O papa de todas as fés

Geneviève: quem é a amiga de Francisco que comoveu o mundo

Freira francesa, integrante da fraternidade Irmãzinhas de Jesus, quebrou o protocolo para velar o corpo do pontífice, que conheceu após o assassinato de uma tia durante a ditadura militar argentina

A irmã Geneviève passou vários minutos diante do caixão do papa Francisco, numa homenagem ao amigo: imagem comoveu o mundo  -  (crédito:  AFP)
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A irmã Geneviève passou vários minutos diante do caixão do papa Francisco, numa homenagem ao amigo: imagem comoveu o mundo - (crédito: AFP)

Essa é uma história de amizade que começa trágica e termina em uma das cenas que mais comoveram o mundo na última quarta-feira (23/4). Foi o assassinato de uma tia durante a ditadura militar na Argentina que uniu a francesa Geneviève Jeanningros ao argentino Jorge Mario Bergoglio, oito anos antes de ele assumir o Vaticano. O último encontro entre eles aconteceu na Basílica de São Pedro, onde a freira, de compleição frágil, quebrou o protocolo para velar o corpo do pontífice.

A imagem da religiosa inclinada em frente ao caixão de Francisco rodou o mundo. A integrante da fraternidade Irmãzinhas de Jesus passou vários minutos diante do corpo, após os restos mortais serem levados para a Basílica de São Pedro, chamando a atenção de fotógrafos e cinegrafistas. 

Discreta, Geneviève, nascida na França em 1943, foi procurada pela agência de notícias France Presse (AFP), mas não quis dar entrevista. Em vez disso, mandou um vídeo publicado no YouTube, em que relata a relação de amizade com Francisco, que começou em 2005, quando ele ainda era arcebispo de Buenos Aires. 

Enterro

A religiosa revelou que havia acabado de voltar do enterro da tia, a também freira Léonie Duquet, em Buenos Aires. Em dezembro de 1977, ela e a religiosa Alice Domon foram atiradas ao mar, com outros 10 ativistas, em um "voo da morte". Conhecida na Argentina como vuelo de la morte, a prática da ditadura militar daquele país consistia em drogar prisioneiros políticos e jogá-los, vivos, no oceano. 

O corpo de Léonie, porém, foi devolvido para a terra firme e, no mesmo ano, sepultado em uma vala comum. Só foi identificado no início dos anos 2000, quando, então, a família recebeu o aval do cardeal Jorge Mario Bergoglio para ser enterrado no jardim da Igreja de Santa Cruz. Nesse local, a religiosa havia sido detida. "Não conseguia aceitar que parte da Igreja estivesse com a ditadura", recordou, no vídeo, a irmã Geneviève Jeanningros. 

O também francês Éric Domergue, cujo irmão foi assassinado em 1976, disse, em entrevista à AFP, que se lembra de Geneviéve com um "olhar penetrante e o sorriso permanente". "Ela sempre está atenta, perguntando pelos familiares dos franceses desaparecidos e dos argentinos, também."  

Hierarquia

Embora aliviada com o enterro tardio da tia, Geneviève lamentou a ausência da hierarquia católica no funeral. Por isso, decidiu escrever ao então arcebispo de Buenos Aires. Bergoglio estava na Cidade do Vaticano para um sínodo de bispos e ligou para ela no mesmo dia. Garantiu-lhe que conhecia a situação e por isso permitiu o enterro de Duquet e de duas mães da Praça de Maio no recinto da igreja. A freira, porém, não ficou convencida.

Oito anos depois, a religiosa francesa estava na Praça de São Pedro quando o recém-eleito papa Francisco saiu ao balcão da basílica homônima. "Levei as mãos à cabeça e pensei: 'Meu Deus, o que vai acontecer?' Sentia medo, verdade seja dita", explicou, no vídeo. 

Porém, ela também disse que a mensagem de Francisco a favor de uma Igreja para os pobres a tranquilizou. Semanas depois, foi a uma missa na residência de Santa Marta, no Vaticano, a convite do pontífice. A partir daí, viraram amigos. 

Francisco, inclusive, a visitou no local onde ela vive, uma comunidade circense no parque de diversões Luna Park, no litoral romano. O papa atendeu a um pedido da freira, preocupada com a falta de renda do circo devido à pandemia de covid-19, no início de 2020. Geneviève, na ocasião, atuou como mensageira de um grupo de prostitutas trans latino-americanas, às quais Francisco também ajudou materialmente.

A última vez em que a freira o viu com vida foi quando o pontífice percorreu a praça de São Pedro a bordo do papamóvel, no domingo de Páscoa. Ela já pensava em pedir entradas para a próxima audiência papal, mas não houve tempo. Horas depois, Francisco estaria morto.

 

 

postado em 25/04/2025 06:01