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Poder

A estratégia de Caiado para tentar ocupar vácuo de Bolsonaro nas eleições de 2026

Lançamento da pré-candidatura do governador de Goiás ao Planalto ocorre devido ao vácuo deixado por Bolsonaro, segundo analistas, rachando a direita entre radicais bolsonaristas e moderados.

Em um auditório cheio no Centro de Convenções de Salvador (BA), o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), lançou sua pré-candidatura à presidência, faltando um ano e meio para as eleições de 2026.

O experiente político que se formou em medicina e fez fortuna vendendo e comprando cabeças de gado tem se apresentado como um representante de uma ala "mais moderada do agronegócio".

Após se reeleger há dois anos, Caiado tenta assim superar o desconhecimento de seu nome fora do seu Estado e se cacifar como candidato da direita em 2026.

Com apoiadores estrategicamente vestindo camisetas verdes, amarelas e azuis, o governador goiano tem tentado se apropriar da coloração incorporada pela direita radical desde os atos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Assim, Caiado busca ocupar o vácuo que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode deixar devido à sua inelegibilidade, embora diga que não é "preposto" e nem "tutelado" de ninguém.

Bolsonaro, declarado inelegível pela Justiça eleitoral e agora réu acusado de liderar uma suposta tentativa de golpe (o que ele nega), tem reafirmado sua intenção de concorrer no ano que vem, e se recusa a deixar que um aliado ou familiar assuma seu lugar — ao menos por enquanto.

Caiado, por sua vez, decidiu não esperar por uma definição de Bolsonaro para determinar seus próximos passos e deve se lançar em uma nova candidatura presidencial — na primeira, em 1989, ficou em 10º lugar, com 0,72% dos votos.

Entre batuques e um berrante, Caiado recebeu a Comenda 2 de julho e o título de cidadão baiano, ao lado de dezenas de apoiadores.

Antes de subir em um disputado palco, Caiado conversou com a imprensa, mas não respondeu, ao ser perguntado se iria na avenida Paulista no domingo (6/4) em ato convocado por Bolsonaro pela anistia.

"Vamos falar primeiro do assunto do lançamento do Caiado", afirmou, encerrando o assunto.

Em meio a pressões internas para desistir da candidatura ante a discussão sobre uma federação entre seu partido e o Progressistas (PP), Caiado disse que "o partido está aberto a todos que quiserem disputar a prévia".

Mas não respondeu sobre a federação. "O assunto partidário nós vamos resolver no decorrer do tempo", disse. Antônio Rueda, presidente do União Brasil, não apareceu

O ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, atual vice-presidente do União Brasil, aproveitou o palanque para criticar o PT. Uma das estratégias do governador goiano é tentar se posicionar como o candidato anti-PT.

"O governador, que é do PT, não gosta, mas eu não posso deixar de fazer uma comparação", disse ACM, sobre o governador Jerônimo Rodrigues.

Sem citar fontes, comparou Goiás e Bahia, em geração de emprego, pobreza, saúde e educação, colocando sempre a Bahia em baixas posições, e Goiás, em altas.

Na mesma linha, o prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil), comparou os dois Estados.

"Sete, das dez cidades mais violentas do Brasil estao na Bahia", afirmou Reis, ao comparar a segurança, educação e saúde dos dois Estados, também sem citar fontes. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, seis cidades baianas figuravam entre as dez mais violentas do país em 2023.

Obstáculos à candidatura

Caiado começou a caminhar na direção de uma candidatura própria quando se afastou do bolsonarismo, sem, no entanto, romper por completo, e redobrou a aposta na carta de porta-voz do agro ao ensaiar uma chapa com o cantor Gusttavo Lima, iniciativa lançada e abortada pelo próprio sertanejo.

Analistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam, no entanto, que a peça movida pelo governador de Goiás no xadrez eleitoral do próximo ano é um movimento ainda incerto, não só pela antecedência.

"A primeira questão é saber se o União Brasil quer ter um candidato", afirma Marco Antonio Carvalho Teixeira, cientista político e professor do Departamento de Gestão Pública da FGV/EAESP.

Ele lembra que o partido de Caiado faz parte da base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ocupando os ministérios das Comunicações, Turismo e Integração e Desenvolvimento Regional.

