COMÉRCIO EXTERIOR

Agronegócio sob pressão

União Europeia estuda barrar produtos oriundos de desmatamento e pode afetar exportações brasileiras

Fernanda Strickland Bernardo Lima* Maria Eduarda Angeli* João Vitor Tavarez*
postado em 19/11/2021 00:01

Restrições de natureza ambiental contra exportações de matérias-primas e produtos agrícolas que estão sendo estudadas por diversos países consumidores podem ter um impacto de bilhões de dólares para a economia brasileira. A mais recente iniciativa nesse sentido foi proposta, na última quarta-feira, pela Comissão Europeia ao Parlamento Europeu, e pretende barrar a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas. A lista inclui a carne e a soja, duas commodities muito exportadas pelo Brasil.

O agronegócio brasileiro é alvo de barreiras sanitárias. Em outubro, a China suspendeu as compras de carne brasileira depois que foram registrados indícios de contaminação de gado pelo "mal da vaca louca". As suspeitas não foram confirmadas, mas, mesmo assim, as importações não foram até agora retomadas. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), só o veto da China à carne brasileira poderá gerar perdas, caso dure até o fim de 2021, de R$ 6,8 bilhões aos exportadores nacionais. Nesta semana, produtores norte-americanos começaram a fazer pressão para que o governo dos Estados Unidos adote restrição idêntica.

A Comissão Europeia propôs regras de controle para as empresas exportadoras, que deverão provar que suas cadeias de fornecedores não têm ligação com o desflorestamento, cujos principais produtos associados são: soja, carne, óleo de palma, madeira, cacau, café e alguns produtos derivados, como couro, chocolate e móveis.

Doutor em economia pela Universidade de Paris XII, Carlos Alberto Ramos, avalia que sanções impostas sobre o agronegócio brasileiro afetam, sobretudo, economias regionais de algumas das principais áreas produtoras do setor no país. "Tão importante quanto o setor é o impacto regional. Todo o Centro-Oeste, o sul e o norte da Bahia, por exemplo, podem ser muito afetados por decisões como essas", disse

O economista explicou que o consumo sustentável é uma tendência que veio para ficar. Com isso, exportar para países desenvolvidos será difícil para quem não se adequar às exigências do mercado. Para Ramos, isso também é reflexo da vontade dos próprios consumidores. "Na Europa, a opinião pública é muito a favor da preservação do meio ambiente. Os consumidores são exigentes, querem produtos que não contribuam com o desmatamento. Também por uma questão de saúde, produtos sem agrotóxicos são mais aceitos."

De acordo com levantamento da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o Brasil exportou entre setembro de 2020 e setembro de 2021 US$ 37,4 bilhões em soja. Já o total em carnes bovina, de aves e suína foi de US$ 18,7 bilhões. Os dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), mostram que as exportações do agronegócio foram de US$ 10,10 bilhões em setembro, atingindo o recorde da série histórica no mês.

Para o economista e pesquisador da Unicamp Felipe Queiroz, os embargos são válidos. "O governo não tem adotado nenhuma medida de combate ao desmatamento, nem procurado se aproximar dos seus parceiros externos", disse. Queiroz afirmou que, embora exista uma diferença entre o agronegócio sustentável e invasores de terras e reservas, é difícil exigir que estrangeiros tenham noção dessa distinção: "Até para quem está no Brasil, isso causa dificuldade, imagine para o comprador internacional, que talvez não tenha uma dimensão tão aprofundada sobre os problemas e as contradições na atual política brasileira".

O ambientalista Charles Dayler explicou que o primeiro passo para avaliar o impacto ambiental é saber se as barreiras estão sendo efetivas. "Se sim, não resta outra solução ao governo e aos exportadores a não ser tomar as medidas drásticas no sentido de preservar o meio ambiente. Caso o Brasil não mude, o principal afetado é o agronegócio, um setor que tem muita força, tanto no Executivo como no próprio Legislativo", explicou.

O projeto da Comissão Européia ainda deverá ser apreciado pelo Parlamento Europeu e pelos 27 membros do Conselho Europeu. A iniciativa aconteceu após a COP26, evento ambiental que ocorreu em Glasgow, na Escócia, e terminou no último sábado. Na ocasião, vários países, incluindo Brasil, assumiram compromisso de acabar com o desmatamento até 2030.

Segundo Antonio Jorge Ramalho da Rocha, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a postura adotada pelo governo brasileiro frente às questões ambientais agride seus parceiros comerciais, que respondem com pressões em favor de posturas responsáveis em relação ao meio ambiente — um interesse que deveria ser sobretudo do próprio Brasil, segundo avaliou.

*Estagiários sob a supervisão

de Odail Figueiredo

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