fim de uma era

Futuro da Síria é incerto e preocupa comunidade internacional

Líderes estrangeiros se dividem diante do que se passa na Síria entre comemorações, dúvidas e receios. Para o governo Lula, é preciso acompanhar com atenção a situação e orienta que os brasileiros deixem o país

O futuro da Síria, com a tomada do poder pelos rebeldes, ainda é incerto e absolutamente cercado de incógnitas. É o que afirmam os especialistas ouvidos pelo Correio sobre o fim do governo de Bashar al-Assad e o domínio do grupo de radicais islâmicos. Para eles, é preciso aguardar para ver quem dará apoio aos jihadistas, uma vez que nenhum líder se manifestou favorável aos combatentes, e se realmente o ex-ditador se limitará ao exílio ou tentará voltar ao poder.

"É preciso observar atentamente os desdobramentos para verificar quem realmente apoiou a tomada do poder pelos rebeldes e quem seguirá com o Assad. Dizer que a queda dele é positiva não significa que é respaldar quem assumiu, é mais um discurso interno do que externo", afirmou o professor Rafael Pinto Duarte, de relações internacionais do Iesb. "Afinal quem será o líder desse movimento realmente?", questionou ele.

Para Walter Parente, CEO da BMJ, a saída de Assad e o domínio dos rebeldes têm influência de líderes estrangeiros e foram objeto de negociação intensa, uma vez que tudo foi rápido e sem resistências. Em uma semana, o grupo ocupou as principais cidades e sitiou Damasco. "A impressão é que foi tudo acertado, mas só saberemos nos próximos dias, afinal a burocracia síria foi mantida, não houve ocupação dos prédios públicos exceto da residência do presidente, que tem algo de simbólico aí", disse.Tanto Pinto Duarte como Parente estão convencidos de que a aura de incertezas prossegue no Oriente Médio tomado por outras situações também conturbadas, como no Egito, na Líbia, no Iêmen e na Jordânia, fora o que se passa em Israel e na Faixa de Gaza. "A pergunta que se faz é: 'a quem interessa a instabilidade da região'?", perguntou Parente. "Os líderes internacionais certamente estão examinando essa questão."

Pinto Duarte disse que é necessário observar com atenção as "peças do jogo" por causa dos dos interesses próprios. A Rússia, que concedeu asilo para Assad; a Turquia, que é um importante ator na região; e o Catar, onde as negociações transcorreram nos últimos meses. "É muito precipitado falar agora sobre o que vai acontecer. Nada é improviso entre líderes estrangeiros. Tudo é pesado e examinado."

AFP - Família síria faz fotos em frente a monumento histórico

Comunidade internacional em alerta 

A comunidade internacional acompanha cuidadosamente o fim da Era Assad e a tomada do poder pelos rebeldes na Síria. Uma série de reuniões foram convocadas ontem nos Estados Unidos pelo presidente Joe Biden e, também na União Europeia, por Kaja Kallas, chefe da delegação. Rússia, China e Irã também estão atentos à movimentação. Houve comemoração por parte dos europeus e israelenses, e cautela dos antigos aliados, como os iranianos e chineses.

Em pronunciamento ontem, Biden afirmou: "Finalmente o regime de Assad caiu. Esse regime brutalizou, torturou e matou literalmente centenas de milhares de sírios inocentes. A queda desse regime é um ato de justiça. É um momento histórico de oportunidade para as pessoas da Síria, para que vejam o futuro do seu país, e é também um momento de risco e incerteza".

Para o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, a queda foi causada pelo fim do apoio da Rússia. "Assad foi embora", escreveu o republicano em sua plataforma Truth Social. "Sua protetora, Rússia, liderada por Vladimir Putin, não estava mais interessada em protegê-lo."

Para o governo da China, a expectativa é retomada da estabilidade. "(Acompanhamos) de perto o desenvolvimento da situação na Síria e esperamos que a Síria volte à estabilidade o mais rápido possível", informou por nota o Ministério das Relações Exteriores.

