Aposentadoria

Cai a revisão da vida toda

STF invalida decisão anterior da própria Corte, que previa o recálculo de aposentadorias. Especialistas veem insegurança jurídica

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram ontem, por sete votos a quatro, que o uso do fator previdenciário para o cálculo das aposentadorias antes da Lei 9.876/1999, é de aplicação obrigatória. Essa decisão, na prática, anulou a chamada revisão da vida toda para aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Como houve o entendimento de que a Constituição proíbe a aplicação de outros critérios para a concessão de benefícios, não será mais possível que o segurado use o cálculo que lhe seja mais vantajoso financeiramente.

Em dezembro de 2022, o STF deu vitória aos aposentados, entendendo que os recolhimentos realizados em período anterior a 1994 também deveriam ser apurados para fins de aposentadoria. Assim, o segurado poderia escolher o cálculo que rendesse um valor maior na aposentadoria. A decisão, que teve como relator o ministro Alexandre de Moraes, estabeleceu o limite para os casos de aposentadoria entre os anos de 1999, quando o fator previdenciário foi criado, e 2019, quando foi aprovada a reforma previdenciária. O INSS contestou o resultado, por meio do Recurso Extraordinário 1.276.977, e os chamados "embargos declaratórios" estavam em fase de julgamento.

Ontem, não foram esses recursos que estavam sendo julgados, mas a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2110, apresentada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCdoB), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido Socialista Brasileiro (PSB), e da ADI 2111, ajuizada pela Confederação Nacional do Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM). As duas ações questionavam as alterações feitas nos cálculos a partir da lei de 1999. O entendimento de ontem, no entanto, representa uma reviravolta na revisão da vida toda, ao obrigar o uso do fator previdenciário.

A decisão favorece a União, que reduz custos com os novos pagamentos, caso prevalecesse a decisão de 2022. O governo alegou que a regra mais benéfica aos aposentados teria impacto de R$ 480 bilhões no orçamento da União. No entanto, levantamento do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário aponta que o custo seria menor, de R$ 1,5 bilhão.

Votação

Na sessão, pesou o voto do ministro Cristiano Zanin, que citou uma liminar de mais de 20 anos, dizendo que a regra de transição deve prevalecer. "A declaração de constitucionalidade do artigo 3º da Lei 9.876, de 1999, impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação literal, que não permite exceção", argumentou. Seguiram Zanin os ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Flávio Dino e Kassio Nunes Marques, relator da matéria, que acabou por mudar o seu voto anterior, ficando com a maioria, a favor do pedido do governo federal. Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram a favor dos aposentados.

Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) comemorou a decisão e disse que o entendimento "traz segurança jurídica" para as aposentadorias. "Entre outros aspectos, ela garante a integridade das contas públicas e o equilíbrio financeiro da Previdência Social, patrimônio de todos os brasileiros. Além disso, evita a instalação de um cenário de caos judicial e administrativo que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) iria, inevitavelmente, enfrentar caso tivesse que implementar a chamada tese da revisão da vida toda, como observado nas razões apresentadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) nos processos em trâmite no Supremo", detalha o texto.

Insegurança jurídica

Especialistas e Direito Previdenciário, por outro lado, apontam que, ao contrário do que diz a AGU, a decisão intensificará a insegurança jurídica que prevalece hoje.

José Hailton Diana, advogado da Advocacia Riedel, destaca que a decisão dos magistrados afeta processos com situações semelhantes que estão tramitando nos tribunais brasileiros. "A decisão impactará milhares de processos que aguardavam a definição final do tema, que já havia sido analisado pelo STF em sede de repercussão geral. Tal decisão vai contra o interesse dos aposentados e pensionistas pois, caso não haja qualquer modificação ou modulação de efeito, a revisão da vida toda chega ao seu ponto final", explicou.

Ao todo, 4.319 processos estavam parados, aguardando a conclusão do julgamento relacionado à revisão da vida toda.

Nas redes sociais, o advogado Pedro Serrano, integrante do grupo Prerrogativas, lamentou o fato de a decisão ter sido tomada pensando na questão fiscal, e não no trabalhador. "Uma grande derrota para o nosso povo a derrubada pelo STF da tese da revisão da vida toda, há um verdadeiro poder desconstituinte no país em relação aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários. Gastamos quase metade de nosso orçamento público com juros e serviços da dívida, além de grandes benefícios fiscais ao grande capital, e formas de cálculo previdenciário um pouco mais benéficos a nossos aposentados são tidos como os vilões das contas públicas. Quanto ainda teremos de tempo histórico a frente para que a vida da maioria da humanidade deixe de ser preponderantemente dor, sofrimento e humilhação?", desabafou.

A ação que pede a revisão da vida toda prevê a aplicação de todo o período contributivo dos segurados para alcançar a média aritmética dos 80% maiores salários de contribuição. Com isso, em alguns casos, poderia haver o aumento do benefício de aposentadoria. Trabalhadores que fizeram contribuições maiores antes de 1994, quando foi criado o Plano Real, poderiam ter seus valores revistos para mais.

 

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