Estados Unidos

Após citar "doutrinação", Trump tenta fechar Departamento de Educação

Ao completar dois meses de governo, Donald Trump assina ordem executiva que busca "eliminar" o Departamento de Educação. Esvaziamento da pasta começou com demissões em massa. Especialistas avaliam impactos da medida

Donald Trump firma o documento no Salão Leste da Casa Branca, acompanhado de estudantes: promessa de campanha  -  (crédito: Mandel Ngan/AFP)
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Donald Trump firma o documento no Salão Leste da Casa Branca, acompanhado de estudantes: promessa de campanha - (crédito: Mandel Ngan/AFP)

Por alguns minutos, na tarde desta quinta-feira (20/3), o Salão Leste da Casa Branca foi transformado em uma sala de aula. Em carteiras escolares dispostas em semicírculo, 14 estudantes norte-americanos rabiscavam "cópias" do documento nas mãos do "professor", sentado a uma mesa com o selo da Presidência dos Estados Unidos. Foi assim que Donald Trump cumpriu uma promessa de campanha, ao assinar a ordem executiva para "eliminar" o Departamento de Educação, projeto aplaudido pela direita ultraconservadora dos Estados Unidos. "Vamos eliminá-lo", anunciou o presidente americano, antes de assinar o documento na Casa Branca. "Vamos fechá-lo o mais rapidamente possível." Nunca antes na história dos EUA um presidente tentou fechar uma agência com nível de gabinete. 

A assinatura do decreto ocorreu no dia em que Trump completou dois meses de um governo marcado por decisões polêmicas e surpreendentes. Em pronunciamento diante dos estudantes, de convidados e de jornalistas, o republicano defendeu a urgência de devolver o controle da educação aos estados e denunciou as notas baixas dos estudantes de escolas públicas em comparação com os altos investimentos aplicados pelo governo sobre cada aluno. A ordem executiva de Trump é intitulada de Melhorando os resultados da educação por meio do empoderamento de pais, estados e comunidades. O desmantelamento do Departamento da Educação teve início efetivo em 11 de março, quando a Casa Branca demitiu 2 mil de 4 mil funcionários. 

Por meio de um comunicado, a Casa Branca informou que fechar o Departamento de Educação daria às crianças e suas famílias a "oportunidade de escapar de um sistema que está falhando com elas". "Hoje, as notas americanas em leitura e matemática estão perto de baixas históricas. A Avaliação Nacional de Progresso Educacional deste ano mostrou que 70% dos alunos do 8º ano estavam abaixo da proficiência em leitura, e 72% estavam abaixo da proficiência em matemática. A burocracia educacional federal não está funcionando", afirmou a nota. Por várias vezes, Trump acusou o Departamento de Educação de doutrinar os estudantes e  chamou a pasta de viveiro de "radicais, fanáticos e marxistas".

Sem apoio

Professor de sociologia e educação da Universidade Columbia, Aaron Pallas explicou ao Correio que, apesar da campanha de Trump para eliminar o Departamento de Educação, somente o Congresso — responsável pela criação do órgão, em 1979 — pode fechá-lo. "Nunca houve apoio suficiente no Legislativo para isso. O que Trump escolheu fazer foi demitir a maioria dos funcionários de carreira do Departamento", afirmou. De acordo com o especialista, parte do que o Departamento de Educação faz depende da autorização do Congresso. "Por exemplo, o Departamento distribui cerca de US$ 18 bilhões a cada ano para distritos escolares com alunos economicamente desfavorecidos e cerca de US$ 15 bilhões anualmente para atender estudantes com deficiência. Ainda que a ordem executiva não possa eliminar os fluxos de financiamento, os servidores públicos de carreira que sabem como assegurar que os fundos cheguem aos lugares corretos não estão mais no cargo. Isso aumenta a possibilidade de ineficiência e de má gestão", acrescentou. 

Pallas afirmou que o Departamento de Educação supervisiona US$ 1,6 trilhão em empréstimos federais para estudantes universitários. "É possível que a agência transfira a supervisão e a administração desses fundos para o Departamento do Tesouro. Mas ainda não está propondo limitar ou cortar o financiamento estudantil", disse. James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island), admitiu ao Correio que Trump não poderá extinguir o Departamento de Educação. "Isso exige um decreto do Congresso. O que ele quer fazer é esvaziar a importância do ministério e demitir metade dos funcionários. Isso será um desastre para a coordenação nacional de recursos para as escolas públicas nos EUA. Ao eliminar a centralização e a canalização de recursos federais para cidades e estados, Trump limitará, de forma dramática, o sistema escolar público americano", advertiu. 

Green sublinha que Trump busca priorizar a canalização de recursos para as escolas particulares. "Há grande ameaça à situação educacional, especialmente para as classes trabalhadoras mais pobres, que dependem do auxílio do governo federal", comentou. O especialista da Universidade Brown avalia que os ataques do presidente à diversidade, igualdade e inclusão são frutos de um sentimento racista direcionado contra as conquistas dos movimentos dos direitos civis nos últimos 70 anos. "O argumento de que o Departamento de Educação doutrina as pessoas é uma crítica ao fato de que a entidade valoriza a diversidade da história americana. Há professores não brancos em escolas públicas. Trump quer eliminar isso", disse Green. "É uma campanha para pôr fim a toda visibilidade a pessoas não brancas."

Eu acho...

Aaron Pallas, professor de sociologia e educação da Universidade Columbia (em Nova York)
Aaron Pallas, professor de sociologia e educação da Universidade Columbia (em Nova York) (foto: Arquivo pessoal )

"A ordem executiva é principalmente simbólica. Ela honra uma promessa de campanha de devolver o controle da educação aos estados e aos distritos escolares locais. A premissa de que o governo feferal estava dizendo aos estados e aos distritos escolares sobre o que fazer é falha. O Departamento de Educação nunca ditou currículo ou métodos de instrução para escolas. Além disso, a maioria dos distritos escolares em todo o país recebe a maior parte de suas receitas de fontes estaduais e locais, não do governo federal."

Aaron Pallas, professor de sociologia e educação da Universidade Columbia (em Nova York)

James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island)
James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island) (foto: Arquivo pessoal )

"É uma decisão que faz parte da agenda de Trump e de Elon Musk de debilitar várias entidades do governo federal, eliminando funcionários para implementar sua política e, com isso, criar um mal-estar entre a opinião públca e o Departamento de Educação. Os serviços ficarão precarizados. É uma campanha, no futuro, para a privatização dessas agências governamentais."

James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island)

  • Aaron Pallas, professor de sociologia e educação da Universidade Columbia (em Nova York)
    Aaron Pallas, professor de sociologia e educação da Universidade Columbia (em Nova York) Foto: Arquivo pessoal
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    James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island) Foto: Arquivo pessoal
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    Aponte a câmera do celular para o QR Code e assista a uma reportagem sobre a decisão de Trump de firmar o decreto para eliminar o Departamento de Educação Foto: QR Code
Rodrigo Craveiro
postado em 21/03/2025 06:00