Opinião: País em transe

''O fato é que, enquanto milhões e milhões de cidadãos estão atordoados e reunindo todas as suas capacidades para sobreviver, um grupo pequeno, poderoso e muito organizado lucra como nunca''

Adriana Bernardes
postado em 30/07/2020 18:09 / atualizado em 30/07/2020 04:00

Em cinco meses, quase 90 mil brasileiros morreram vítimas da covid-19. É como se, nesse período, quase 220 aviões com capacidade para 410 pessoas caíssem matando todos os passageiros. Crianças, jovens, homens, mulheres, adultos e idosos, famílias inteiras destruídas. Enquanto muitos vivenciam essa tragédia que parece mais perto de cada um de nós, autoridades brasileiras agem como se não vivêssemos uma guerra de consequências desastrosas para esta e para as próximas gerações.

Antes de o novo coronavírus desembarcar no mundo, e no Brasil, em fevereiro deste ano, a sociedade brasileira já vivia um momento de profunda crise política e econômica, com aumento do desemprego e das desigualdades sociais. Aproveitando-se deste contexto, o Congresso Nacional tem aprovado reformas sob o pretexto de geração de oportunidades de trabalho, o que, obviamente, não vem acontecendo. Ao contrário, trabalhadores continuam perdendo seus empregos e renda.

A estratégia poderia ser classificada como desastrosa já que o consumo das famílias representa 65% na composição do Produto Interno Brasileiro (PIB), contribuindo decisivamente para que esse indicador econômico apresentasse uma ligeira alta nos três últimos anos. Sendo assim, qual é a lógica, por exemplo, de adotar medidas que afetarão o poder de compra, a proteção social, que vão precarizar ainda mais a vida de milhões de brasileiras e brasileiros, justamente quando o país enfrenta o maior desafio de sua história?

Talvez, encontremos explicação no livro A doutrina do choque, da jornalista canadense Naomi Klein. Sob a ótica apresentada na publicação, governos e grandes corporações aproveitam-se dos períodos de crise ou, na falta dela, produzem o caos na sociedade para desnortear a população e, com isso, conseguir promover profundas transformações sociais, impossíveis de ocorrerem em situação de estabilidade.

A perspectiva apresentada pela jornalista canadense ganha ainda mais força quando se observa que, enquanto a maioria luta para sobreviver literalmente, conforme mostrou o próprio o Correio, pesquisa da Oxfam revela que 42 bilionários brasileiros aumentaram suas fortunas em US$ 34 bilhões durante a maior crise sanitária vivida pela humanidade.

Fica muito difícil ao analisar esse quadro pensar que as inexplicáveis ações políticas de boa parte dos governantes, que ignoram não apenas protocolos de especialistas e de agências internacionais, mas o próprio bom senso, são frutos de equívoco. Essa discrepância aponta muito mais para um projeto do que para incapacidade, incompetência ou mera incerteza. O fato é que, enquanto milhões e milhões de cidadãos estão atordoados e reunindo todas as suas capacidades para sobreviver, um grupo pequeno, poderoso e muito organizado lucra como nunca e amplia sua capacidade de cooptar e fazer com que as instituições, cada vez mais, defendam os interesses desses poucos cidadãos que, literalmente, estão enriquecendo ainda mais enquanto milhares morrem e milhões têm suas vidas completamente desestruturadas.

Nada disso é por acaso, é projeto. 

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