ESTADOS UNIDOS

'Não temos mais nada': brasileiras relatam drama com maiores incêndios da história em Los Angeles

"Tivemos 10 minutos para nos arrumarmos: foi o tempo de pegar o cachorro e uma troca de roupa para as crianças", conta Bruna Gonçalves, que teve a casa em que vive completamente destruída pelo fogo. Ela e outra brasileira compartilharam com a BBC News Brasil suas experiências na tragédia que afeta a cidade americana.

Casa em que Bruna morava após a passagem do fogo: 'Tivemos 10 minutos para nos arrumarmos: foi o tempo de pegar o cachorro e uma troca de roupa para as crianças' -  (crédito: Arquivo pessoal)
Casa em que Bruna morava após a passagem do fogo: 'Tivemos 10 minutos para nos arrumarmos: foi o tempo de pegar o cachorro e uma troca de roupa para as crianças' - (crédito: Arquivo pessoal)

Los Angeles, a segunda cidade mais populosa dos Estados Unidos e berço do cinema mundial, hoje arde nas chamas de diversos pontos de incêndios, alimentados por ventos fortes, que chegaram a 100 km/h.

Até agora, são cinco focos ativos dos chamados "fogos selvagens" (ou wildfire, no termo em inglês).

Mais de 100 mil pessoas foram evacuadas em diferentes regiões da cidade e, segundo as autoridades, pelo menos cinco pessoas morreram em decorrência das chamas.

O incêndio no bairro de Pacific Palisades, onde moram várias celebridades, é o maior e mais grave deles. O fogo ali queimou uma área superior à ilha de Manhattan, destruindo pelo menos mil estruturas em uma das regiões mais ricas do país.

Duas brasileiras que vivem na cidade ouvidas pela reportagem contaram que a chegada do fogo as obrigou a abandonar tudo.

Bruna Gonçalves, de 24 anos, trabalha como babá para uma família que perdeu tudo no incêndio.

"Chorei a noite inteira. Honestamente, não sei o que será de nós agora. Nem sei se essa família terá condições de me manter aqui", desabafa Bruna. (Leia o relato completo abaixo).

Embora ainda seja impossível calcular a dimensão exata do prejuízo, autoridades acreditam que este seja o incêndio mais caro da história, ultrapassando os US$15 bilhões gastos no Camp Fire, que aconteceu no norte da Califórnia em 2018.

De acordo com Gavin Newsom, governador do Estado, 7,5 mil agentes estão combatendo as chamas.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que estava na cidade devido a outros compromissos, aprovou a declaração de emergência e acionou o Departamento de Defesa para coordenar os esforços nesta tragédia.

Entre as medidas acionadas pela Casa Branca, estão subsídios para moradia temporária e reparos residenciais, empréstimos de baixo custo para cobrir perdas de propriedades não-seguradas e outros programas para ajudar indivíduos e empresários a se recuperarem deste desastre.

O pacote anunciado pelo presidente não deixa claro se outras vítimas deste incêndio terão algum tipo de ajuda – o que pode afetar brasileiros que vivenciaram esta tragédia.

'Não temos mais nada'

Casa em que Bruna morava completamente destruída após a passagem do fogo
Arquivo pessoal
Casa em que Bruna morava após a passagem do fogo: 'Tivemos 10 minutos para nos arrumarmos: foi o tempo de pegar o cachorro e uma troca de roupa para as crianças'

A seguir, leia o relato de Bruna Gonçalves, natural de São Paulo:

Depois de um ano em Massachusetts, me mudei em agosto de 2024 para a Califórnia, onde trabalho como au pair [jovem que trabalha como babá e mora com uma família anfitriã em outro país], cuidando de três crianças.

Eu estava brincando com o caçula quando reparei que o telefone da minha host mom, a mãe dos pequenos, estava tocando insistentemente. Era uma vizinha do bairro nos alertando sobre o fogo.

Tivemos 10 minutos para nos arrumarmos: foi o tempo de pegar o cachorro e uma troca de roupa para as crianças. Só peguei meu passaporte e carteira de motorista.

Imagens feitas por Bruna Gonçalves mostram avanço da fumaça no bairro em que mora
Arquivo pessoal
Imagens feitas por Bruna Gonçalves mostram avanço da fumaça

À tarde, outra vizinha ligou avisando que, pela câmera de segurança, ela viu o fogo chegando na nossa rua. Meia hora depois, a família recebeu um alerta do alarme de incêndio – a gente já nem tinha mais esperança.

Toda a nossa rua queimou. A escola das crianças queimou. A nossa casa também. Não temos mais nada; mais absolutamente nada.

