
Na quarta-feira (23/4), durante o velório do papa Francisco, a cena de uma freira que quebrou protocolos da cerimônia comoveu fiéis. A irmã Geneviève Jeanningros, 81, conseguiu, com auxílio de um dos seguranças do Vaticano, ficar próxima à faixa que separa o público do caixão. Ela ficou ali, imóvel, chorando, por oito minutos.
A cena é considerada uma quebra de protocolo, pois o momento, no início do velório, era reservado aos cardeais, bispos e padres.
A emoção de Geneviève mostra uma amizade de longa data com Francisco, dois seguidores de linhas que prezam pela simplicidade e humildade. Francesa de família argentina, a freira faz parte da fraternidade Irmãzinhas de Jesus, fundada em 1939, na Argélia. O grupo preza por uma vida como a de Jesus Cristo, de abdicação dos bens materiais e partilhada com os mais pobres.
Há 56 anos, ela e outra freira, a irmã Anna Amelia, vivem em um trailer que compartilham com pessoas da comunidade LGBTQIA+ e trabalhadores do circo. A religiosa é uma defensora das minorias e conta que não faz perguntas sobre gênero ou orientação sexual das pessoas que ajuda. O importante, para ela, é “ir aonde a Igreja tem mais dificuldade de ir”.
A amizade entre Francisco e Geneviève começou logo no início do papado. Na ocasião, ela enviou uma carta ao pontífice em que narrou crueldades sofridas por uma tia dela, missionária na Argentina durante a ditadura militar no país, chamada por ela de “Guerra Suja”. Desde então, os amigos passaram a trocar correspondências. Os encontros também foram frequentes, durante quase todas as quartas-feiras, quando a irmã ia à Praça São Pedro junto aos grupos que acolhia.
Durante a pandemia, enquanto a comunidade sofria com a falta de trabalho e comida, irmã Geneviève e o padre Bem-aventurada Virgem Imaculada, Andrea Conocchia, decidiram pedir ajuda ao Vaticano. A ajuda veio por meio do Esmoleiro Apostólico, responsável por exercer a caridade em nome do papa, cardeal Konrad Krajewski.
O santo padre mandou ainda equipes médicas para ajudar a população e levaram membros da comunidade para se vacinar. “As mulheres disseram então: queremos agradecer ao Papa Francisco! Dissemos a nós mesmos: mas como serão acolhidos?”, conta em entrevista ao Vatican News. “Eu não tinha dúvidas sobre o Papa, mas, em geral, há alguns preconceitos. Eu os entendo, eu também os tive quando era jovem, mas depois você conhece as pessoas e vê a sensibilidade delas. Chore e ri com elas."
Depois disso, a irmã conseguiu marcar audiências para levar fiéis, principalmente mulheres trans, para conhecer o pontífice. “O Papa nos acolheu. Nem sei como descrever isso!”, relatou. Francisco chegou a visitar a comunidade circense em 2024, no litoral romano.
Em entrevista à Agenzia Nazionale Stampa Associata (ANSA), o padre Andrea Conocchia narrou a tristeza e o luto das mulheres trans da paróquia pela morte de Francisco. Segundo ele, o pontífice chegou a trocar correspondência com fiéis e algumas chegaram até a mandar receitas feitas por elas para o santo padre.