
Se o primeiro pontífice foi escolhido, segundo a Bíblia, por Jesus Cristo, desde o fim do papado de São Pedro, critérios variados foram utilizados para eleger o ocupante do trono da Igreja Católica. A partir de 1276, iniciou-se uma eleição entre os cardeais regida pela Constituição Ubi Periculum, cuja essência sobreviveu às reformas eclesiásticas. Para evitar influências externas, a bula emitida por Gregório X estabeleceu um ritual ultrassecreto, a portas não só fechadas, como trancadas cum clave (com chave, em latim).
Com a morte do papa Francisco ontem, aos 88 anos, o Vaticano prepara-se para o 97° conclave, o terceiro do século 21. Há um prazo de 15 dias para que todos os cardeais votantes — aqueles com menos de 80 anos — cheguem a Roma. Hoje, eles são 135, sete, do Brasil. Quando o colégio eleitoral estiver composto, começa o escrutínio na Capela Sistina, tendo como testemunha apenas o afresco pintado, no teto, por Michelangelo.
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Os olhos do mundo estarão voltados para a chaminé do templo: fumaça preta significa que não houve escolha, a branca é sinal de que habemus papam. Segundo a assessoria de imprensa do Vaticano, o que provoca a cor da chamada fumata são produtos químicos adicionados às cédulas, posteriormente queimadas em um forno de ferro fundido usado desde 1939. Caso um nome não seja escolhido por dois terços dos eleitores, pergolado de potássio, antraceno e enxofre dão a coloração escura. Já se houver um novo pontífice, a mistura é de clorato de potássio, lactose e resina de pinheiro.
Imprevisível
O resultado do conclave é imprevisível, embora sempre surjam nomes de papáveis — os mais cotados a ocupar o posto de pontífice. Nas numerosas listas sugeridas por especialistas, há representantes de todos os continentes. Alguns apostam na volta de um italiano, outros acreditam que, pela primeira vez em séculos, um africano será eleito. Dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Salvador, chegou a ser citado no Vaticano.
"Francisco nomeou um grande número de cardeais, então é estatisticamente provável que alguém com sua abertura possa ser eleito", avalia Michele Dillion, professora de sociologia na Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, especialista em catolicismo. Dos cardeais aptos a votar, 80% foram escolhidos por ele. "Mas, seja quem for escolhido, uma vez no cargo, o novo papa terá que considerar e equilibrar uma série de prioridades doutrinárias e institucionais que podem levá-lo a assumir visões que podem não estar necessariamente alinhadas com suas visões como cardeal ou bispo", pondera.
Enquanto o trono de Pedro permanece vazio, o camerlengo (assistente direto do papa) comandará os assuntos administrativos do Vaticano. O cargo é ocupado pelo cardeal irlandês Kevin Farrell, 77 anos. Ele definirá a data das cerimônias fúnebres e a convocação do conclave, com a ajuda dos cardeais.

O fiel escudeiro
Com a morte do papa Francisco e até a eleição de seu sucessor, a autoridade para administrar o Vaticano cabe ao camerlengo, que desde fevereiro de 2019 é o cardeal americano-irlandês Kevin Farrell. Escolhido pelo pontífice, o religioso de 77 anos liderará as reuniões para selecionar a data de seu funeral. Ele também supervisionará a organização do conclave encarregado de eleger o próximo papa.
Com o semblante sério e vestido de preto, Farrell anunciou a morte do papa na manhã de ontem. "Esta manhã, às 7h35 (2h35 de Brasília), o bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai", disse.
Conhecido por seu senso de humor, o cardeal Farrell, que foi capelão na universidade mexicana de Monterrey e chefiou o Dicastério para Leigos, Família e Vida (um dicastério é equivalente a um ministério no Vaticano). Foi Francisco, em 2016, quem lhe pediu para assumir o posto recém-criado, com o objetivo de combinar as funções de dois dicastérios anteriores.
Farrell logo se estabeleceu em Roma para seu primeiro cargo no Vaticano. Ele se tornou cardeal no mesmo ano e, desde janeiro de 2024, é presidente do Tribunal de Cassação do Vaticano. A maior parte do sacerdócio foi servida nos Estados Unidos, onde o religioso viveu durante quase quatro décadas: 30 anos em Washington e nove em Dallas.
Em uma entrevista de 2016 ao jornal Irish Times, Farrell explicou que quando sua secretária em Dallas lhe disse que o papa Francisco estava ao telefone para anunciar sua nomeação como cardeal, ele não acreditou. "Eu dizia a ela: 'Não, é um dos meus amigos bispos pregando peças em mim'", contou.

Funções
Como camerlengo, ele tem o direito de solicitar a todos os departamentos do Vaticano as informações necessárias para o exercício de suas funções. Porém, não pode tomar nenhuma decisão cuja validade ultrapasse a duração da vacância do trono de São Pedro ou invada as prerrogativas exclusivas do papa, como a nomeação de cardeais.
A palavra "camerlengo" é derivada do termo italiano "camera", que significa câmara. Ela descreve uma função puramente administrativa que ganha proeminência quando um papa morre.
Até Pio XII, que morreu em 1958, a confirmação da morte do chefe da Igreja era feita com a ajuda de um pequeno martelo de prata, ao bater este instrumento na testa do pontífice supremo para se certificar de que estava morto. O camerlengo simbolicamente tomava posse das propriedades papais, o palácio apostólico no Vaticano, o Palácio de Latrão — a sede da Diocese de Roma — e Castel Gandolfo, a residência de verão dos papas.
O importante cargo também convoca reuniões de cardeais, conhecidas como Congregações, nas quais decide com eles o dia e a hora da exposição dos restos mortais do pontífice falecido, a data do enterro — que deve ocorrer entre o quarto e o sexto dia após a morte — e a organização das cerimônias de luto de nove dias. Outra de suas funções é definir a data para o início do conclave.
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