Silêncio da Rússia, acusações dos Estados Unidos e conclusões preliminares que afastam as hipóteses de erro do piloto ou de falha mecânica. Dois dias depois da queda do Embraer 190, que fazia o voo J2-8243, os primeiros detalhes da investigação sugerem que a aeronave da Azerbaijan Arilines que caiu no Cazaquistão sofreu "interferências externas, físicas e técnicas". Das 67 pessoas a bordo, 38 morreram. O avião decolou de Baku, capital do Azerbaijão, à 0h55 de quarta-feira, 25/12 (hora de Brasília), e seguiu a trajetória prevista até 1h25, não muito distante de seu destino — Grozny, capital da república da Chechênia, em território russo. Os radares registraram a última posição do aparelho às 3h38, próximo ao aeroporto de Aktau, no Cazaquistão.
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Sobreviventes relataram ter escutado três explosões, pouco antes da tragédia. Um deles, Subjonkul Rajimov, relatou à mídia estatal da Rússia que houve uma explosão fora do avião. "Eu não diria que foi dentro porque parte da fuselagem perto de onde eu estava sentado voou para fora", afirmou. As suspeitas são de que um míssil do sistema de defesa antiaérea russo tenha provocado o desastre. Passageiros e tripulantes tinham lesões causadas por "vários objetos cortantes" que perfuraram a fuselagem.
"Há uma investigação em curso. Até que as conclusões sejam conhecidas, consideramos que não temos o direito de fazer nenhum comentário e não o faremos", declarou o porta-voz da Presidência russa, Dmitri Peskov. A companhia Azerbaijan Airlines suspendeu suas operações em várias cidades russas.
Apesar das evasivas do governo de Vladimir Putin, Dmitri Yadrov — diretor da agência de aviação civil russa Rosaviatsia — classificou a situação no aeroporto de Grozny, na quarta-feira, como "muito difícil" e citou ataques de "drones militares ucranianos" contra a capital chechena. "Neste momento (do incidente), drones militares ucranianos lançaram ataques terroristas contra a infraestrutura civil nas cidades de Grozny e Vladikavkaz", relatou Yadrov, referindo-se a outra cidade no Cáucaso russo.
Na tarde desta sexta-feira, John Kirby — porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos — anunciou que a Casa Branca recebeu "evidências" de que a Rússia derrubou o avião civil do Azerbaijão. "Vimos alguns indícios iniciais que certamente apontariam para a possibilidade de este avião ter sido derrubado pelos sistemas de defesa aérea russos", declarou.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, pediu uma "investigação exaustiva" sobre as circunstâncias do desastre. "Toda perda de vida merece uma investigação completa para estabelecer a verdade. Podemos ver como as claras evidências visuais no local do acidente apontam para a responsabilidade da Rússia pela tragédia", escreveu na rede social X.
Embaixador
Rashad Novruz, embaixador do Azerbaijão no Brasil, afirmou ao Correio que "pretende acreditar que não houve uma atitude deliberada" para derrubar o avião da Azerbaijan Airlines. "Temos uma forte razão para crer que uma explosão externa semelhante à de um míssil, do lado de fora da aeronave, enquanto voava a uma altitude normal, provocou um grave dano à fuselagem e a outras partes do avião. Muitos buracos de tamanhos diferentes atestam isso", disse.
O embaixador admitiu que as autoridades de Baku escutaram relatos sobre atividades de drones no espaço aéreo daquela região da Rússia. "No entanto, isso ocorreu somente depois da tragédia. O espaço aéreo russo não estava fechado naquele momento. Não posso comentar o motivo. Espero que uma investigação completa lance luz sobre porque isso ocorreu dessa forma, sem aviso prévio, e por qual razão o avião não conseguiu pousar em outros aeroportos, que estavam muito próximos."
