SAÚDE

Amigos de Mujica recebem notícia de avanço do câncer com calma e respeito

Documentarista argentino e pesquisador brasileiro falam ao Correio sobre a forma com que ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica enfrenta a doença

Amigos do ex-presidente uruguaio José Alberto "Pepe" Mujica, 89 anos, contaram ao Correio que receberam com calma e resignação a notícia de que o câncer havia se espalhado. "Quando ouvi essa declaração, hoje (quinta-feira), pensei, literalmente: 'Fim do jogo. Acabou'", disse o documentarista, jornalista e fotógrafo argentino Fabián Restivo, que se hospedou por 10 dias, em maio de 2022, no Rincón del Cerro, sítio onde Mujica vive com a esposa, Lucía Topolanski, a 30km de Montevidéu.

"Sofrimento? Não muito. É uma pena, né? É um sentimento leve, porque eu passei muito mal quando se anunciou que ele estava com câncer de esôfago. Foi uma coisa muito ruim. Depois disso, você está avisado, sabe? Sabe que aquilo vai acontecer a qualquer momento. Conhecemos Pepe Mujica. Ele fala: 'Não encha meu saco'. Então, não liguei para os companheiros e amigos. Não vamos telefonar para ele", contou. Restivo diz que tem feito o luto desde que soube da doença. Mujica aunciou o abandono do tratamento em entrevista ao jornal local Búsqueda.

"Em meu livro, o 'Velho' me disse que estava prestes a 'cair fora'. Quer dizer que ele está no limite. Antes do câncer, ele teve muitas doenças, duas delas autoimunes, além de problemas nos rins. Isso tudo que aconteceu, depois que descobriram o câncer nele, foi muito doloroso. Pepe ficou sem comer, a radioterapia queimou-lhe o esôfago. Ele não conseguia engolir", disse Restivo. De acordo com ele, há cinco meses, Mujica confidenciou que esperava que a vida lhe desse a chance de testemunhar a vitória da Frente Ampla nas eleições uruguaias.

"Ele afirmou que, se isso ocorresse, tudo estaria pago. Conseguiu, com o triunfo de Yamandú Orsi. Mujica se submete à hemodiálise todos os dias. Tem o direito de estar cansado e de descansar. Na entrevista de hoje (quinta-feira), vi Mujica muito bravo. Ele está bravo não apenas por estar morrendo, mas por estar sentindo a incompreensão do mundo. Ele está morrendo e todo mundo quer mais alguma coisa dele. A mensagem foi essa: 'Deixem-me morrer tranquilo e em paz, com minha companheira por perto'", acrescentou Fabián.

Nascido em Porto Alegre e filho de uruguaios, Atahualpa Blanchet, 42, mora em Montevidéu desde 2018 e construiu uma relação de amizade com Mujica. "Recebi a notícia de que ele está bem e preparava um almoço", disse. Ao falar sobre a doença do amigo, o brasileiro citou a música El Necio, do cantor Silvio Rodrigues. "O refrão fala: 'Eu morro da forma que vivi'.

O próprio Pepe Mujica se referiu a uma música bastante emblemática, chamada Milonga del fusilado, que fala que a vida continua no meio dos companheiros. Pepe tem uma perspectiva fiolosófica muito interessante de enxergar a vida e, também, a morte", afirmou Atahualpa, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).

"Ele se refere muito aos estóicos, ao Sêneca, à passagem do tempo. Outro presidente, Tabaré Vázquez, também soube viver e morrer. Pepe está se preparando e preparando as pessoas de seu entorno, inclusive a militância, com relação a esse processo, o ciclo da vida. A palavra que simboliza este momento é 'respeito'. Respeito pelo momento que ele está passando, para que ele fique tranquilo e se dedique à sua chácara. Respeito pela figura histórica dele. É um homem que dedicou sua vida ao trabalho e a tentar construir um país mais justo e solidário", concluiu Atahualpa.

De acordo com Restivo, Mujica recebe a iminência da morte com naturalidade e resignação. "Ele vê o seu corpo como um equipamento que não presta mais, que está chegando ao fim e que dá mais problemas do que satisfação. Mujica diz: 'Eu vou deixar de funcionar daqui a pouco'. Acho que o ateísmo dele, além de ser questão filosófica e política, é natural. Ele acha que o corpo tem um limite e, naturalmente, vai morrer. Mujica pediu a companheiros que deem a ele medicamentos para não sentir dor", comentou o documentarista.

 

Mais Lidas