SÍRIA

Os diferentes grupos rebeldes que querem o poder na Síria após queda de Assad: 'Jogo começa agora'

O regime de Bashar al-Assad acabou, mas ainda não está claro como vai ser a nova ordem na Síria.

"Eles chegaram aqui preocupados com os islâmicos": foi assim que uma fonte descreveu o estado de espírito dos ministros de Relações Exteriores árabes que foram para Doha, capital do Catar, no sábado (7/12), para reuniões urgentes com o objetivo de evitar o caos e o derramamento de sangue em Damasco.

Em poucas horas, o poderoso grupo militante islâmico que lidera a ascensão dos rebeldes ao poder informou que havia chegado ao centro da capital da Síria.

O líder do Hayat Tahrir-al Shams (HTS), Abu Mohammad al-Jowlani, anunciou triunfantemente "a captura de Damasco". Agora, ele está usando sua verdadeira identidade, Ahmed al-Sharaa, em vez de seu nome de guerra, como um sinal de sua súbita ascensão a um papel muito maior a nível nacional.

Ele certamente vai desempenhar um papel decisivo na definição da nova ordem na Síria após o repentino e impressionante fim de meio século de governo repressivo da família Assad.

No entanto, o líder de uma organização designada como terrorista pela ONU e pelos governos ocidentais não é o único protagonista no cenário de rápidas mudanças da Síria.

"A história ainda não está escrita", diz Marie Forestier, consultora sobre Síria do Instituto Europeu da Paz.

Ela e outros analistas que por acaso estavam participando do Fórum anual de Doha ressaltam que foi outro grupo rebelde, o recém-denominado Southern Operations Room ("Sala de Operações do Sul", em tradução livre), trabalhando com pessoas que vivem na cidade, que invadiu a capital.

As fileiras desta força são dominadas por combatentes do antigo Exército Livre da Síria (FSA, na sigla em inglês), que atuou em forte colaboração com as potências ocidentais no início da revolta na Síria em 2011.

"O jogo começa agora" é como Forestier descreve o início deste novo capítulo importante, marcado por uma explosão de comemoração nas ruas, mas também por questões cruciais sobre o que vai acontecer a seguir.

À medida que o grupo islâmico HTS avançava com velocidade surpreendente, enfrentando pouca resistência, ele desencadeou uma corrida das forças rebeldes em outras regiões da Síria, assim como uma onda de grupos locais armados ansiosos para desempenhar um papel em suas próprias regiões.

"Combater o regime de Assad foi a cola que manteve essa coalizão de fato unida", diz Thomas Juneau, especialista em Oriente Médio da Escola de Pós-Graduação em Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Ottawa, no Canadá, que também está em Doha.

"Agora que Assad fugiu, manter a unidade entre os grupos que o derrubaram vai ser um desafio", ele observa.

Os grupos incluem uma aliança de milícias apoiadas pela Turquia, conhecida como Exército Nacional Sírio (SNA, na sigla em inglês), que, assim como o HTS, dominava uma parte do noroeste da Síria.

No nordeste, os grupos das Forças Democráticas da Síria (SDF, na sigla em inglês), em sua maioria curdos, também ganharam espaço, e estarão determinados a manter sua posição.

Mas o ambicioso e conhecido líder do HTS roubou a cena. Sua retórica e seu histórico estão agora sob escrutínio dos sírios, assim como dos países vizinhos, e mais além.

O comandante da milícia que surgiu como uma afiliada da Al-Qaeda rompeu com o grupo jihadista em 2016 e, desde então, vem tentando melhorar sua imagem.

Durante anos, ele enviou mensagens conciliatórias para o exterior; agora, está assegurando às muitas comunidades minoritárias da Síria que elas não têm nada com que se preocupar.

Reuters
O líder do HTS, al-Jawlani, tem se empenhado em melhorar a imagem do grupo desde que rompeu com a Al-Qaeda em 2016

"Há uma recepção cautelosa às suas mensagens", afirma Forestier. "Mas não podemos esquecer os últimos oito anos de seu regime autoritário e seu passado."

O regime do HTS, uma organização política e paramilitar, na província conservadora de Idlib, foi marcado pelo estabelecimento de uma autoridade local chamada Governo da Salvação, que instituía liberdade religiosa limitada, mas também medidas repressivas.

Na segunda maior cidade da Síria, Aleppo, a primeira área urbana tomada pelo HTS em seu avanço relâmpago, seus combatentes têm tentado provar que estão aptos a governar.

O grupo também tem enviado mensagens tranquilizadoras a países como o Iraque, dizendo que a guerra não ultrapassaria suas fronteiras.

Outros países vizinhos, incluindo a Jordânia, temem que o triunfo islâmico na vizinhança possa galvanizar grupos militantes descontentes dentro de suas fronteiras.

A Turquia, que certamente vai desempenhar um papel fundamental, tem suas próprias preocupações. O país considera as SDF um grupo terrorista ligado ao grupo curdo PKK, banido pela Turquia, e não vai hesitar em intervir militar e politicamente, como tem feito há anos, se seus próprios interesses forem ameaçados.

EPA
Nas horas seguintes à queda do regime, o clima nas ruas de Damasco era de euforia

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, afirmou no Fórum de Doha no sábado que era "inadmissível" que um grupo que ele chamou de terrorista, uma clara referência ao HTS, pudesse assumir o controle da Síria.

À noite, o enviado especial da ONU para a Síria, Geir Pederson, me disse que havia uma "nova compreensão de uma nova realidade".

Os ministros das Relações Exteriores da região, incluindo antigos aliados do presidente Bashar al Assad, como o Irã e a Rússia, que foram surpreendidos por essa reviravolta espetacular dos acontecimentos, ainda estão pedindo que haja um esforço para estabelecer um processo político inclusivo. Isso foi ecoado por Pedersen.

"Este capítulo sombrio deixou cicatrizes profundas, mas hoje aguardamos com esperança cautelosa o início de um novo capítulo — um capítulo de paz, reconciliação, dignidade e inclusão para todos os sírios", disse ele após participar de reuniões em Doha, onde diplomatas, acadêmicos e autoridades do mundo todo estão em polvorosa com as últimas notícias da Síria.

Muitos observadores parecem relutantes em tirar conclusões precipitadas sobre o tipo de governo que vai emergir em um país conhecido por sua diversidade de seitas cristãs e muçulmanas.

"Não quero seguir essa linha de pensamento ainda", afirmou um diplomata ocidental ao ser perguntado se havia receio em relação a uma ordem dominada por grupos islâmicos linha-dura.

"Estamos apenas começando com o HTS, que liderou um golpe sem derramamento de sangue."

Juneau concorda. "Por enquanto, é bom simplesmente apreciar o colapso verdadeiramente histórico de um dos regimes mais brutais das últimas décadas", afirmou.

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