Jornal Correio Braziliense

PONTO A PONTO | Mauro Silva | presidente da Unafisco Nacional

Presidente da Unafisco Nacional defende reforma tributária para reduzir desigualdades

Com o objetivo de discutir sobre a importância e complexidade do tema, o Correio Braziliense promove, na próxima quarta-feira (12), o Correio Talks com o tema "Reforma Tributária: o Brasil quer impostos justos"

Discutida há mais de 30 anos e com pelo menos seis propostas de emendas à Constituição (PECs) e um projeto de lei no Congresso Nacional, a reforma tributária é vista como uma maneira de revisitar a organização do sistema de impostos brasileiro, otimizando seu funcionamento e corrigindo distorções. A promessa do governo é avançar, finalmente, nesse tema e, desde fevereiro, a Câmara dos Deputados instituiu um Grupo de Trabalho (GT), para discutir as duas propostas de reforma tributária mais recentes do Congresso: a PEC 110/2019, do Senado, e a PEC 45/2019, da Câmara.

O plano é que as duas medidas sejam unificadas a partir dos debates originados no GT. De acordo com o secretário especial do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, Bernard Appy, as mudanças nos impostos brasileiros devem ocorrer em duas etapas. A primeira delas é a tributação sobre o consumo — discussão que está amadurecida no Legislativo. Feita esta etapa, seria alterado, então, o imposto sobre a renda.

No meio das discussões, cada grupo de interesse tende a perseguir melhores condições fiscais para seu setor ou categoria. Para a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, o Unafisco, a reforma tributária é "um caminho para que possa ser alcançada a justiça fiscal", define o presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva. "Sem ela, as desigualdades regionais e sociais poderão até mesmo continuar aumentando, assim como a defasagem no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB)", afirma.

Com o objetivo de discutir sobre a importância e complexidade do tema, o Correio Braziliense promove, na próxima quarta-feira (12), o Correio Talks com o tema "Reforma Tributária: o Brasil quer impostos justos". O debate reunirá diversos especialistas da área econômica, como a própria Unafisco, e será transmitido ao vivo nas redes sociais do jornal. Confira a entrevista de Mauro Silva ao Correio:

Reforma Tributária

A Unafisco Nacional entende que a reforma é um caminho para que possa ser alcançada a justiça fiscal, o crescimento mais consistente do PIB e a geração significativa de emprego e renda. Mas é preciso incluir nela a tributação do patrimônio, da renda, especialmente na parte dos lucros e dividendos,para além da reforma sobre o consumo. Não há empecilho para que outras propostas ocorram de forma concomitante à do consumo, trata-se de uma escolha política.

Desigualdades

As consequências que se sobressaem são o desenvolvimento econômico defasado e o aumento das desigualdades regionais e sociais. A enorme quantidade de leis, o volume do contencioso judicial e administrativo e o custo de conformidade tributária são alguns dos fatores que desestimulam os investimentos. A não correção da tabela do Imposto de Renda e a não tributação dos lucros e dividendos, por exemplo, violam o princípio constitucional de igualdade no que se relaciona à capacidade contributiva. Além disso, a existência da guerra fiscal entre estados, proveniente da disputa pela cobrança de tributos, enfraquece o federalismo brasileiro e acaba beneficiando apenas algumas empresas.

Redesenho

O redesenho do sistema tributário é uma medida imperativa haja vista que afeta as famílias brasileiras, na qualidade de contribuintes, e os entes federativos que disputam uns com os outros pela legitimidade da cobrança de determinado tributo. Também é preciso considerar a complexidade oriunda da existência de 27 diferentes legislações de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e dezenas de legislações de ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza). Isso tudo afeta o custo das empresas e desestimula o investimento e a geração de emprego e renda.

Imposto único

É preciso calibrar bem a setorização de alíquotas do imposto único, o novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) subnacional, para não onerar demasiadamente alguns setores que hoje estão alinhados com outro nível de alíquotas. Uma calibragem mal feita pode transferir para a classe média um peso enorme e desproporcional da carga tributária, especialmente no que se relaciona com a tributação da saúde e da educação.

Distorções

As classes média e baixa são as mais afetadas com o sistema tributário vigente, pois arcam com uma carga tributária proporcionalmente mais elevada que os mais ricos. A correção da tabela do Imposto de Renda, assim como a reforma da tributação do patrimônio e herança seriam fundamentais para promover maior equidade entre as faixas de renda e podem ser realizadas neste momento, de forma simultânea à reforma tributária sobre o consumo.

Demora

A primeira proposta de reforma tributária sobre o consumo foi a PEC 175/1995. É um tema pertinente à agenda tributária há muito tempo. A discussão enfrenta resistência por setores beneficiados pelo sistema atual, bem como assusta os entes federativos com medo de perder receitas.

Expectativa

É possível concluir a reforma ainda este ano, se observarmos , na prática das duas casas do parlamento, o empenho prometido pelo governo e se o presidente Lula usar a sua tão bem conhecida e respeitada capacidade de negociação que foi destacada nos dois primeiros períodos como presidente.

Justiça fiscal

Ela é fundamental nesse sentido, pois é capaz de corrigir as distorções presentes no sistema atual, mas deve englobar a reforma sobre a renda, patrimônio, lucros e dividendos e o financiamento da previdência, haja vista que a reforma tributária sobre o consumo, por si só, não será capaz de corrigir todos os problemas, especialmente aqueles relacionados à justiça fiscal. Sem ela, as desigualdades regionais e sociais poderão até mesmo continuar aumentando, assim como a defasagem no crescimento do PIB. Serão majoritariamente afetadas as famílias de classe média e baixa, que atualmente são excessivamente oneradas e por não serem beneficiadas pelo aumento na oferta de empregos.