
Torcedores dos principais times de futebol da Argentina deixaram a rivalidade de lado e se uniram a um protesto dos aposentados por melhores condições de vida, por ajustes no benefício mensal e contra as medidas de austeridade fiscal anunciadas pelo presidente Javier Milei. Policiais e manifestantes entraram em choque durante a marcha, que se aproximou do prédio do Congresso da Nação, isolado por barreiras metálicas. Alguns torcedores arrancaram pedras das calçadas e lançaram contra os agentes, além de fogos de artifício e bombas de efeito moral.
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As forças de segurança reagiram com spray de pimenta, caminhões com canhão d'água, balas de borracha e gás lacrimogêneo. O jornal Clarín divulgou que 60 pessoas foram presas e três policiais, feridos, um deles à bala. A agência de notícias France-Presse publicou que os participantes entoaram cânticos como "Milei, lixo, você é a ditadura!"; "O povo unido jamais será vencido"; e "Que saiam todos!".
"Nos últimos dez anos, perdemos 50% do nosso poder aquisitivo. A nossa capacidade de compra caiu pela metade. Todas as semanas, temos protestado diante do Congresso da Nação", relatou ao Correio Eduardo Martínez, 67 anos, integrante do Plenário de Trabalhadores Aposentados.

Ele explicou que, em 2024, o Congresso aprovou uma lei para reparar parte dessas perdas financeiras, mas Milei vetou o texto. "Nas últimas semanas, torcedores de um time local, o Club Atlético Chacarita Juniors, se solidarizaram com a nossa causa, e a polícia voltou a reprimir. As outras torcidas decidiram acompanhar os aposentados. A manifestação de hoje (ontem) foi enorme e importante. A polícia armou todo o desastre repressivo para impedir que a marcha ocorresse."
Eduardo Belliboni, 65 anos, líder do movimento Polo Obrero e responsável pela organização de piquetes em Buenos Aires, falou ao Correio enquanto marchava com outros manifestantes perto do Congresso da Nação. "Estão reprimindo fortemente os trabalhadores e aposentados. A única resposta que esse governo tem a todas as reclamações é a repressão", declarou, por telefone, enquanto ostentava a camisa do Racing. "Claramente, é um governo contrário aos interesses do povo e à Constituição. Um governo que reprime sistematicamente nossa luta. Milei comanda uma ditadura."
Belliboni classifica como elementar as demandas dos aposentados. "O salário que recebem é incompatível para viver. É um valor muito baixo, insuficiente para a alimentação e a compra de medicamentos. Nós, torcedores, temos uma avó, um pai idoso. Há muito sentimento familiar aqui. Na Argentina, temos uma tradição de respeito aos mais velhos", relatou. "Por aqui, vemos camisas de todas as cores. Estamos abraçados com torcedores de eternos rivais, como Boca Juniors, Independiente e River Plate. Todos defendemos os aposentados. Não podemos aceitar a miséria que eles vivem."
"Impressionante"
Aposentada depois de trabalhar por 35 anos como professora, Liliana Kunis, 70, também estava na marcha e contou ao Correio que as forças de segurança estavam dispostas a reprimir o protesto. "Não houve nenhuma provocação. Eu estava na Plaza de Mayo desde as 15h30 e havia um aparato repressivo impressionante, como que para enfrentarem uma guerra. Nós éramos apenas aposentados, ", disse, por telefone, durante a marcha. "A polícia utilizou balas de borracha e caminhões com canhões d'água. Também estão por aqui a Polícia Federal e agentes da prefeitura. Uma máquina mobilizada pela ministra da Segurança, Patricia Bullrich", acrescentou. Na terça-feira (11/3), Bullrich divulgou um comunicado em que prometia implementar "medidas estritas" para "garantir a ordem e a segurança pública".

Liliana explicou que vários trabalhadores das indústrias gráfica e de borracharia e de call center se somaram ao ato. "É a única opção que têm para reclamar. As centrais sindicais não autorizam absolutamente nenhum protesto de trabalhadores", lamentou. De acordo com ela, a repressão foi "brutal". "O gás lacrimogêneo que utilizaram deixa ardência na pele por até dois dias. Também ataca os pulmões e o coração", relatou.
A professora aposentada afirmou que os manifestantes exigem aumento do valor da pensão — hoje em torno de 350 mil pesos argentinos (cerca de R$ 1.890). "O custo de vida exige que nós, aposentados, recebamos 1 milhão de pesos (ou R$ 5,4 mil). Além disso, o governo deixou de repassar, gratuitamente, muitos dos medicamentos que usamos."