CONJUNTURA

Indústria tem 3ª queda seguida

Com recuo de 0,7% em agosto, produção do setor ficou abaixo do nível de fevereiro de 2020, antes da pandemia. Para a CNI, tendência é de que cenário de queda se mantenha, devido, entre outros fatores, à alta das taxas de juros conduzida pelo Banco Central

A produção industrial vem desacelerando mês a mês e, ao que tudo indica, o cenário deverá se manter nos próximos meses. Pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta mais uma queda — desta vez, de 0,7% em agosto, ante julho. Com o resultado, o terceiro recuo consecutivo, a indústria voltou a um patamar 2,9% abaixo do verificado em fevereiro do ano passado, antes da pandemia, e 19,1% inferior ao nível recorde de produção, registrado em maio de 2011.

Os dados do IBGE mostram que a queda em agosto foi puxada, principalmente, por produtos químicos (-6,4%), derivados do petróleo e biocombustíveis (-2,6%), veículos automotores (-3,1%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-9,3%) e pela produção de coque — carvão utilizado na redução do minério de ferro a ferro metálico.

Com recuo de 3,4% no mês, a categoria bens de consumo duráveis teve a oitava queda seguida, acumulando, no período, recuo de 25,5%. O segmento abrange a indústria de automóveis, que tem sofrido há meses com a escassez de componentes. “Esse setor é conhecido pela dificuldade que enfrenta na obtenção de insumos, como os semicondutores usados na produção de veículos, que tem sido muito impactada”, explicou o gerente de Políticas Tributária e Fiscal da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mário Sérgio Carrara.

O representante da CNI observou que a indústria acumula retração superior a 8% em 2021. “Isso é muito influenciado pela queda dos bens de consumo, principalmente dos chamados bens de consumo duráveis, que tiveram retração de 20% somente este ano”, afirmou. Segundo Carrara, além de problemas estruturais, como o alto custo da energia elétrica, a indústria também voltou a sofrer concorrência de produtos importados. “As importações cresceram em quantidade próxima de 6%, e parte da queda na produção nacional de bens de consumo é por causa dos importados que estão voltando a ganhar o mercado”, pontuou. De acordo com o gerente da CNI, o sistema tributário beneficia os produtos importados em relação à produção doméstica.

Apesar das quedas recentes, a indústria acumula ganho de 9,2% no ano e de 7,2% nos últimos 12 meses. Já na comparação com agosto de 2020, o setor recuou, também, 0,7%, interrompendo 11 meses de crescimento nesse indicador. A base de comparação muito baixa da pior fase da pandemia, em 2020, foi o principal fator para as altas, aponta o gerente da pesquisa do IBGE, André Macedo. “As bases de comparação dos meses anteriores estavam muito depreciadas. Isso justificava, inclusive, taxas de crescimento de dois dígitos. Chegamos a esse primeiro resultado negativo depois de 12 meses de crescimento na produção”, disse Macedo.

Para Sérgio Carrara, da CNI, a tendência é de novas quedas à frente, entre outros motivos, pelo aumento das taxas de juros promovida pelo Banco Central para segurar a inflação. Por enquanto, a alta dos juros ainda não se traduziu em redução da demanda industrial. “Mas, em alguns meses, vai começar a ter efeito e aí teremos redução da demanda doméstica, com novo impacto sob a produção da indústria”, afirmou.

Marco ferroviário passa no Senado
O Senado aprovou ontem, em votação simbólica, o PL nº 261/2018, que cria o novo Marco Legal das Ferrovias. O principal avanço é liberar um novo regime ferroviário no país, chamado de “autorização”. Nele, novos traçados são construídos exclusivamente pelo interesse da iniciativa privada, sem licitação. Muito comum em países como EUA e Canadá, o modelo nasce para atender demandas específicas do transporte de cargas, identificadas pelos próprios produtores e empresas. O PL ainda deve passar pela Câmara.

Incerteza pressiona dólar e risco Brasil

Com o dólar em franca disparada — a moeda fechou ontem a R$ 5,48, com alta de 0,71% — o CDS, índice que mede o risco Brasil, atingiu o nível mais elevado em seis meses. Na manhã de ontem, o indicador estava em 208 pontos. De acordo com dados da IHS Markit, desde 24 de setembro, o CDS opera acima do nível de 200 pontos. A última vez em que o indicador esteve em patamar semelhante ao atual foi em 15 de abril, quando era de 209 pontos. Naquele momento, os agentes de mercado se mostraram tensos com relação às negociações envolvendo o Orçamento de 2021.

Segundo a economista Catharina Sacerdote, especialista em investimentos, o CDS é como um termômetro para investidores estrangeiros, medindo, a grosso modo, os riscos de pagamento das dívidas de um país.

“Os complicadores acontecem porque há um risco fiscal e político doméstico. Há meses, o país vive uma certa tensão sobre alguns episódios, que, quando reunidos em um único cenário, como brigas entre os Poderes, informações que colocam o Ministro da Economia em dilema ético, tornam tudo um efeito bola de neve sobre o investidor estrangeiro”, explicou.

De acordo com a especialista, a combinação de risco país elevado e da possibilidade de taxas de juros melhores em economias estáveis, como Europa e Estados Unidos, leva o investidor estrangeiro a optar por investir em outro país. “Acaba acontecendo uma escassez de dólar no mercado interno, e isso faz as cotações aumentarem”, comentou.

Para Sacerdote, a escalada do dólar tem impacto nos preços, tanto dos produtos importados quanto dos produzidos internamente, que veem aumentar a demanda por exportação, afetando o mercado de consumo doméstico.

O economista Vanei Nagem, responsável pela mesa de câmbio da Terra Investimentos, explica que a incerteza econômica, principalmente com relação a 2022, o ano de eleição, está pressionando o risco Brasil. “Você tem um governo que se perdeu. O ministro da Economia se enfraqueceu e não consegue fazer grandes mudanças nem implantar as reformas fiscal e administrativa”, disse. “Isso está aumentando o risco Brasil e pressionando o dólar, deixando investidores preocupados em relação ao mercado”, afirmou.