Cem anos atrás, em 23 de novembro de 1924, os leitores que folheassem a página 6 do jornal The New York Times encontrariam um interessante artigo, ao lado de diversos anúncios de casacos de pele.
A manchete dizia: "Nebulosas em espiral encontradas são sistemas estelares: o Dr. Hubbell [sic] confirma a informação de que elas são 'universos-ilhas', similares ao nosso próprio".
O astrônomo americano que gerou a reportagem, Edwin Powell Hubble (1889-1953), provavelmente terá ficado surpreso com o erro na grafia do seu sobrenome. Mas a história detalhava uma descoberta revolucionária.
Hubble havia descoberto que duas nebulosas em espiral, objetos compostos de gases e estrelas — que, até então, se acreditava que ficassem dentro da Via Láctea — na verdade, estão localizadas fora da nossa galáxia.
Estes objetos eram as galáxias de Andrômeda e Messier 33, as mais próximas da nossa Via Láctea. Atualmente, estima-se que trilhões de galáxias povoem o Universo, com base nas observações de dezenas de milhões delas.
Quatro anos antes do anúncio de Hubble, ocorreu um evento chamado "o grande debate" na capital dos Estados Unidos, Washington DC. Estavam reunidos os astrônomos americanos Harlow Shapley (1885-1972) e Heber Curtis (1872-1942).
Shapley havia demonstrado recentemente que a Via Láctea é maior do que as medições anteriores. Ele afirmava que a galáxia poderia acomodar nebulosas em espiral dentro dela. Mas Curtis defendia a existência de outras galáxias, além da Via Láctea.
Retrospectivamente e ignorando certos detalhes, Curtis venceu o debate. Mas o método adotado por Shapley para medir as distâncias ao longo da Via Láctea foi fundamental para a descoberta de Hubble — e foi derivado do trabalho de uma pioneira da astronomia americana, chamada Henrietta Swan Leavitt (1868-1921).
Medindo a distância entre as estrelas
Em 1893, a jovem Leavitt foi contratada como "computador" para analisar as imagens das observações telescópicas no Observatório da Faculdade Harvard em Massachusetts, nos Estados Unidos.
Leavitt estudou as placas fotográficas das observações telescópicas de outra galáxia, a Pequena Nuvem de Magalhães, conduzidas por outros pesquisadores do observatório.
Leavitt procurava estrelas com brilho que se alterasse ao longo do tempo. Dentre mais de 1 mil estrelas variáveis, ela identificou que 25 eram de um tipo conhecido como cefeidas. Os resultados do seu estudo foram publicados em 1912.
O brilho das cefeidas muda ao longo do tempo. Por isso, elas parecem pulsar.
Mas Leavitt encontrou uma relação consistente. As cefeidas que pulsavam mais lentamente eram intrinsecamente mais brilhantes (luminosas) do que aquelas que pulsavam com mais rapidez. O fenômeno foi chamado de "relação período-luminosidade".
Outros astrônomos perceberam o significado do trabalho de Leavitt. A relação poderia ser usada para calcular a distância até as estrelas.
Quando estudava na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, Shapley empregou a relação período-luminosidade para estimar a distância entre a Terra e outras cefeidas ao longo da Via Láctea. Foi assim que ele chegou a estimar o tamanho da nossa galáxia.
Mas, para que os astrônomos soubessem ao certo as distâncias dentro da Via Láctea, eles precisavam de uma forma mais direta de medir a distância até as cefeidas.
Outra forma de medir distâncias cósmicas é o método de paralaxe estelar, mas ele só funciona para estrelas próximas.
À medida que a Terra gira em órbita do Sol, uma estrela próxima parece se mover em relação a outras estrelas mais distantes. Este movimento aparente é conhecido como paralaxe estelar.
Com o ângulo dessa paralaxe, os astrônomos podem determinar a distância da Terra até a estrela.