Riscos

A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, adverte sobre o risco de mais radicalismo: "Agora, o país não deve cair nas mãos de outros radicais, independentemente da forma que tiverem. (É preciso garantir) proteção total para as minorias étnicas e religiosas, como os curdos, alauitas ou cristãos".

Diplomatas do Irã, país aliado de Assad, supostamente abandonaram a embaixada em Damasco antes que a representação fosse atacada ontem por "indivíduos desconhecidos", informou a televisão estatal iraniana. No sábado, o chanceler iraniano, Abbas Araqchi, exigiu um "diálogo político" entre o governo sírio e os grupos da oposição. 

O governo dos Emirados Árabes Unidos pediu aos sírios que colaborem para evitar uma espiral de caos. "Esperamos que os sírios trabalhem juntos, que não observemos outro episódio de caos iminente", afirmou o conselheiro presidencial Anwar Gargash.

Expectativas

A chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, comemorou a queda de Assad: "O fim da ditadura de Assad é um acontecimento positivo e muito esperado. Também mostra a fragilidade dos patrocinadores de Assad, Rússia e Irã". O chanceler turco, Hakan Fidan, disse que a queda do regime de Assad não foi repentina.

"Isso não aconteceu em uma noite. Nos últimos 13 anos, o país está mergulhado no caos", disse Fidan. Para o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, o fim do governo representa um "dia histórico no (...) Oriente Médio" e a queda de um "elo central do eixo do mal" dirigido pelo Irã.

Ao celebrar o fim do regime de Assad, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da França, Christophe Lemoine, fez um apelo para que os sírios "rejeitem qualquer forma de extremismo".

"O regime (de Bashar al-Assad) nunca parou de colocar os sírios uns contra os outros, e a Síria está fraturada e fragmentada, chegou o momento de união", enfatizou ele, que pediu uma transição política pacífica.

Para os enviados da Organização das Nações Unidas (ONU), o momento de mudança deve ser avaliado como de "esperança cautelosa".

"Esperamos, com esperança cautelosa, o início de um novo (capítulo): de paz, reconciliação, dignidade e inclusão para todos os sírios", disse o emissário Geir Pedersen.

Brasil vê com preocupação

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, acompanha "com preocupação" a situação na Síria. Por meio de nota oficial, o Itamaraty recomenda que os brasileiros que lá estão deixem o país por conta própria. A estimativa é que existam cerca de 3.500 brasileiros vivendo em território sírio, a maioria de nascidos lá. Não há informações de brasileiros entre as vítimas.  

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil informou que acompanha a escalada de violência na Síria e orientando os brasileiros que moram no país a procurar a Embaixada brasileira em Damasco.

"O Itamaraty insta a todos nacionais que se encontrem no país a que busquem sair da Síria", diz a nota. O Ministério das Relações Exteriores disponibilizou um telefone de emergência e recomendou que os brasileiros consultem o portal consular, com alertas e atualizações sobre a situação no país do Oriente Médio.

Em caso de emergência, o telefone de plantão da Embaixada em Damasco é: 963 933 213 438. O plantão consular do Itamaraty também permanece disponível no número 55 61 98260-0610 (inclusive, WhatsApp). O embaixador do Brasil em Damasco é André Luiz de Azevedo Santos. Ele e sua equipe seguem de plantão na representação brasileira.

Íntegra da nota

"O governo brasileiro acompanha, com preocupação, a escalada de hostilidades na Síria. Exorta todas as partes envolvidas a exercerem máxima contenção e a assegurarem a integridade da população e da infraestrutura civis.

O Brasil reitera a necessidade de pleno respeito ao direito internacional, inclusive, ao direito internacional humanitário, bem como à unidade territorial síria e às resoluções pertinentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Brasil apoia os esforços para solução política e negociada do conflito na Síria, que respeitem a soberania e a integridade territorial do país.

O Itamaraty, por meio da Embaixada em Damasco, permanece monitorando a situação dos brasileiros na Síria. Não há registro de nacionais entre as vítimas das hostilidades. O Itamaraty insta a todos nacionais que se encontrem no país a que busquem sair da Síria. Recomenda-se também que os brasileiros consultem o alerta, atualizado, disponível no portal consular."

 

 

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