
O Brasil inicia esta semana entrando na terceira onda de calor de 2025.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a partir desta segunda-feira (17/2), serão afetados municípios nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, se estendendo, posteriormente, por Goiás e Bahia.
As temperaturas máximas podem superar em mais de 5°C a média climatológica, segundo o Inmet.
No Rio de Janeiro, a sensação térmica passou de 40ºC nesta segunda, e a cidade atingiu o nível 4 de calor pela primeira vez desde que o protocolo municipal de temperaturas extremas foi implementado, em junho do ano passado.
O nível 4 é caracterizado por índices de calor muito alto (40°C a 44°C) com previsão de permanência ou aumento por, ao menos, três dias consecutivos.
Esses recordes de temperatura mostram que a crise climática não é mais uma preocupação sobre o futuro. Em muitas partes do mundo, ela já começou.
O ano de 2024 foi o mais quente já registrado, segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S), da União Europeia. Antes disso, 2023 já havia levado o posto de ano mais quente da história.
Milhões de pessoas estão vivendo em temperaturas extremas, enfrentando uma ameaça crescente de enchentes ou incêndios florestais.
A seguir, cinco pessoas em diferentes partes do mundo explicam como as temperaturas extremas mudaram suas vidas.
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'Passamos muitas noites sem dormir'
Shakeela Bano costuma colocar as roupas de cama de sua família na laje de sua casa de um andar na Índia. É que algumas noites são muito quentes para dormir dentro de casa. Mas a superfície pode estar quente demais para andar.
"É muito difícil", diz ela. "Passamos muitas noites sem dormir."
Shakeela mora com o marido, a filha e três netos em um quarto sem janelas em Ahmedabad. Eles têm apenas um único ventilador de teto para mantê-los frescos.
Com a mudança climática, muitas cidades na Índia estão agora atingindo 50°C. As áreas densamente povoadas e construídas são particularmente afetadas por algo conhecido como efeito de ilha de calor urbana. Materiais como concreto prendem e irradiam calor, elevando as temperaturas. E não há trégua à noite, quando pode, na verdade, ficar mais quente.
Em casas como a de Shakeela, as temperaturas agora chegam a 46°C. Ela fica tonta com o calor. Seus netos sofrem de erupções cutâneas, exaustão pelo calor e diarreia.
Os métodos tradicionais para se manter fresco, como beber água com limão, não funcionam mais. Em vez disso, eles pediram dinheiro emprestado para pintar o telhado de sua casa de branco. As superfícies brancas refletem mais luz do sol e uma camada de tinta branca no telhado pode reduzir as temperaturas internas em 3 a 4 graus.
Para Shakeela, a diferença é enorme; o quarto é mais fresco e as crianças dormem melhor. "Ele não dormia durante a tarde", diz ela, apontando para o neto adormecido. "Agora ele pode adormecer em paz."
'Quente como fogo'
"Eu venho de um lugar quente", diz Sidi Fadoua. Mas o calor no norte da Mauritânia, no oeste da África, agora é quente demais para muitas pessoas viverem e trabalharem. O calor aqui não é normal, diz ele. "É como fogo."
Sidi, de 44 anos, mora em uma pequena vila perto dos limites do Saara. Ele trabalha como mineiro de sal em locais próximos. O trabalho é árduo e fica mais difícil à medida que a região esquenta devido às mudanças climáticas. "Não podemos suportar tais temperaturas", diz ele. "Não somos máquinas."
Para evitar temperaturas acima de 45°C no verão, Sidi começou a trabalhar à noite.
As perspectivas de emprego são escassas. Aqueles que antes ganhavam a vida criando gado não podem mais fazer isso - não há plantas para as ovelhas e cabras pastarem.
Assim como um número cada vez maior de seus vizinhos, Sidi tem planos de migrar para a cidade costeira de Nouadhibou, onde a brisa do mar mantém a cidade mais fresca. Os moradores locais podem pegar uma carona lá em um dos trens mais longos do mundo, levando minério de ferro para a costa.
"As pessoas estão se mudando daqui", explica Sidi. "Não aguentam mais o calor."
A rota de 20 horas é perigosa. Os moradores locais podem sentar-se no topo das carruagens, onde são expostos ao calor e à luz solar durante o dia, antes que as temperaturas caiam muito à noite.
Em Nouadhibou, ele espera encontrar trabalho na indústria pesqueira. A brisa pode trazer alívio, mas com o número cada vez maior de pessoas escapando do calor do deserto, é mais difícil encontrar oportunidades de trabalho. Sidi continua esperançoso.
'Como você acaba com um inferno?'
