Em mais um capítulo da crise política que há um mês se desenrola na Coreia do Sul, mais de 100 policiais enviados à casa do presidente afastado Yoon Suk Yeol foram impedidos de cumprir um mandado de prisão contra ele nesta sexta-feira (3/1).
Em um tumulto que se arrastou por seis horas, a equipe de segurança de Yoon formou um cordão humano e usou veículos para bloquear o caminho dos agentes, informou a imprensa local.
Desde a madrugada milhares de apoiadores se reuniram do lado de fora da casa do líder de direita para se opor à detenção, uma evidência de que ele ainda conta com forte base de apoio.
No início de dezembro, o então presidente chocou o mundo ao decretar lei marcial no país. A medida teve, contudo, vida curta, foi vetada pelo Congresso horas depois de ter sido anunciada e, na sequência, revogada.
Os parlamentares decidiram então investir contra o mandato de Yoon e, após uma tentativa frustrada de impeachment, conseguiram aprovar o afastamento do então presidente no último dia 14 de dezembro.
A decisão ainda tem de ser apreciada pelo Tribunal Constitucional sul-coreano, que tem até seis meses para confirmar ou rejeitar o pedido de impeachment.
Depois de ter sido destituído, Yoon virou alvo de uma investigação criminal, recusou-se a comparecer a um interrogatório e, no início desta semana, recebeu a notícia do mandado de prisão.
Por que a polícia não conseguiu prendê-lo?
Os homens que protegem o presidente
Embora Yoon tenha sido destituído de seus poderes presidenciais, ele ainda tem direito a uma equipe de segurança — que teve papel fundamental no bloqueio da prisão na sexta-feira.
Para Mason Richey, professor associado na Universidade Hankuk de Estudos Estrangeiros, em Seul, os funcionários do serviço de segurança presidencial podem ter decidido impedir a detenção de Yoon ou por lealdade a ele ou sob "uma compreensão equivocada de seu papel legal e constitucional".
Como Yoon está afastado, os agentes deveriam receber ordens do presidente interino, Choi Sang-mok. Nesse sentido, acrescenta Richey, "ou eles não foram instruídos pelo presidente interino Choi a se desmobilizarem [e deixaram a polícia cumprir o mandado] ou estão recusando suas ordens de fazê-lo".
Alguns especialistas apontam a segunda opção como mais provável, e acreditam que os agentes de segurança demonstraram "lealdade incondicional" a Yoon, e não à organização que representam.
O advogado americano e especialista em Coreia Christopher Jumin Lee chama atenção para o fato de que o chefe do serviço de segurança presidencial, Park Jong-joon, foi nomeado para o cargo pelo próprio Yoon em setembro.
"Pode ser que Yoon tenha loteado a organização com agentes linha-dura leais a ele em preparação exatamente para uma eventualidade como essa", destaca.
O antecessor de Park havia sido o ex-ministro da Defesa Kim Yong-hyun, acusado de aconselhar Yoon a impor a lei marcial.
Atualmente, ele está detido para interrogatório como parte da investigação criminal contra o presidente afastado.
Risco de escalada
A solução "mais simples", diz Lee, é que o presidente interino Choi ordene que o serviço de segurança presidencial abandone a função.
"Uma recusa em fazer isso pode ser motivo para seu próprio impeachment pela Assembleia Nacional", acrescenta.
Choi, que é ministro das finanças, assumiu a liderança do país depois que os parlamentares votaram pelo impeachment do primeiro sucessor de Yoon, o primeiro-ministro Han Duck-soo.
O impasse político também reflete a polarização na política sul-coreana entre aqueles que apoiam Yoon e sua decisão de impor a lei marcial e aqueles que se opõem a ela.
E as diferenças não necessariamente terminam aí.
A grande maioria dos sul-coreanos concorda que a declaração de lei marcial de Yoon em 3 de dezembro foi errada e que ele precisa ser responsabilizado, mas disconcordam sobre o que significa responsabilidade, diz Duyeon Kim, integrante sênior adjunto do think tank (centro de pesquisa) Center for a New American Security.
"Os atores envolvidos discordam sobre o processo, o procedimento e sua base legal, o que está aumentando a incerteza política atual", explica ela.
Essa incerteza também está elevando as tensões, a exemplo do que aconteceu na sexta-feira na residência presidencial de Yoon, onde seus apoiadores estão acampados há dias, levando a discursos acalorados e até mesmo confrontos com a polícia.
A polícia poderia retornar com mais agentes e usar a força, mas isso seria "altamente perigoso", avalia Mason.
O serviço de segurança presidencial também está fortemente armado, então um cenário que envolvesse prender policiais também precisaria levar em conta os riscos de escalada da situação.
"O que acontece se a polícia aparecer com mandados adicionais pedindo a prisão de funcionários do serviço de segurança presidencial, [eles] também desafiariam esses mandados e depois brandiriam suas armas?", reflete Lee.
A polícia já informou que está investigando o diretor do departamento e seu vice por impedir o trabalho dis agentes — o que pode significar novass acusações e mandados de prisão.
As consequências do decreto de lei marcial de Yoon também são um desafio para o Escritório de Investigação de Corrupção, responsável pela investigação.
A divisão está operando há apenas quatro anos, foi criada em resposta à indignação pública contra a ex-presidente Park Geun-hye, que sofreu impeachment, foi destituída do cargo e posteriormente presa devido a um escândalo de corrupção.
Embora presidentes sul-coreanos já tenham sido presos antes, Yoon é o primeiro a ser preso antes de renunciar.
Os investigadores têm até 6 de janeiro para prender Yoon antes que o mandado atual expire.
Eles podem tentar prendê-lo novamente no fim de semana, embora isso possa se tornar um desafio maior caso a multidão de apoiadores aumente, ou solicitar um novo mandado e tentar detê-lo novamente.
Reportagem adicional de Ewe Koh