"É uma contradição, mas é algo típico da política brasileira", diz Teixeira.

A BBC News Brasil questionou o presidente do União Brasil, Antonio de Rueda, por meio de sua assessoria de imprensa, se há consenso da sigla em torno da candidatura do governador goiano, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Outro possível obstáculo às ambições de Caiado é a negociação em curso do União Brasil com o Progressistas (PP) para formar uma federação partidária. Se isso acontecer, na prática, as duas legendas vão atuar como uma só.

A nova federação teria a maior bancada da Câmara dos Deputados e já foi aprovada pela bancada do PP, que agora aguarda o União Brasil se manifestar.

O presidente nacional do PP, o senador Ciro Nogueira, já disse que Caiado precisaria do aval de Bolsonaro, de quem Nogueira foi ministro, para concorrer.

Ainda pesa sobre Caiado uma condenação do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás nas eleições de 2024.

Em dezembro do ano passado, o TRE condenou Caiado alegando abuso de poder por ter usado o Palácio das Esmeraldas, sede do governo e residência oficial do governador, para fazer eventos em apoio a Sandro Mabel, candidato do União Brasil à Prefeitura de Goiânia nas últimas eleições.

Mabel e sua vice, a tenente-coronel Claudia Lira (Avante), também foram condenados. As defesas negaram as acusações e recorreram ao TRE. Ainda há a possibilidade de recorrer ao TSE depois, e, até que os recursos sejam julgados, eles mantêm os direitos políticos.

A decisão tornou Caiado e Mabel inelegíveis por oito anos, mas Teixeira afirma que "o recurso por si só suspende a inelegibilidade", removendo a princípio essa barreira às suas ambições profissionais.

Campanha 'fora da bolha'

Caiado também deve esbarrar em divergências dentro do seu campo ideológico, o que, segundo Carlos Ugo, professor de ciências sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), explicaria, em parte, o lançamento precoce da sua pré-candidatura.

"Se Caiado não se afastar de Bolsonaro, ele pode ser devorado pelo negacionismo e pelas posições extremas", diz Ugo. "E a maneira dele tomar distância é se lançando pré-candidato agora."

O afastamento estratégico que o governador goiano está promovendo em relação a Bolsonaro, segundo os analistas, tem como pano de fundo uma relação que já sofreu desgastes.

No ano passado, Bolsonaro fez um discurso durante as eleições municipais em Goiânia criticando a atuação de alguns governadores na pandemia de covid-19.

"Criaram um terror no Brasil. Nós, na pandemia, fizemos o que tinha que ser feito. Fui contra governadores que falavam 'fiquem em casa, a economia a gente vê depois'. Governador covarde! Governador covarde! O vírus ia pegar todo mundo, não tinha como fugir do vírus", disse o ex-presidente, sem mencionar nominalmente Caiado.

A pandemia foi justamente a razão da ruptura dos então aliados. Após apoiar Bolsonaro nas eleições de 2018, Caiado rompeu com o ex-presidente em 2020, por defenderem posições antagônicas diante da crise sanitária em relação ao isolamento social.

Mas eles se reaproximaram nas eleições de 2022, quando Caiado apoiou novamente Bolsonaro. No entanto, em 2024, eles romperam de novo, depois que Bolsonaro não apoiou os candidatos de Caiado em cidades goianas.

Incorporando a pré-candidatura, Caiado já tem falado como postulante. Ao UOL, disse, antes da condenação de Bolsonaro pelo STF, que o ex-presidente tem "direito" de ser candidato. "É um direito dele", disse, o que poderia equiparar à estratégia utilizada por Lula em 2018.

Mas, no movimento de se afastar do radicalismo, divergiu de Bolsonaro que diz haver uma "ditadura no STF".

"Tentar rotular um poder, de maneira alguma, como democrata que sou, rotularei. Existe um descontentamento por parte do ex-presidente [Bolsonaro] em relação à maneira como está sendo conduzido o processo. Mas, até aí, ser dito 'ditadura', não acredito que seja uma ditadura. Acho que deverá ser dada a oportunidade de fazer uma ampla defesa", afirmou Caiado ao portal Metrópoles, antes do julgamento ocorrido nesta semana.