O pesquisador dinamarquês Ejnar Hertzsprung (1873-1967) usou a paralaxe estelar para obter a distância entre a Terra e um certo número de estrelas cefeidas próximas, ajudando a calibrar o trabalho de Leavitt.
A reportagem do The New York Times destacava os "grandes" telescópios do Observatório Monte Wilson, perto de Los Angeles, nos Estados Unidos. Era lá que Hubble trabalhava.
O tamanho do telescópio é geralmente determinado pelo diâmetro do espelho principal. Com seu espelho de 2,5 metros de diâmetro para receber a luz, o telescópio Hooker, em Monte Wilson, era o maior daquela época.
Os grandes telescópios não são apenas mais sensíveis para a resolução de galáxias. Eles também criam imagens mais nítidas. Por isso, Edwin Hubble estava no lugar certo para fazer sua descoberta.
Quando Hubble comparou suas placas fotográficas elaboradas com o telescópio de 2,5 metros com as realizadas nas noites anteriores por outros astrônomos, ele ficou entusiasmado ao ver uma estrela brilhante parecer mudar de brilho ao longo do tempo, como é esperado para uma cefeida.
E, utilizando os cálculos de Leavitt, Hubble descobriu que a distância até a sua cefeida era maior do que o tamanho calculado por Shapley para a Via Láctea.
Hubble passou meses examinando outras nebulosas em espiral, enquanto procurava mais cefeidas para medir suas distâncias.
A notícia das suas observações se espalhou entre os astrônomos. Em Harvard, Shapley recebeu uma carta de Hubble detalhando a descoberta. Ele a encaminhou para a colega astrônoma Cecilia Payne-Gaposchkin (1900-1979), com o comentário: "Esta é a carta que destruiu meu universo."
A expansão do Universo
Além de estimar a distância entre a Terra e as galáxias, os telescópios também podem medir a velocidade em que uma galáxia se afasta ou se aproxima da Terra.
Para isso, os astrônomos medem o seu espectro — os diferentes comprimentos de onda da luz emitidos pela galáxia. Eles, então, calculam o efeito Doppler e o aplicam àquele espectro.
O efeito Doppler ocorre com ondas luminosas e sonoras. Ele é responsável por fazer com que o ruído da sirene aumente quando um veículo de emergência se aproxima e seja reduzido depois que ele passa.
Quando uma galáxia se afasta da Terra, algumas características do espectro conhecidas como linhas de absorção possuem comprimentos de onda mais longos do que se não estivessem se movendo.
Isso ocorre devido ao efeito Doppler. Dizemos que essas galáxias foram "deslocadas para o vermelho".
A partir de 1904, o astrônomo americano Vesto Slipher (1875-1969) passou a empregar o efeito Doppler com um telescópio de 61 cm do Observatório Lowell em Flagstaff, no Arizona (Estados Unidos).
Ele descobriu que as nebulosas podem ser deslocadas para o vermelho (elas se afastam de nós) ou para o azul (movendo-se na nossa direção). Slipher concluiu que algumas nebulosas se afastam da Terra em velocidades de até 1 mil km/s.
Hubble combinou as medições de Slipher com suas estimativas de distância para cada galáxia e descobriu que havia uma relação. Quanto mais distante uma galáxia estiver de nós, maior é a rapidez com que ela se afasta da Terra.
Este fenômeno pode ser explicado pela expansão do Universo a partir de uma origem comum, que, curiosamente, ficaria conhecida como o Big Bang.
O anúncio realizado 100 anos atrás consolidou o lugar de Hubble na história da astronomia. Seu nome seria adotado, anos mais tarde, para designar um dos instrumentos científicos mais poderosos já criados pela humanidade: o telescópio espacial Hubble.
Parece incrível observar que, em um intervalo de apenas cinco anos, nosso entendimento sobre o Universo ganhou um foco inteiramente novo.
*Jeffrey Grube é professor de Física do King's College de Londres.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.