Chorei a noite inteira. Honestamente, eu não sei o que vai ser da gente agora. Não sei nem se essa família vai ter condições de me manter por aqui.

Entre tantas incertezas, a única certeza que tenho é que o caos ali é grande, e eu acho que toda aquela parte de Los Angeles vai ser completamente destruída, e não tem nada que a gente possa fazer; ninguém consegue impedir.

'Vi meu carro todo queimado'

Marisa Reis Gonçalves usa roupa preta e uma máscara para conter a fumaça
KCAL News/Reprodução
Marisa Reis Araújo: 'Apareceu um policial mandando todos nós descermos do carro para seguirmos caminhando'

Marisa Reis Araújo, de 42 anos, é natural de Limeira, no interior de São Paulo, e mora nos Estados Unidos há oito anos. A seguir, leia o relato dela, que também trabalha como babá:

Trabalho como babá. Levo cerca de uma hora para ir da região onde vivo, Woodland Hills, até a casa da família para quem trabalho, em Pacific Palisades.

Na terça-feira, as duas principais vias de acesso que tenho para chegar até ali estavam fechadas. É comum que bloqueiem aquelas faixas quando há risco de incêndio, porque as avenidas que cortam os cânions não têm rota de fuga.

Avisei do meu atraso e peguei o único caminho possível, que me tomou duas horas. Cheguei ao trabalho às 9:30 da manhã - bem no horário de colocar a minha criança para dormir. Eu estava na sala, planejando o dia, quando alguém bateu na porta. Era uma vizinha, falando que estava vendo fumaça e pedindo para que ficássemos alertas.

Em dois minutos, essa mesma fumaça já era visível da nossa janela. Os meus chefes começaram a arrumar as malas enquanto fui pegar o bebê. Quando voltei com a criança, a minha chefe disse para eu ir embora, mas, ao entrar no carro, percebi que o fogo estava muito mais próximo do que imaginávamos.

Voltei para dentro da casa e disse que não havia tempo de empacotar mais nada, que era preciso sair imediatamente.

A família me ouviu e saímos todos dali: eles na frente e eu logo atrás.

Estava prestes a arrancar com o carro quando um latão de lixo me atingiu com força. Desci rapidamente para ver o estrago, foi coisa de alguns segundos - mas foi o suficiente para que eu não conseguisse mais sair dali.

E olha que não foi por falta de tentativa: mesmo com o trânsito embolado, eu insisti. Fiquei, 20, 30, 40 minutos no carro. Ali as pessoas com crianças e idosos começaram a se desesperar.

Alguns passaram a tentar sair na contramão, mas acabavam impedindo o socorro de chegar até onde era necessário. Fiquei horas parada neste trânsito.

Cheguei a pensar em abandonar o carro e seguir à pé, mas liguei pro meu marido e ele disse que o carro poderia ser guinchado, o que nos custaria muito caro. Além disso, eu tenho asma e também achei que, de alguma forma, estaria mais segura ali.

Mas as chamas começaram a se aproximar e o trânsito não fluia. Quando o fogo encostou no carro de uma mulher com uma criança, ela começou a gritar desesperada. Aí apareceu um policial mandando todos nós descermos do carro para seguirmos caminhando.

Vi na televisão, horas depois, o meu carro primeiro sendo empurrado por um trator, depois todo queimado. Mas o que mais me marcou não foi isso, foi o fato de que as pessoas estavam muito bravas com a polícia, que não nos ajudava em nada.

Ninguém nos dava uma orientação e, em alguns casos, eles (os policiais) mais atrapalham que ajudavam. Vi poucos bombeiros nessas quase seis horas que fiquei presa ali, achei isso bastante surpreendente.

Mas a cena mais triste que presenciei foi ver uma senhora conversando com um policial, explicando que ela tinha cinco bichos de estimação em casa e que alguém precisava voltar para salvá-los. O policial, infelizmente, disse que aquilo era impossível.

Já um momento revoltante foi quando eu vi uma mulher fazendo de tudo para salvar sua Lamborghini. Ela olhou pra mim e ela falou 'eu preciso sair daqui'; no que eu respondi: 'Meu Deus, todo mundo precisa sair daqui, não só você'.

Foi muito triste vivenciar tudo isso, mas dou graças a Deus que o povo afetado ali tem grana para se virar. Fico só preocupada com os trabalhadores, como eu, que estavam lá. Acho que meu seguro não cobre acidentes de causas naturais e eu não tenho dinheiro pra comprar outro carro.

BBC
Eloá Orazem - De Los Angeles para a BBC News Brasil
postado em 09/01/2025 13:51 / atualizado em 09/01/2025 17:49
x