Diante desses movimentos do governador, Teixeira avalia que Caiado agora está se antecipando como candidato conservador do campo da direita. "Embora ele não seja um representante da extrema-direita", diz o professor da FGV. "Ele está tentando fazer uma campanha fora da bolha."

Para Teixeira, a ausência de Caiado na manifestação pela anistia, organizada por Bolsonaro e seus aliados em Copacabana em 16 de março aponta para essa tentativa de Caiado de sair da bolha e para a fragmentação da direita.

Ali, o ex-presidente reuniu seus apoiadores em prol da aprovação de um perdão aos acusados e condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília, que poderia vir a beneficiá-lo em uma eventual condenação por tentativa de golpe pelo Supremo Tribunal Federal.

Por outro lado, quem subiu no carro de som para defender Bolsonaro foi o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Seu nome apareceu no ato pela anistia como favorito para concorrer à Presidência no lugar de Bolsonaro, segundo pesquisa realizada pelo Monitor do Debate Político do Centro Brasileiro de Análise e Pesquisa (Cebrap) e pela ONG More In Common. Foi o escolhido de 42% dos manifestantes presentes ali ouvidos no levantamento.

Após Bolsonaro se tornar réu no STF, Tarcísio fez mais um gesto em favor do ex-presidente ao dizer ter certeza que Bolsonaro vai provar sua inocência.

"Tenho plena confiança naquilo que ele fez, naquilo que ele é", declarou o ex-ministro de Bolsonaro, que também reafirmou que tentará se reeleger governador.

Já Caiado não saiu em defesa de Bolsonaro ao comentar sobre o assunto ao portal Metrópoles, quando se limitou a dizer que espera que o ex-presidente tenha direito a ampla defesa.

O governador também disse que não considera que ele esteja fora da disputa presidencial, dando como exemplo o caso de Lula, que foi preso, teve a condenação anulada e se elegeu em 2022.

Também são citados como possíveis alternativas a Bolsonaro a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro (PL), e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que na semana passada anunciou sua licença da Câmara para viver nos Estados Unidos, retirando-se, ainda que temporariamente, do jogo de 2026.

Wagner Meier/Getty Images
Tarcísio de Freitas entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e o governador do Rio, Cláudio Castro, em ato pela anistia no dia 16/3

Ainda assim, Teixeira avalia que Tarcísio é o nome mais provável do bolsonarismo para disputar o Planalto com Lula.

"A inviabilização de Bolsonaro e essa decisão de Eduardo Bolsonaro [de sair do país] vão fazer, de certa forma, e se não houver nenhuma mudança muito brusca, com que o Tarcísio seja o candidato do grupo", diz o professor.

Isso, segundo Teixeira, pode beneficiar o bolsonarismo no curto prazo, porque uma eventual candidatura presidencial de Tarcísio abriria caminho para o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), reeleito no ano passado, disputar o governo paulista, e para que seu vice, o coronel Mello Araújo (PL), indicado por Bolsonaro, assuma a Prefeitura.

"A maior cidade do país poderia assim ser controlada pelo PL. Não é pouca coisa", diz Teixeira. "Tem uma operação que, ao meu juízo, explica o discurso radical do Tarcísio [no ato pela anistia]."

Do alto do trio elétrico na praia de Copacabana, o governador paulista questionou "a razão de afastar Jair Bolsonaro das urnas".

"É medo de perder a eleição, porque eles sabem que vão perder?", disse diante de um público mais minguado do que se esperava para a ocasião. Tarcísio também defendeu que as pessoas presas em decorrência do 8 de janeiro são "inocentes que nada fizeram".

"O que eles fizeram? Usaram batom? Em um país onde todo dia a gente assiste a traficante indo para a rua. Onde os caras que assaltaram o Brasil, os caras que assaltaram a Petrobras voltaram para a cena do crime, voltaram para a política", disse Tarcísio, comparando com políticos presos, dentre eles Lula, na Operação Lava Jato.

Por sua vez, Caiado disse ser favor à anistia para quem não cometeu crimes considerados graves, mas tem reclamado de uma demora para que o assunto seja esgotado.

"Fica uma repetição de um quadro que o cenário jurídico vai julgar", disse à CNN o governador, que, em uma quebra com o bolsonarismo, se posicionou recentemente contra o impeachment de ministros do STF e refutou a tese defendida por bolsonaristas de que o Brasil vive uma "ditadura do STF", enquanto ensaia um discurso de candidato à Presidência.

