Estamos chegando ao fim de mais um ano difícil para o clima e a natureza.
Pela primeira vez, o aumento das temperaturas globais bateu a marca de 1,5 °C por um ano inteiro. As nações vulneráveis às mudanças climáticas sofreram uma grave decepção durante a cúpula do clima das Nações Unidas este ano. E as condições climáticas extremas causam cada vez mais consequências, tanto para as nações pobres e em desenvolvimento quanto para os países ricos.
Com todas estas notícias, o desafio pode parecer insuperável. Mas o ano também presenciou avanços extraordinários para o clima e a natureza.
Caso você tenha perdido, resumimos algumas das maiores vitórias do nosso planeta no ano que termina.
Fim do carvão no Reino Unido...
Em 2024, o Reino Unido fechou sua última usina elétrica movida a carvão. Foi um momento simbólico, já que o país foi o primeiro do mundo a usar carvão para gerar eletricidade e o combustível fóssil foi a base da revolução industrial.
No dia 30 de setembro, as turbinas da usina elétrica de Ratcliffe-on-Soar, em Nottinghamshire (centro-leste da Inglaterra), ficaram em silêncio e suas chaminés pararam de emitir fumaça.
Suas instalações vão passar por um processo de desativação e demolição, que vai durar dois anos.
Não se sabe ao certo o que será feito do local. Uma proposta é transformá-lo para armazenar baterias.
Isso já foi feito em West Yorkshire, também na Inglaterra. A usina termelétrica desativada Ferrybridge C agora tem capacidade de armazenar 150 MW, suficientes para abastecer 250 mil residências.
Com os países dispostos a descarbonizar rapidamente suas economias, muitas usinas elétricas movidas a combustível fóssil estão se tornando locais promissores para armazenar baterias em escala industrial.
... e pico global da energia verde
A energia de fontes renováveis está crescendo rapidamente em todo o mundo. Nos Estados Unidos, a geração de energia eólica atingiu níveis recorde em abril, ultrapassando a geração de eletricidade com o uso de carvão.
A Agência Internacional de Energia (AIE) espera que o mundo aumente em 5.500 GW a sua capacidade de energia renovável até 2030 e amplie sua capacidade renovável global em 2,7 vezes em comparação com 2022 – um pouco abaixo do objetivo das Nações Unidas, de triplicar a capacidade até 2030.
Até o final da década, as fontes de energia renovável devem ser responsáveis por quase a metade de toda a eletricidade produzida no planeta.
A maior parte deste crescimento vem de um único país: a China.
As previsões indicam que, até 2030, a China deve representar pelo menos a metade de toda a capacidade acumulada de eletricidade renovável do mundo, segundo a AIE.
O diretor-executivo da AIE, Fatih Birol, declarou em entrevista coletiva que o "crescimento massivo dos renováveis" no planeta foi causado principalmente pela economia, não pelas políticas governamentais. A energia renovável, especialmente a solar, passou a ser a opção mais barata em quase todos os países do mundo.
E a principal expansão, segundo ele, foi uma "bela história" que ele resumiu em duas palavras: "China" e "solar".
Rios, montanhas, ondas e baleias com personalidade jurídica
Em 2021, o governo do Equador aprovou uma medida histórica, declarando que a mineração na floresta de Los Cedros viola os direitos da natureza. E outra decisão no Equador determinou que a poluição violou os direitos do rio Machángara, que corta a capital do país, Quito.
Em 2024, um relatório concluiu que estas decisões, de fato, podem ajudar a proteger ecossistemas ameaçados.
Fora do Equador, cada vez mais espaços e recursos naturais receberam personalidade jurídica em 2024. Na Nova Zelândia, os picos do Parque Nacional Egmont – agora denominado Te Papakura o Taranaki – foram declarados montanhas ancestrais. Juntos, eles formam uma pessoa legalmente reconhecida, chamada Te K?hui Tupua.
No Brasil, uma parte do Oceano Atlântico recebeu personalidade jurídica. A cidade litorânea de Linhares (ES) reconheceu suas ondas como seres vivos, concedendo a elas o direito de existir, se regenerar e se restaurar.
Paralelamente, um novo tratado assinado pelos líderes dos povos originários da Oceania reconheceu oficialmente as baleias e golfinhos como "pessoas".
"Uma ação apresentada para proteger as baleias contra o transporte transoceânico pode depender da queixa de um indivíduo de que sua capacidade de observar baleias diminuiu", afirma a advogada Jacqueline Gallant, especializada em mudanças climáticas, direitos e biodiversidade.
"Se as próprias baleias fossem reconhecidas como entes legais, a ação poderia se concentrar mais precisamente nos danos causados a elas próprias, não à queixa individual sobre um prejuízo consequente, para que o tribunal analisasse o caso."
Gallant trabalha no Programa de Pesquisa e Ações sobre os Direitos da Terra da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos. Ela afirma que as decisões estão ampliando as fronteiras da imaginação legal.
