O risco fiscal voltou a dar as cartas no mercado doméstico de câmbio e levou o real a amargar o pior desempenho entre as principais moedas do mundo, ontem, incluindo divisas fortes e de países emergentes. A proposta do governo de cortar tributos federais sobre combustíveis e compensar estados por perdas de arrecadação com Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) — com impacto estimado em R$ 40 bilhões — voltou a despertar temores de uma escalada populista em ano eleitoral.
Investidores partiram para a defensiva já na abertura dos negócios, levando o dólar a abrir acima de R$ 4,80. Com renovação de sucessivas máximas, a moeda chegou a superar R$ 4,90 ainda pela manhã, correndo até R$ 4,934 ( 2,89%). O movimento comprador perdeu força ao longo da tarde, em sintonia com o exterior, com a divisa voltando a ficar abaixo de R$ 4,90. No fim do dia, o dólar avançava 1,64%, cotado a R$ 4,874 — maior valor de fechamento desde 19 de maio.
"O movimento de alta do dólar foi predominantemente doméstico. Houve um aumento da percepção de risco que se refletiu na moeda e nos juros futuros", explicou o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho. "O corte de impostos não vai criar um problema fiscal a curto prazo, mas o sinal é muito ruim. A zeragem de impostos é para controlar a inflação e não para aumentar a eficiência da economia. E existe ainda o risco de judicialização."
A economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, observou que, embora possa ter impacto positivo na inflação deste ano, a redução de tributos agrava a percepção sobre a política fiscal, que já vem desgastada pela mudança do teto de gastos. "A pressão sobre o real reflete o desconforto dos investidores com o cenário", resumiu.
Segundo cálculos do Bradesco, a aprovação do projeto que cria um teto de 17% para o ICMS (sobre combustíveis e energia) e da PEC proposta pelo governo poderia levar o IPCA deste ano de 9%, no cenário-base do banco, para 6,8%. Haveria, contudo, um aumento de ao menos 1 ponto porcentual no ano que vem, de 4,1% para 5,1%.
Os riscos fiscais envolvidos nas duas propostas seriam suficientes para alterar a projeção para o resultado primário do setor público consolidado em 2022 de superavit de R$ 40 bilhões para deficit de R$ 45 bilhões, alerta o banco. "Nossa expectativa para o câmbio também seria ajustada, refletindo o aumento do risco fiscal", disseram os economistas do Bradesco, em relatório.
A proposta do governo para desonerar combustíveis teve impacto também no mercado de juros, levando as taxas dos principais vencimentos a fecharem no pico do ano. A taxa do contrato de depósito interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 fechou em 13,49% ao ano, de 13,451% no ajuste anterior, e a do DI para janeiro de 2024 subiu de 13,076% para 13,205%.
A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) terminou o dia com leve perda, de 0,11%, aos 110.070 pontos. As ações de empresas exportadoras de commodities evitaram queda maior.
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