"Nós vamos nos colocar no processo eleitoral e quem tiver maior visão do Brasil e maior capacidade de apresentar soluções, tendo independência moral e intelectual para ser presidente do país, eu acho que tem capacidade de chegar lá", disse Caiado.

Candidato do 'agro moderado'

Governo de Goiás
Desde sua própria candidatura em 1989, Caiado poderá ser o primeiro representante do agro a disputar a presidência

Apesar de ter apoiado Bolsonaro em 2018 e em 2022, Caiado se afastou do bolsonarismo também ao repudiar os atos golpistas de 8 de janeiro, classificando, na época, como "inadmissível, inaceitável e condenável".

Na mesma linha, o governador representa a ala mais "moderada do agronegócio", como diz Teixeira, em contraponto a um "agro radical" que estaria alinhado a Bolsonaro.

"Assim como com os evangélicos, a gente não pode interpretar o agro como um corpo homogêneo", afirma o professor da FGV. "Caiado é representante de uma parte do agro. O agro radical diz que não é representado por ele."

Essa aversão poderia vir a beneficiar Caiado, argumenta Teixeira, já que o "agro radical" tem sido ligado aos atos de 8 de janeiro.

O "pessoal do agronegócio", teria dado dinheiro ao general Walter Braga Netto, preso desde dezembro, para financiar os atos golpistas, segundo afirmou o general e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, em depoimento à Justiça. A Polícia Federal ainda não conseguiu identificar quem seriam essas pessoas.

Na mesma esteira, relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) de 2023, apontou que o grupo informal Movimento Brasil Verde e Amarelo foi um dos articuladores dos atos contra a democracia.

Fundada em 2018 por representantes de entidades como a Associação de Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso e Goiás, Associação Nacional de Defesa Dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores da Terra e a própria União Democrática Ruralista (UDR), criada por Caiado em 1985, a organização nega que tenha agido contra a democracia.

Segundo o relatório da Abin, atualmente o grupo é formado por lideranças da Andaterra e Aprosoja. Esta última foi uma das patrocinadoras da Conferência da Ação Política Conservadora, evento da direita radical ocorrido no ano passado em Balneário Camboriú (SC).

Caiado, dono de uma fortuna de quase R$ 25 milhões, tem no agro a sustentação dos bens declarados ao TSE nas eleições de 2022.

Seu rebanho de gado e búfalos, avaliado em R$ 5 milhões, lidera a lista, além de 17 fazendas, 2 apartamentos, 13 terrenos, sociedade em cooperativas agropecuárias, empresa do setor imobiliário e outros investimentos.

No início deste ano, um aliado importante despontou publicamente como alguém que poderia compor chapa com o governador de Goiás, dando ainda mais peso para uma chapa puro-sangue do agro: Gusttavo Lima anunciou seu desejo de ser presidente.

Sem partido nem antecedente na política, o cantor sertanejo tem, por outro lado, o que Caiado até hoje não conseguiu, que é ser conhecido nacionalmente. Além de mais de 45 milhões de seguidores no Instagram, ante pouco mais de 1 milhão do governador.

Ao longo dos últimos três meses, o cantor chegou até a dizer, por meio de sua assessoria de imprensa, que iria ao evento de lançamento da pré-candidatura do governador, de quem é "amigo pessoal".

Mas recentemente o cantor anunciou sua desistência por razões "de família". A assessoria de imprensa do cantor não confirma mais a presença de Gusttavo Lima no evento de Caiado em Salvador.

Ainda que sem unanimidade, o nome de Caiado seria, segundo Teixeira, a primeira candidatura do agro à Presidência em décadas. "Desde o próprio Caiado, em 1989", diz o professor.

O agronegócio nunca mais lançou um candidato próprio desde então. "Sempre foi um preposto. Bolsonaro mesmo era um preposto, que se dizia o candidato do agro", afirma Teixeira.

O professor lembra que a política está associada aos interesses econômicos, que podem ser de diferentes setores: "Lá atrás era a Febraban [Federação Brasileira dos Bancos] que exercia forte influência. Agora é a vez do agro".

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