"A personalidade jurídica oferece o entendimento de que a natureza e os seres vivos não humanos devem ser compreendidos como pessoas [não como objetos], com valores, interesses e necessidades intrínsecas próprias", explica ela.
Proteção para o oceano nos Açores
O Atlântico norte ganhou uma nova Área Marinha Protegida (AMP), anunciada pelo arquipélago português dos Açores. Quando for estabelecida, ela será a maior AMP da região, cobrindo 30% do mar em torno das ilhas.
Metade dos 287 mil km² da AMP será "totalmente protegida", sem atividades pesqueiras nem outros tipos de extração dos recursos naturais, segundo a iniciativa. A outra metade será "altamente protegida".
A AMP inclui nove fontes hidrotermais, 28 espécies de mamíferos marinhos e 560 espécies de peixes, entre muitos outros.
As AMPs podem proteger a biodiversidade de forma altamente eficaz, se as suas restrições forem executadas adequadamente. Ao todo, apenas 2,8% dos oceanos do planeta são efetivamente protegidos e apenas 8,3% são conservados, segundo um relatório da Iniciativa Oceânica da Bloomberg Philantropies.
Desmatamento na Amazônia atinge menor nível em nove anos
O desmatamento na Amazônia brasileira caiu para o menor nível dos últimos nove anos. Foram mais de 30% de redução nos 12 meses até julho deste ano, segundo dados publicados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Cerca de 6.288 km² de floresta foram destruídos – uma área maior do que o Distrito Federal. Ainda é uma superfície imensa, mas é a menor perda anual desde 2015.
O desmatamento caiu mesmo com o aumento dos incêndios na Amazônia brasileira em mais de 18 vezes, ocorrido durante o mesmo período após uma seca histórica.
A conquista veio quase dois anos depois da posse do presidente Lula, que prometeu pôr fim ao desmatamento até 2030, combatendo a derrubada ilegal de árvores.
A conservação pode realmente favorecer a biodiversidade
Uma grande análise das iniciativas de conservação concluiu este ano que a maioria delas é eficaz para reduzir ou reverter a perda de biodiversidade.
Os cientistas analisaram 665 estudos sobre medidas de conservação em todo o mundo, incluindo diversos estudos históricos. Eles concluíram que duas a cada três medidas trouxeram efeitos positivos.
Um exemplo é a Iniciativa de Conservação Altyn Dala, no Cazaquistão. Parceiros locais e organizações internacionais se uniram para salvar o antílope saiga, seriamente ameaçado de extinção, nas Estepes Douradas do país.
O projeto incluiu monitoramento cuidadoso, com base na ciência, marcação, proteção e restauração dos seus habitats, para garantir a melhor recuperação possível do antílope saiga.
Em 2003, havia apenas 20 mil indivíduos. Hoje, são 2,86 milhões de antílopes percorrendo as Estepes Douradas.
O resultado fez com que a União Internacional para a Conservação da Natureza alterasse sua Lista Vermelha. O status da espécie passou de "criticamente ameaçada" de extinção para "quase ameaçada".
Indígenas repovoam os céus e os rios
Na Califórnia (EUA), os animais selvagens se beneficiaram das décadas de ações do povo nativo americano Yurok para aumentar a população de animais nos seus territórios. E, em 2024, seu trabalho culminou com o retorno do salmão ao rio Klamath.
Depois de uma ausência de 100 anos, o peixe foi observado na bacia do rio Klamath, no Estado americano de Oregon, após a histórica remoção de uma represa mais abaixo, no trecho californiano do rio.
Em agosto, foi retirada a última das quatro barragens. Foi o maior projeto de remoção de barragens dos Estados Unidos, gerado pela pressão dos povos originários e dos ambientalistas.
Os membros do povo Yurok esperavam que os salmões fossem levar meses para retornar aos trechos mais acima da represa. Sua população havia sido dizimada pela má qualidade da água, causada pelo bloqueio do fluxo natural do rio.
Mas, em outubro, os biólogos avistaram o peixe nos afluentes de Oregon.
"O surpreendente é a enorme quantidade de peixes que estão de volta e a sua amplitude geográfica", explica o biólogo de peixes do povo Yurok, Barry McCovey. "Não consegui acreditar quando eles foram avistados em Oregon. Foi uma notícia incrível – foi extraordinário."
"Quando soube, perguntei 'espere, já?!'. Eles superaram as expectativas de todas as pessoas."
Paralelamente, um programa intensivo de reintrodução do condor-da-califórnia também vem tendo cada vez mais sucesso.
Esse povo conduz um projeto de libertação daquela ave, parecida com um abutre, desde 2008. A espécie é sagrada para eles.
No dia 4 de outubro deste ano, eles libertaram mais duas aves, levando o total de condores-da-califórnia em território Yurok para 18 animais.
"Eles estão se saindo muito bem", segundo Tiana Williams, diretora do Departamento de Vida Selvagem do Povo Yurok e membro daquela nação indígena. "É realmente animador observar o bando se expandir e mudar sua dinâmica."
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Earth.