Estados Unidos

Ventos fortes ameaçam espalhar incêndios florestais em Los Angeles

Autoridades advertem que correntes de ar de até 110km/h podem intensificar os incêndios na região de Los Angeles e representar risco à vida. Tragédia deixou pelo menos 25 mortos, mas buscas por corpos prosseguem. Especialistas avaliam catástrofe

O jornalista Patrick O'Neal, morador de Mailbu, remove escombros de sua casa, destruída pelo incêndio de Palisades  -  (crédito: Brandon Bell/Getty Images/AFP)
O jornalista Patrick O'Neal, morador de Mailbu, remove escombros de sua casa, destruída pelo incêndio de Palisades - (crédito: Brandon Bell/Getty Images/AFP)

As autoridades da Califórnia aguardam a chegada dos chamados "ventos de Santa Ana" à região de Los Angeles, nas próximas horas, e alertam para o risco de intensificação dos incêndios que destruíram milhares de imóveis e deixaram pelo menos 25 mortos. As equipes de socorristas não descartam o aumento no número de vítimas e relatam o perigo de acessarem as áreas mais atingidas, em busca de corpos. Em meio aos primeiros sinais de retorno à normalidade, com a reabertura de escolas, a prefeita de Los Angeles, Karen Bass, declarou que a metrópole antevê novos desafios. "O Serviço Nacional de Meteorologia prevê ventos com força de furacão, e estamos fazendo preparativos urgentes", disse. Os cientistas esperam ventos de até 110km/h e  "comportamento extremo do fogo, com condições de risco de vida" nos próximos dias. 

Pelo menos 90 mil moradores seguem desabrigados depois de perderem suas casas ou por viverem em áreas sob risco de incêndios. A Guarda Nacional da Califórnia e a polícia bloquearam estradas próximas às regiões mais destruídas, na tentativa de coibirem saques. A promotoria do distrito de Los Angeles mobilizou mais de 750 procuradores adjuntos para apresentarem as primeiras acusações formais relacionadas à catástrofe, que entra nesta terça-feira (14/1) em seu oitavo dia. 

Robert Luna, xerife do condado de Los Angeles, classificou a busca por mais corpos como "uma tarefa muito sombria". "Infelizmente, a cada dia que fazemos isso, encontramos os restos mortais de membros da nossa comunidade. Não tem sido um trabalho fácil", admitiu. Equipes com cães especializados em farejar cadáveres percorrem lote por lote nas áreas devastadas pelo incêndio. 

Moradores ainda tentam reaver pertences em meio às ruínas de suas casas. "Estou tentando descobrir onde estou em minha casa. Acho que estou pisando onde ficava o banheiro de meu pai. Para ser honesto, nem sei o que estou procurando. Acho que estou apenas tentantando entender isso. Não sobrou nada, apenas cinzas e tijolos", lamentou o jornalista Patrick O'Neal, enquanto removia escombros, em Malibu. "Minha casa desapareceu, eu sei. Vi fotos, e o único que restou foi a chaminé. Mas preciso ver com meus próprios olhos para acreditar", afirmou Fred Busche também à agência France-Presse. 

Seca crítica

De acordo com Courtney Carpenter, cientista da Coordenação de Alerta do Serviço Nacional de Meteorologia, órgão ligado à Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), uma tempestade de vento histórica e danosa ocorreu na área do Condado de Los Angeles, na semana passada. "A disseminação de ventos perigosos, combinada com uma seca crítica, intensifica a criação de incêndios extremos. Eles ocorreram perto de uma interface entre a área urbana e a selvagem, e avançaram para áreas densamente povoadas", disse ao Correio

Carpenter explicou que os chamados ventos de Santa Ana são ventos fortes e secos que afetam a costa sul da Califórnia. "Eles sopram do norte e do nordeste e descem, em forma de funil, do terreno montanhoso do sul da Califórnia. Ocorrem, tipicamente, durante o outono, mas também podem surgir durante outras épocas do ano, dado o padrão climático ideal", comentou. Os ventos de Santa Ana podem severamente impactar a propagação de incêndios florestais, especialmente sob condições de seca. "Caso qualquer outro foco comece, o comportamento e a disseminação de fogo extremo podem ocorrer", disse a cientista da NOAA.