Patrick Michell, chefe do Kanaka Bar First Nation, começou a notar mudanças preocupantes na floresta perto de sua reserva em British Columbia, no Canadá, há mais de três décadas. Havia menos água nos rios e os cogumelos pararam de crescer.
Neste verão, seus medos se tornaram realidade. Uma onda de calor estava varrendo a América do Norte. Em 29 de junho, sua cidade natal, Lytton, bateu recordes, chegando a 49,6ºC. No dia seguinte, sua esposa enviou-lhe a foto de um termômetro que indicava 53ºC. Uma hora depois, sua cidade estava em chamas.
Sua filha, Serena, grávida de oito meses, correu para colocar seus filhos e animais de estimação no carro: "Saímos com as roupas do corpo. As chamas tinham três andares de altura e estavam bem ao nosso lado."
Patrick correu de volta para ver se poderia salvar a casa. Ele cresceu lidando com incêndios florestais. Mas, assim como o clima, os incêndios também mudaram. "Não são mais incêndios florestais, são infernos", diz ele. "Como você acaba com um inferno?"
Apesar das circunstâncias familiares, Patrick vê o que aconteceu como uma oportunidade: "Podemos reconstruir Lytton para o meio ambiente que está por vir nos próximos 100 anos. É assustador, mas em meu coração existe esse otimismo."

'Quando eu era criança, não era assim'
"Quando eu era criança, o clima não era assim", diz Joy, que mora no Delta do Níger, na Nigéria. A região é uma das mais poluídas da Terra, e os dias e noites mais quentes estão aumentando.
Joy sustenta sua família usando o calor de chamas a gás para secar tapioca e vender o produto em um mercado local. "Eu tenho cabelo curto", explica Joy, "porque se eu deixar meu cabelo crescer, ele pode queimar minha cabeça se a chama mudar de direção ou explodir."
Mas as chamas são parte do problema. As empresas petrolíferas as usam para queimar o gás que é liberado do solo quando fazem a prospecção de petróleo. As chamas, que atingem 6 metros (20 pés) de altura, são uma fonte significativa de emissões globais de CO2, que contribuem para as mudanças climáticas.
A mudança climática teve um impacto devastador aqui, transformando terras férteis em desertos no norte, enquanto enchentes repentinas atingiram o sul. As pessoas não se lembram de um clima tão extremo enquanto cresciam.
"A maioria das pessoas aqui não está bem informada o suficiente para explicar por que o clima está mudando rapidamente", diz Joy. "Mas suspeitamos das chamas contínuas."
Ela quer que o governo proíba a queima de gás, embora dependa disso para sustentar sua família.
Quase nenhuma riqueza do petróleo foi reinvestida na Nigéria, onde 98 milhões de pessoas vivem na pobreza. Isso inclui Joy e sua família. Por cinco dias de trabalho, eles ganham o equivalente a R$ 30 de lucro.
Ela não está otimista quanto ao futuro. "Acho que a vida (na Terra) está chegando ao fim."
'Este calor não é normal'
Seis anos atrás, Om Naief começou a plantar árvores em um pedaço de deserto perto de uma rodovia. Funcionária pública aposentada do Kuwait, ela estava preocupada com as temperaturas cada vez mais severas do verão e o agravamento das tempestades de poeira.
"Falei com alguns funcionários. Todos disseram que era impossível plantar algo na areia", diz ela. "Disseram que a terra era arenosa e a temperatura muito alta. Eu queria fazer algo que surpreendesse a todos."
Om mora no Oriente Médio, que está esquentando mais rápido do que grande parte do mundo. O Kuwait caminha para temperaturas insuportáveis ??- costuma ser mais quente do que 50°C. Algumas previsões sugerem que a temperatura média aumentará 4°C até 2050. No entanto, a economia do Kuwait é dominada pelas exportações de combustíveis fósseis.
Os dois canteiros que Om plantou são modestos, mas têm um propósito. "As árvores protegem da poeira, eliminam a poluição, limpam o ar e reduzem as temperaturas", diz ela. Ouriços-terrestres e lagartos de cauda espinhosa agora visitam o local. "Há água doce e sombra. É uma coisa linda."
Alguns kuwaitianos estão pedindo agora que um cinturão verde em grande escala seja plantado pelo governo. A esperança compartilhada é que o Kuwait esteja pronto para se posicionar contra a crise climática. Om diz que eles devem proteger a terra e não deixá-la secar.
"Este calor não é normal", conclui Om. "Esta é a terra dos nossos pais. Devemos retribuir, porque ela nos deu muito."
Esta reportagem foi publicada originalmente em outubro de 2021.
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