Tragédia natural

Ciclone Chido leva medo e incerteza a ilhas da França no Oceano Índico

Com ventos de 220km/h, tempestade é a pior a atingir o arquipélago francês de Mayotte em 90 anos. Autoridades temem "centenas de mortos". Moradores comparam destruição a ataque nuclear

Moradores compararam o cenário apocalíptico à destruição provocada por uma bomba nuclear. As imagens aéreas mostram uma terra arrasada, com milhares de casas de madeira transformadas em pilhas de escombros. Três dias depois da passagem do ciclone Chido, o arquipélago de Mayotte — território ultramarino francês, no Oceano Índico, a leste de Moçambique — está praticamente isolado do mundo. Autoridades temem as mortes de "centenas, ou mesmo milhares" de pessoas.

Os ventos de 220km/h, seguidos por chuvas torrenciais, bloquearam estradas, danificaram serviços de telefonia e interromperam o abastecimento de água. Cerca de um terço das construções de Mayotte são casebres com telhados feitos de chapas de metal. A contagem de mortos esbarra no fato de que cerca de 100 mil dos 320 mil habitantes do arquipélago são migrantes não documentados. 

Em Paris, a 8 mil quilômetros de Mayotte, o presidente Emmanuel Macron liderou um encontro de crise e anunciou que viajará para a região nos "próximos dias" e que decretará luto nacional. O gabinete do primeiro-ministro François Bayrou observou um minuto de silêncio em memória das vítimas. Até o fechamento desta edição, foram registradas oficialmente 21 mortes no hospital. Em nota divulgada na noite de domingo (15/12), o Ministério das Relações Exteriores brasileiro informou que o Brasil "conclama as nações parceiras a redobrarem os esforços de adaptação aos impactos da mudança do clima, em reação à multiplicação de eventos naturais extremos".

"A situação em Mayotte é muito complicada. Houve muito mais vítimas do que se sabe. Elas foram sepultadas imediatamente, por motivos religiosos. Não sabemos quantos mortos foram enterrados", relatou ao Correio a jornalista Mathilde Hangard, que mora em Mayotte e está viajando a Paris. "Tudo foi destruído. O arquipélago foi coberto por chapas de metal, escombros, objetos, antenas e aparatos de todo o tipo. No entanto, o mais chocante é que vemos poucas pessoas nas cidades e nos hospitais. Não ver a população nos causa amargura", acrescentou. 

Segundo Hangard, os moradores de Mayotte não estavam preparados. "A infraestrutura não é nova, inclusive as residências dos ricos. Sabíamos que os ventos seriam fortes, mas não a esse ponto", disse. "Não era possível prever com exatidão a força do ciclone. Na madrugada de sábado, os serviços meteorológicos anunciavam ventos violentos, mas não a esse ponto. Quase toda a infraestrutura das ilhas foi destruída. Meus amigos e familiares ficaram desabrigados", lamentou. Ela confirmou relatos sobre pessoas que começam a morrer de fome e de sede. "Os hospitais necessitam de água e de alimentos, além de uma gestão logística para os médicos e enfermeiros. O Estado se esqueceu disso. As autoridades decidiram construir mais um hospital para ajudar a população." Chido golpeou o arquipélago às 9h de sábado (14/12) (3h em Brasília). 

"Situação caótica"

Também em Paris, o gerente de armazém Ben Ahamada, 29 anos, conseguiu contato com familiares em Mayotte. "Eles estão seguros, mas sofreram danos materiais", afirmou ao Correio. "A situação é caótica, uma catástrofe. Não sabemos o balanço de vítimas, mas que há muito mortos. Não temos mais nada. Tudo está destruído. Faltam água, eletricidade e comida", desabafou. "Meus parentes estão vivos e com saúde, mas alguns deles perderam tudo. Não têm nada para comer, nem para beber, e têm medo porque não há energia elétrica." 

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha anunciou que conseguiu o contato com apenas 20 dos 200 voluntários mantidos em Mayotte. "Todas as favelas foram totalmente destruídas. Não recebemos nenhum relato de pessoas desalojadas. Então, a realidade pode ser terrível nos próximos dias", admitiu o porta-voz Eric Sam Vah à emissora britânica BBC.

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