Dívida dos Estados

Projeto de renegociação da dívida dos estados só beneficia São Paulo

Para especialistas, além de não favorecer os demais estados devedores, projeto protocolado essa semana pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) cria problema para Tesouro Nacional

Projeto protocolado por Pacheco não foi negociado com Haddad -  (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Projeto protocolado por Pacheco não foi negociado com Haddad - (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O projeto de lei complementar que cria o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), o PLP Nº 121/2024, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), está deixando especialistas em contas públicas de cabelos em pé. Além disso, alguns governos estaduais que começaram a analisar o texto mais a fundo reconhecem que a proposta não é tão boa quanto o esperado, como é o caso de Goiás.

O PLP 121/2024 revisa os termos das dívidas dos estados e do Distrito Federal com a União firmadas desde 1997 para a inclusão do Propag, onde governadores poderão utilizar ativos, como as estatais, para abater o estoque da dívida. A proposta também prevê a criação de um fundo de equalização federativa que não está muito bem explicado e corre o risco de favorecer mais ainda os estados que não pagam em dia seus débitos.

De acordo com especialistas em contas públicas, o projeto jogará uma bomba fiscal considerável no colo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, devendo enterrar de vez qualquer chance de equilíbrio das contas públicas no atual governo e nos futuros. Entre os problemas apontados, está a falta de contrapartida dos estados em relação ao ajuste fiscal e o fato de que alguns ativos estaduais podem gerar mais despesa para a União do que receita, se não forem privatizados.

Haddad tem evitado fazer comentários sobre o assunto, oficialmente. O chefe da equipe econômica apenas tem afirmado que o projeto "é diferente do que foi apresentado pela Fazenda e que é preciso conhecer melhor a proposta". Fontes da Esplanada, no entanto, reconhecem que a forma como Pacheco apresentou a proposta gerou mal-estar na pasta, porque o texto não passou pelo crivo da Fazenda, logo, não tem como tramitar no Congresso do jeito que está. Um economista próximo ao Senado destacou ainda que existe um risco de o governo, que está bastante desarticulado no Congresso, não conseguir barrar o avanço desse projeto.

Pelos cálculos de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, o impacto do Propag será de 2,4 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) sobre a dívida pública até 2023, ou seja, algo o equivalente a R$ 462,2 bilhões.

Saldo

Conforme dados do Tesouro, o saldo devedor dos 27 entes federativos é menos do que o dobro disso, pois somava R$ 772,3 bilhões. Apenas quatro estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) respondem por 89,4% desse montante. E o estado que deverá ser o mais beneficiado é o governado pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), com o maior volume de dívida com a União, de R$ 282,3 bilhões (36,5% do total).

"Esse programa está sendo para esses quatro estados", destacou o economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Ele reconheceu que essa proposta pode gerar insatisfação do ponto de vista dos estados, devido à questão do risco moral. "Quem paga em dia ou não tem dívida, não tem benefício", destacou.

Na avaliação da especialista em contas públicas e uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) Selene Peres Nunes, o projeto de Pacheco beneficia apenas o estado de São Paulo, que é o maior devedor da União, mas tem mais condições financeiras de arcar com as parcelas da dívida do que os outros superendividados e que estão com o pagamento dos juros suspensos pelo Regime de Recuperação Fiscal (RRF), como RJ, MG e RS. "A proposta é muito ruim e só ajuda quem não precisa ser ajudado e pode pagar mais, como é o caso de São Paulo. O texto do PLP consegue ser ruim até para os estados que estão no RRF. Parece que Pacheco leu o texto que os governadores enviaram para ele, mas não entendeu e não fez uma regra para atender o problema dos estados superendividados e que não conseguem se manter no Regime. Isso é ruim para o Tesouro Nacional também, é verdade, e ainda existe o risco moral nisso, porque tem a possibilidade de os juros serem zerados no Propag, que é uma possibilidade remota para quem está no Regime", afirmou Nunes.

Em nota, o governo de Goiás informou que "a proposta, em sua forma atual, não atenderá plenamente às necessidades do estado".

Procurada, a assessoria de Pacheco apenas disse que o senador mineiro "tem apoio de todos no estado (dele)".

 


Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 12/07/2024 05:32
x