Oriente Médio

Israel corta Gaza ao meio e adverte Hamas sobre "devastação total"

Tanques israelenses realizam a primeira incursão terrestre desde o fim do cessar-fogo e dominam o estratégico Corredor Netzarim, que divide o enclave. Ministro de Netanyahu ameaça Hamas e exige entrega imediata dos reféns

Foto feita a partir da fronteira sul de Israel mostra prédios destruídos no norte da Faixa de Gaza  -  (crédito: Jack Guez/AFP)
x
Foto feita a partir da fronteira sul de Israel mostra prédios destruídos no norte da Faixa de Gaza - (crédito: Jack Guez/AFP)

Abraçada ao corpo do filho de dois anos, morto durante bombardeio em Khan Yunis, a mãe chora e suplica: "Por favor, não o coloquem no refrigerador; ele não pode suportar o frio". Na mesma cidade, o farmacêutico Haitham Khalil Ismail Taha, 27 anos, descreveu o horror. "Eu vi, com meus próprios olhos, crianças desmembradas e partes de corpos espalhados, além de mulheres com o corpo queimado", contou à reportagem. "Não há como nos proteger aqui", acrescentou. 

Abrigado sob uma tenda na Cidade de Gaza, Firas Diab, 29, está exausto. As últimas 48 horas foram praticamente insones e dedicadas ao jejum, prática observada durante o mês sagrado do Ramadã. "Nesses dois dias, dormi seis horas", relatou ao Correio. "Há massacres em todos os lugares, deslocamentos forçados, bombardeios aleatórios." As Forças de Defesa de Israel (IDF) intensificaram a pressão sobre o grupo terrorista Hamas e realizaram a primeira incursão terrestre em Gaza desde o fim do cessar-fogo, partindo o território ao meio. 

"As tropas da IDF começaram atividades terrestres direcionadas no centro e no sul de Gaza, a fim de expandir a zona de segurança e criar uma zona-tampão parcial entre o norte e o sul de Gaza", anunciou um comunicado do Exército de Israel. "Como parte das atividades terrestres, as tropas expandiram seu controle ainda mais para o centro do Corredor Netzarim", acrescentou a nota, ao citar o trecho que divide o enclave palestino ao meio. 

O ministro da Defesa israelense, Israel Katz, lançou um "último aviso" à população de Gaza e exigiu o retorno imediato dos 59 sequestrados em poder do Hamas. "Moradores de Gaza, este é o último aviso. Devolvam os reféns e eliminem o Hamas, e outras opções serão abertas, incluindo a possibilidade de se deslocarem para outros lugares do mundo, para aqueles que desejarem", declarou, em vídeo. "A primeira guerra destruiu Gaza; a segunda, a levará à completa ruína. (...) Vocês pagarão o preço. Devolvam os reféns e removam o Hamas — a alternativa é a devastação total", ameaçou. 

Em entrevista exclusiva ao Correio, Mahmoud Mardawi — um dos líderes do Hamas e integrante do Comitê Político do grupo — disse que Israel Katz não é diferente dos ministros que o antecederam. "Todos travaram guerras de genocídio, matança, fome e deslocamento forçado. No entanto, nosso povo permanece firme, profundamente enraizado em seu território e inabalável em seu pertencimento à sua terra natal", declarou, por meio do WhatsApp.

Negociação

Segundo Mardawi, o Hamas tem buscado negociar a libertação dos reféns de forma consistente. "Mas o inimigo respondeu com total recusa, deixando sua posição clara ao rejeitar a transição para a segunda fase. O que nos impede realmente de negociar — em bases justas e sólidas — tão logo o inimigo cesse os crimes implacáveis cometidos contra crianças, mulheres e idosos? Os massacres continuam indiscriminadamente, como vimos hoje (ontem) em Beit Lahia, onde nem mesmo um funeral foi poupado das bombas." Ele destacou que "negociação não é fraqueza, nem rendição". "É um caminho para a justiça, quando construído em termos legítimos. Mas nenhum diálogo pode ser significativo enquanto o sangue do nosso povo ainda mancha as ruas, e o inimigo persiste em sua brutalidade sem restrições", advertiu. 

Depois de anunciar 970 mortos desde o fim do cessar-fogo, na madrugada de terça-feira (18/3), o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza alegou um "erro técnico" e corrigiu o número para 436. No início da noite desta quarta-feira (19/3), o balanço foi atualizado para 470 pela Defesa Civil palestina. Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, Alon Ben-Meir acredita que a retomada da guerra não trará a libertação dos reféns, nem tirará o Hamas do poder em Gaza, como o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu alega. "Sabe-se, há meses, que os ministros extremistas de seu governo, Bezalel Smotrich (Finanças) e Itamar Ben Gvir (Segurança Nacional) ameaçaram o premiê de que, se ele retomasse o cessar-fogo, renunciariam e precipitariam o colapso do governo. Netanyahu lutou o tempo todo e prolongou deliberadamente a guerra apenas porque queria permanecer no poder. Uma vez que ele esteja fora do cargo, as acusações criminais contra ele prosseguirão, e ele pode acabar na prisão, o que ele quer evitar a todo custo", explicou ao Correio, por e-mail. 

Rodrigo Craveiro
postado em 20/03/2025 06:00