Estados Unidos

Trump volta à Casa Branca quatro anos depois: o que esperar

Em 20 de janeiro, o republicano volta à Casa Branca com promessas polêmicas, como a deportação em massa de imigrantes e o indulto a invasores do Capitólio. Especialistas avaliam o que estar por vir

Se depender das promessas de Donald Trump, o segundo mandato do republicano na Casa Branca terá um início caótico ainda no primeiro dia de governo, pouco depois de tomar posse como o 47º presidente dos Estados Unidos. Na tarde de janeiro, depois de prestar juramento perante o chefe da Suprema Corte, juiz John Roberts e frente a frente com o democrara Joe Biden, Trump deverá assinar uma série de decretos executivos. Entre os mais polêmicos, estão a deportação em massa de imigrantes ilegais e a concessão de indulto aos invasores do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Em entrevista ao Correio, especialistas americanos avaliaram o que esperar dos 1.461 dias de governo Trump e de sua política externa.

"Uma palavra resumirá o segundo mandato de Trump: caos", advertiu Steven Gillon. O professor de história da Universidade de Oklahoma e analista do Centro Miller para o Estudo da Presidência da Universidade da Virgínia acredita que Trump adotará uma postura mais radical. "Havia tantas coisas ilegais que Trump queria fazer no primeiro governo, que foram bloqueadas por funcionários e administradores responsáveis. Essas pessoas se foram, acabaram substituídas por gente de caráter questionável e pouca experiência. A única qualificação é que sejam completamente leais a ele", explicou.

De acordo com Gillon, seria normalmente difícil para um presidente levar adiante a maior política de deportação em massa da história dos EUA. No entanto, Trump tem a seu favor a base política e a emissora conservadora Fox News. "Somente quando a opinião pública ler histórias e se deparar com fotografias de soldados fortemente armados retirando crianças de suas casas é que haverá um esforço para reduzir essa prática", afirmou o historiador. Ele vê como uma ameaça maior que Trump utilize o FBI (a polícia federal dos Estados Unidos) para investigar qualquer pessoa que o tenha criticado no passado. "Trump fará Richard Nixon parecer um santo", ironizou Gillon, ao citar o ex-presidente (1969-1974) forçado a renunciar em meio ao escândalo Watergate.

Especialista em política americana pela Universidade do Texas, Austin, Shannon Bow O'Brien admite que os primeiros dias de governo Trump serão repletos de ações apelativas. "Trump gosta de fazer drama e de agitar. Ele, provavelmente, fará muitas coisas chamativas ou dramáticas imediatamente, a fim de chamar a atenção. Talvez nem sejam as mais impactantes, mas ganharão mais machetes", prevê. A estudiosa lembra que o primeiro mandato de Trump não foi tão surpreendente o quanto ele gostaria, porque o republicano não entendia o governo e a máquina burocrática. "Ele parece estar montando uma equipe mais atenta a essa fato. Então, espero que seus assessores tentem causar um impacto mais duradouro", disse.

O'Brien demonstra ceticismo em relação à inclusão do bilionário Elon Musk em um Departamento de Eficiência Governamental (Doge). "A criação de departamentos leva tempo e esforço. A tentativa de um Doge parece-me ser uma reformulação do conceito 'Reinventando o Governo', da era Bill Clinton. Apesar de ter causado algum impacto, o órgão perdeu força, à medida que as pessoas se tornaram mais versadas sobre o governo", comentou.

A especialista lembrou que Trump não poderá ser reeleito em 2028, o que o torna um presidente com mandato limitado desde o primeiro dia. "Vimos, em várias ocasiões que, sem a perspectiva de reeleição, muitos funcionários públicos fazem o que querem por saberem que não pagarão um preço eleitoral. Suspeito que Trump desejará uma administração mais radical, mas poderá ser comedido por outras pessoas do governo que planejam carreiras políticas mais longas", afirmou O'Brien.

Trump retorna à Casa Branca depois de uma campanha eleitoral tensa, marcada por um atentado à bala que quase lhe custou a vida, em 13 de julho passado, durante comício na cidade de Butler (Pensilvânia). Para muitos eleitores, o incidente fortalece a imagem do republicano perante a base política mais radical do partido conservador. 

Política externa

Para Gillon, Trump carece de uma visão coerente do papel dos Estados Unidos no mundo. "Ele não possui qualquer sentido de prioridade e nenhuma definição clara dos interesses estratégicos dos Estados Unidos. Trump responde à lisonja, não aos fatos", criticou. "Mais uma vez, o republicano mimará os autoritários, especialmente Vladimir Putin, enquanto atacará nossos aliados, minará alianças globais (como a Otan) e sabotará acordos internacionais relacionados às mudanças climáticas", acrescentou. O historiador aposta que Trump apoiará as ações de Israel no Oriente Médio, ao ponto de ajudar a derrubar o regime iraniano.

Shannon O'Brien acha que Trump não fugirá do roteiro de seu primeiro mandato no que diz respeito à política externa. Segundo ela, o republicano gosta de falar duro, mas geralmente capitula diante de qualquer um que acaricia o seu ego ou o elogia. "Ele gosta de ter uma postura incisiva, mas há uma vasta coleção de exemplos de seu primeiro governo que mostra que ele é maleável ao ter o ego massageado ou ao pensar que tirou o melhor de outro líder, independentemente da realidade da situação."

 

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Eu acho...

"Donald Trump e os meios de comunicação da direita conseguiram convencer muitos americanos — apesar das imagens horríveis da violência daquele dia — que o 6 de janeiro de 2021 foi um dia de protesto pacífico e que aquelas pessoas condenadas foram vítimas da propaganda midiática esquerdista e de uma conspiração governamental massiva. Quase a metade de todos os republicanos creem que o ataque foi justificado, ou 33% de todos os americanos. Isso dará a Trump o apoio político que precisa para perdoar os vândalos."

Steven Gillon, professor de história da Universidade de Oklahoma e analista do Centro Miller para Estudo da Presidência da Universidade da Virgínia

 

"Para Trump, perdoar será mais complicado do que acredito que as pessoas pensam. Creio que há uma enorme diferença entre as pessoas acusadas de invasão de propriedade e aquelas que agrediram violentamente policiais. Também há pessoas que podem não aceitar o perdão. A Suprema Corte estabelece que o perdão é 'uma imputação de culpa e a aceitação de uma confissão'. A posição dos EUA é a de que, se você aceita o perdão, admite culpa. Isso fica mais complicado para Trump e a ideia de um autoperdão. A Constituição exige que o presidente cumpra as leis. Um autoperdão significaria que Trump admite ser culpado de não respeitar a lei."

Shannon Bow O'Brien, especialista em política americana pela Universidade do Texas, Austin