
Relatório publicado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) em 2018 mostra que a Terra perdeu 60% da vida selvagem nos últimos 40 anos. Se analisarmos, detalhadamente, vamos descobrir que 93% da mata atlântica foram destruídas, 50% do cerrado, perdidos, e a Amazônia segue com um ritmo de destruição que se aproxima dos 30%. Como resultado, a taxa de extinção de espécies de animais vertebrados é hoje 114 vezes maior do que em outros períodos da história do planeta. Algo similar assim só aconteceu há 65 milhões de anos, quando os dinossauros desapareceram.
Nesse cenário assustador, novo conceito de zoológico surgiu, utilizando ciência no seu planejamento e colocando os animais e a sobrevivência das espécies em primeiro lugar. Nada mais de trazer e ter animais porque as pessoas querem vê-los. O zoológico moderno tem como meta a manutenção de populações saudáveis e viáveis de espécies para contribuir com a sua conservação, por meio de programas de reintrodução, pesquisa ou educação. Isso requer planejamento cuidadoso — chamado de Plano de Populações —, que utiliza o conhecimento sobre conservação para determinar quais espécies exigem atenção e necessitam de manejo em cativeiro, de acordo com a infraestrutura que a instituição fornece.
São mais de 950 mil espécies de animais conhecidas e 25% delas estão ameaçadas. É impossível um único zoo manejar todas as espécies com qualidade de vida. Peguemos um exemplo: o panda-gigante é espécie ameaçada, que conta com um programa bem-sucedido de reprodução e manejo em cativeiro. Poderíamos pensar em trazer um casal para o Zoológico de Brasília, certo? Parece promissor, já que nos dedicamos à conservação. Mas não é assim tão simples, temos de analisar a infraestrutura que será necessária para manter os pandas com bem-estar, incluindo os custos para que isso funcione.
No caso desses ursos, são US$ 2 milhões por ano. Em comparação, temos no Brasil espécies igualmente ameaçadas, como lobo-guará, ariranha e harpia, que necessitam de ações para sua conservação e demandam menos recursos para serem trabalhadas no zoo. Será que valeria mesmo a pena trazer pandas? No planejamento atual, com base científica e considerando o bem-estar animal do Zoológico de Brasília, não.
Se o fizermos, estaremos nos distanciando da trajetória do zoológico moderno e retornando aos tempos primitivos, quando o que importava era apenas exibir animais. Antes de decidir se teremos um panda ou se uma naja-de-monóculo ficará no zoo, esse estudo interno deve ser feito para analisar qual a melhor decisão para a instituição e para o animal. Manter animais somente como atração não é apenas um pensamento pequeno. É miseravelmente arcaico.
* Biólogo, mestre em zoologia e gerente de projetos educacionais do Zoológico de Brasília