Ainda de acordo com Novruz, "depois da tragédia com o avião da Azerbaijan Airlines, Israel, Emirados Árabes Unidos e talvez alguns outros países anunciaram o encerramento das operações de voo naquela parte do espaço aéreo". "Tudo isso está na mídia. Nosso presidente (Ilham Aliyev) assinou o decreto em 26 de dezembro como um dia de luto. É nossa tragédia. Mas, hoje, ela é maior do que nós. O mundo e a indústria estão reagindo. A propósito, o voo da Azerbaijan Airlines tinha muitos passageiros da Rússia, do Cazaquistão e do Quirguistão. Esta é, de fato, a nossa tragédia comum e compartilhada."
Armênia apresenta plano para paz e progresso regional
Novos ventos podem soprar no sul do Cáucaso em 2025, depois de anos de conflitos e dor. O primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan, apresentou a iniciativa "Encruzilhadas da Paz", um plano que vislumbra uma nova era de cooperação regional e de crescimento econômico. Armen Yeganian, embaixador da Armênia no Brasil, explicou ao Correio que o "projeto visionário busca transformar o Sul do Cáucaso em um centro econômico próspero, promovendo paz e estabilidade duradoura". "Ao desenvolver infraestrutura crítica, a Armênia visa melhorar o seu potencial de trânsito e criar ligações mais fortes com nações vizinhas, incluindo Irã, Turquia, Azerbaijão e Geórgia", disse. Segundo ele, a iniciativa abrange redes de transporte, logística, integração econômica regional e programas de intercâmbio cultural.
O embaixador armênio afirmou que, apesar de os compromissos explícitos do Azerbaijão e da Turquia permanecerem "incertos", a vontade de Yerevan de estabelecer postos de controle e restaurar trechos ferroviários ao longo das fronteiras demonstra uma "boa vontade genuína". "O apoio internacional de organizações conceituadas, como a Comissão Econômica da ONU para a Europa e o Banco de Desenvolvimento da Ásia, além do endosso de países como EUA, França e Grécia, bem como a União Europeia, incentiva a participação", comentou Yeganian.
Supervisão
Para ele, o sucesso do "Encruzilhadas da Paz" depende da supervisão internacional, dos benefícios econômicos regionais, de mútuos interesses em estabilidade e segurança, e de um quadro de princípios que enfatize a soberania, a jurisidição e a reciprocidade. "A implementação gradual e o desenvolvimento em etapas promoverão a confiança e a cooperação entre as nações participantes", previu o diplomata.
Yeganian crê que a iniciativa dará lugar à coexistência pacífica, à medida que as tensões se dissiparem e forem substituídas pela cooperação regional, reforçada por programas de intercâmbio cultural e pelo diálogo.
No entanto, Rashad Novruz, embaixador do Azerbaijão no Brasil, disse ao Correio que seu país "não é parte da ideia da Armênia chamada de 'Encruzilhadas da Paz'". "Por causa disso, tem havido algum trabalho e debates sobre o Corredor Zangezur, que implica um corredor logístico-comercial e de infraestrutura, com um regime especial de transporte jurídico e multimodal. Ele ofereceria enormes oportunidades de comércio não apenas para Armênia ou Azerbaijão, mas para todos os países vizinhos. Poderia começar com transporte e logística, mas expandir-se para o corredor energético. Trata-se de uma abordagem prática", comentou.
De acordo com Novruz, o Azerbaijão construiu corredores comerciais com nações da Ásia Central, como Rússia e Irã, que poderiam atrair a Índia e países do Golfo Pérsico. "Curiosamente, em um paradoxo confuso, durante o conflito de 30 anos, a Armênia sempre falou a favor da cooperação regional sem condições prévias — mas sem resolver o conflito", disse o embaixador azeri. "A ideia da Armênia não surtiu ação ou discussão. Grandes coisas levam tempo. Por que a Arménia opta por perder tempo agora? Perdeu quase 30 anos para uma política isolacionista", acrescentou Novruz. (RC)