Ainda segundo Carpenter, as mudanças climáticas têm tornado mais provável o clima extremo, como a tempestade de vento do sul da Califórnia. "De fato, pesquisas mostram que as mudanças climáticas tornaram muitos eventos extremos mais prováveis, mais intensos e mais duradouros, em uma escala maior do que seriam sem o aquecimento global."

Professora do Instituto do Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade da Califórnia (Ucla), Stephanie Pincetl afirmou ao Correio que os incêndios florestais deste ano são resultado de ventos muito poderosos, vegetação seca e ação criminosa. "O clima está agravando os extremos climáticos na Califórnia — quente e seco, úmido e frio. O fogo tem se expandido em áreas altamente inflamáveis", observou. A especialista fez questão de frisar que os incêndios florestais não são iniciados pelos ventos, mas por pessoas. "Eles representam ameaças muito sérias, pois estão além do controle humano."

Por sua vez, Jacob Bendix, professor emérito de geografia e meio ambiente da Syracuse University, acredita que os incêndios deste ano não têm precedentes devido à velocidade com que avançaram sobre áreas povoadas e à destruição resultante. "Isso se deve, em parte, às condições climáticas. Normalmente, nesta época do ano, haveria chuva suficiente para tornar a vegetação úmida. Infelizmente, no contexto das mudanças climáticas, espera-se que esse tipo de seca se torne comum. Por isso, existe a possibilidade de mais eventos assim no futuro", disse à reportagem.

EU ACHO...

Stephanie Pincetl, professora do Instituto do Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade da Califórnia (Ucla)
Stephanie Pincetl, professora do Instituto do Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade da Califórnia (Ucla) (foto: Arquivo pessoal )

"Os incêndios deste ano não são sem precedentes, mas extremos. A Califórnia é um estado propenso a incêndios, e algumas das áreas que estão queimando pegaram fogo em um passado não tão distante. Nós simplesmente persistimos em construir repetidamente nessas áreas. O fogo não está totalmente controlado. Os ventos foram registrados novamente hoje, o que torna a contenção ainda mais difícil."

Stephanie Pincetl, professora do Instituto do Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade da Califórnia (Ucla)

Courtney Carpenter, cientista Coordenação de Alerta do Serviço Nacional de Meteorologia, órgão ligado à Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA)
Courtney Carpenter, cientista Coordenação de Alerta do Serviço Nacional de Meteorologia, órgão ligado à Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) (foto: Robert Hyatt/NWS/NOAA)

"A Califórnia tem experimentado vários incêndios florestais nos últimos cinco a 10 anos. Mas as estimativas de danos potenciais do incêndios em Pacific Palisades e em Eaton podem colocá-los no topo dos cinco mais destrutivos da história. As avaliações de danos são feitas por outras agências estaduais e federais, não pelo Serviço Meteorológico Nacional."

Courtney Carpenter, cientista Coordenação de Alerta do Serviço Nacional de Meteorologia, órgão ligado à Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA)

Almoço de indicados ao Oscar é cancelado

A organização que concede o Oscar anunciou que vai cancelar seu luxuoso almoço dos indicados ao prêmio devido aos incêndios que devastam Los Angeles há uma semana e mantêm a cidade paralisada. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas também alterou para virtual o formato do evento de anúncio das indicações, em 23 de janeiro, enquanto Hollywood tenta superar o clima sombrio em uma época normalmente dominada por cerimônias do tapete vermelho. "Estamos todos devastados pelo impacto dos incêndios e as perdas profundas que tantas pessoas experimentaram na nossa comunidade", disseram o diretor-executivo da Academia, Bill Kramer, e sua presidente, Janet Yang. 

 

 

  • Stephanie Pincetl, professora do Instituto do Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade da Califórnia (Ucla)
    Stephanie Pincetl, professora do Instituto do Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade da Califórnia (Ucla) Foto: Arquivo pessoal
  • Courtney Carpenter, cientista Coordenação de Alerta do Serviço Nacional de Meteorologia, órgão ligado à Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA)
    Courtney Carpenter, cientista Coordenação de Alerta do Serviço Nacional de Meteorologia, órgão ligado à Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) Foto: Robert Hyatt/NWS/NOAA
Rodrigo Craveiro
postado em 14/01/2025 06:00
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