A advogada Mariangel Navas Centeno, 29 anos, não conteve as lágrimas por duas vezes, na manhã deste sábado (4/1): quando abraçou o líder opositor Edmundo González Urrutia, autoproclamado presidente eleito da Venezuela, e no momento em que ele apareceu na varanda da Casa Rosada para saudar a multidão. "Fiquei muito emocionada. O que ocorreu, hoje, em Buenos Aires, deve se repetir na América Latina. Edmundo González é o presidente eleito de todos os venezuelanos. Isso precisa repercutir nos países democráticos e livres do mundo", afirmou ao Correio. Assim como ela, milhares de venezuelanos tomaram boa parte da Plaza de Mayo, o coração do poder na Argentina, para acompanhar a reunião entre González e o presidente Javier Milei.
O anfitrião garantiu que "a Argentina não será cúmplice do silêncio frente às injustiças e aos atropelos do regime de Nicolás Maduro". "Nossa postura é clara: liberdade, justiça e democracia para todos os venezuelanos", declarou o ultralibertário.
Milei advertiu que, "em algum momento, Maduro terá que cair, pelo desastre que tem causado". O argentino avisou que está disposto a prestar "assistência técnica" a Edmundo González, ao citar a próxima sexta-feira (10/1), data prevista para a posse presidencial na Venezuela. Também não descartou a concessão de asilo ao venezuelano. "Estamos fazendo o que a causa da liberdade requer, nem mais nem menos", explicou Milei. A visita marca o início de uma semana decisiva para a oposição na Venezuela: na próxima sexta-feira, Maduro prometeu tomar posse para um novo mandato ante a Assembleia Nacional, de maioria chavista. Na quinta-feira (2/1), o Palácio de Miraflores anunciou uma recompensa de US$ 100 mil por informações que levem à prisão de Edmundo.
"Eu irei à Venezuela tomar posse do mandato que os venezuelanos me deram com mais de 7 milhões de votos", assegurou o opositor. "Por motivos óbvios, não darei mais detalhes." Depois da visita a Buenos Aires, Edmundo González foi recebido, em Montevidéu, pelo presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou. Hoje, ele viajará para Washington, onde se reunirá com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Na quarta-feira, visitará o Panamá e, no dia seguinte, a República Dominicana. Após a reunião com Lacalle Pou, Edmundo disse que o líder uruguaio deu declarações "muito importantes", que são cruciais para o desdobramento político da campanha eleitoral.
Nostalgia
"Libertad! Libertad!" ("Liberdade! Liberdade!"), o grito irrompeu na Plaza de Mayo, em Buenos Aires, assim que González e Milei surgiram na varanda, às 11h40. "Não temos medo! Venezuela!", bradava a multidão. O advogado venezuelano Helis Manuel Urbina Vera, 35 anos, trocou a cidade de Caucagua, no estado de Miranda, por Buenos Aires, em 2017. Depois de receber González, diante da Casa Rosada, ele contou ao Correio que sentiu muita nostalgia, ao ver compatriotas que compartilham a mesma realidade e o mesmo sonho de voltarem para a Venezuela. "Sonhamos em ver um país com liberdade, em podermos sair às ruas, sem medo", disse.
Para Vera, a visita do opositor tem extrema relevância. "Ela ocorre no momento em que o gendarme (policial) argentino Nahuel Gallo é mantido como preso político em Caracas. A presença de González pode ajudar a resolver a questão do grupo de exilados na Embaixada da Argentina na Venezuela", acrescentou. Vice-presidente da associação civil Alianza por Venezuela e exilado há 10 anos em Buenos Aires, o sociólogo Charbel Njam, 32, reconhece "um momento extraordinário". "Foi um dia histórico, no qual o presidente eleito iniciou sua agenda regional por diferentes países da América, como Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Panamá e República Dominicana. Ele pretende conseguir sua posse como líder eleito com mais de 70% dos votos", disse à reportagem.
Morador de Caracas, o cientista político Enderson Sequera vê o tour de González como determinante para o futuro da Venezuela. "Se ele conseguir mobilizar a comunidade internacional, aumentarão as possibilidades de uma transição rumo à democracia no país. Se Maduro tomar posse em 10 de janeiro, cerca de 10 milhões de venezuelanos também poderão abandonar o país", alertou. O também cientista político Jesús Castellano Vásquez classifica a viagem como estratégica. "González quer mostrar, com fatos concretos, o apoio internacional dos governos da região, além de exibir a mobilização dos venezuelanos no exílio como parte do músculo de adesões e da demonstração de legitimidade", explicou.
EU ESTAVA LÁ
Mariangel Navas Centeno, 26 anos, advogada, nascida em Valencia (estado de Carabobo). Mora na Argentina há seis anos
"Eu fui às lágrimas ao ver o nosso presidente eleito nos últimos esforços para conseguir a liberdade em nossa Venezuela. Estou muito emocionada e comovida por fazer parte dessa luta histórica, que começou em 28 de julho. Tive a oportunidade de abraçar-lhe. É justíssimo o que ele tem feito pelo nosso povo."
Maxroberth Graterol, 24 anos, ativista dos direitos humanos, nascido em San Felipe (Yaracuy). Vive na Argentina há sete anos
"Foi indescritível o que vivemos, é uma mistura de felicidade e nostalgia por todos os esforços que temos feito durante anos. Sentimos uma mudança definitiva, ao vermos o presidente eleito, Edmundo González, sair à varada da Casa Rosada. Imaginamos que ele fará o mesmo em Caracas, quando for empossado como o presidente com maior respaldo da história da Venezuela."
Liset Luque, 37 anos, especialista em comunicação, nascida em Caracas. Mora há seis anos na Argentina
"Pudemos nos conectar com nosso país e com a esperança de mudança e de liberdade. Desejamos que elas cheguem em breve à Venezuela. Até a próxima sexta-feira, teremos uma batalha diária. Nosso país vive a maior crise política, econômica, social e humanitária em duas décadas. Mais de 8 milhões de pessoas foram forçadas a deixar a Venezuela, seus sonhos e suas famílias."
Saiba Mais