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CIÊNCIA E SOCIEDADE

Por que bater nos filhos pode vir a ser totalmente proibido no Reino Unido

Os pedidos pela proibição absoluta de bater nos filhos aumentaram após a morte de Sara Sharif, de 10 anos; legislação atual já é restritiva, mas permite castigo físico que seja considerado uma "punição razoável".

Pediatras se juntaram ao coro de pessoas no Reino Unido que pedem uma proibição total de punições físicas contra crianças.

Segundo os médicos, não existe nenhuma evidência de que bater nos filhos tenha qualquer efeito positivo em seu bem-estar ou sua educação.

Atualmente, bater nos filhos é proibido no Reino Unido. No entanto, na Inglaterra e na Irlanda do Norte, há uma exceção: o ato pode não ser considerado ilegal em casos onde o castigo possa ser considerado uma "punição razoável".

Agora o Royal College de Pediatria e Saúde da Criança (RCPCH), principal entidade médica pediátrica do país, quer que essa exceção à regra seja removida.

O Departamento de Educação diz que o governo não tem a intenção de mudar a lei sobre bater em crianças, mas que "está comprometido com a garantia de que cada criança tenha o melhor começo possível na vida".

Oli Harrison, um homem branco e loiro de olhos claros, usando uma camiseta preta e com a barba rala, sorri para a câmera enquanto segura sua filha, um bebê de colo. Atrás dos dois há brinquedos coloridos no chão e pessoas sentadas em um círculo no que parece ser uma atividade em grupo
BBC / Hope Rhodes
Oli Harrison (na foto com sua filha Lily) diz que a legislação ajudaria a esclarecer o assunto para os pais

"Já está na hora deste tipo de castigo da era vitoriana ser proibido", diz Andrew Rowland, da RCPCH.

Há uma emenda à Lei para o Bem-Estar Infantil e as Escolas sendo discutida no parlamento inglês, proposta por Jess Asato, do Partido Trabalhista, em janeiro.

Rowland diz que existem 67 países nos quais bater nos filhos é proibido e outros 20 que se comprometeram a criar a proibição.

O governo diz que está "analisando atentamente" as mudanças feitas na Escócia e no País de Gales - onde a punição foi totalmente proibida, sem exceção - mas que não tem planos de legislar sobre palmadas neste momento.

Um porta-voz disse que o projeto de lei em sua forma atual já representa a "maior legislação de proteção à criança desta geração".

"Ele promove melhor proteção à criança e compartilhamento de informações entre educação, saúde e assistentes sociais para impedir que crianças vulneráveis não recebam a assistência de que precisam", afirmou.

A BBC conversou com pais de um grupo de atividades para bebês em Sale, no Reino Unido. Todos disseram ser contra punições físicas em crianças, mas alguns não tinham certeza sobre o quanto o governo deveria intervir.

"Pais deveriam ser capazes de disciplinar como bem entendem, mas eu não concordo com bater em crianças, então se é preciso uma proibição para que isso não aconteça, eu concordaria com a proibição", disse a mãe Leana Casey.

Já Oli Harrison, pai da bebê Lily, disse que "nunca interviria" na forma como outros pais educam seus filhos, mas acredita que uma proibição "provavelmente seria benéfica" para gerar um parâmetro de orientação para os pais.

Reprodução
Sara Sharif, de 10 anos, foi assassinada após sofrer tortura por dois anos

Rowland diz que o castigo físico "sem dúvida prejudica a saúde das crianças".

Ele diz que não há estudos científicos que tragam evidências robustas de que punições físicas tenham algum efeito positivo no bem-estar das crianças.

Os pedidos pela proibição de bater nos filhos se intensificaram após a morte de Sara Sharif, de 10 anos.

Sara foi assassinada em agosto de 2023 após sofrer abusos por seu pai e sua madrasta durante dois anos.

Seu pai disse à polícia que tinha "agido dentro da lei" com Sara antes de sua morte.

É ilegal na Inglaterra agredir uma criança de forma cruel ou causando danos corporais, mas Rowland diz que estudos acadêmicos mostraram que crianças que foram punidas fisicamente correm maior risco de sofrer agressão física grave.

Ele disse que uma proibição completa da prática tornaria mais fácil para as autoridades "traçar um limite" e dizer que nunca há circunstâncias nas quais o castigo físico de crianças seja legal.

Outras organizações, incluindo a ONG Sociedade Nacional para a Prevenção de Crueldade contra Crianças, também apoiaram a emenda.

Joanna Barrett, da ONG, diz que castigos físicos foram associados a "depressão, ansiedade, aumento da agressão e comportamento antissocial" em crianças.

Barrett afirma que é necessária uma "mudança urgente".

"Sabemos que o castigo físico continua sendo parte da infância de muitos jovens na Inglaterra", diz ela.

Nem todos concordam. Em uma entrevista ao programa BBC Radio 5 Live na quinta-feira (6/3), Simon Calvert, do grupo Be Reasonable, se posicionou contra a medida.

Ele argumenta que castigos abusivos já são ilegais e expressou preocupações de que "uma mãe dando um tapinha nas costas da mão de um bebê" enfrente um processo criminal.

Esse cenário, no entanto, é visto como bastante improvável dentro do sistema legal britânico.

Lynn Perry, diretora-executiva da ONG de defesa da infância Barnardo's, diz que "nenhuma violência contra crianças é aceitável".

"E ainda assim as crianças continuam a enfrentar menos proteção legal contra agressões físicas do que os adultos", afirma.

*Com reportagem de Hope Rhodes e Hayley Clarke

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