Dias depois de uma ponte que liga os municípios de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO) desabar sobre o Rio Tocantins, no domingo (22/12), uma força-tarefa que envolve militares, agentes dos dois Estados e do governo federal ainda faz buscas para encontrar desaparecidos.
A Polícia Militar do Tocantins confirmou até a noite de quinta-feira (26/12) a morte de nove pessoas, cujos corpos foram localizados: uma mulher de 25 anos; uma mulher de 45 anos; uma criança de 11 anos; um homem de 42 anos; um homem de 43 anos; uma mulher de 53 anos; uma mulher de 48 anos; e dois corpos ainda não identificados.
Além disso, foram identificados dez veículos envolvidos no acidente.
Uma das dificuldades para encontrar os corpos é que um dos veículos estava carregado com ácido sulfúrico — na terça (24), foi localizado o corpo da motorista deste caminhão — e outro carregava herbicidas. Por isso, os trabalhos de busca com mergulhadores chegaram a ser suspensos, pelo temor de contaminação da água.
Na quarta (25), a Marinha assumiu o comando das buscas e o uso de mergulhadores foi reativado.
Por conta dos produtos químicos que caíram na água, prefeituras de cidades do Maranhão e do Tocantins pediram que cidadãos evitassem contato com a água do Rio. O governo do Maranhão chegou a orientar a suspensão de captação de água para abastecimento público nas cidades banhadas pelo Rio Tocantins.
Entretanto, nesta quinta-feira, durante reunião organizada pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o governo do Maranhão informou que análises realizadas até o momento indicam que não houve vazamento de substâncias químicas e que a captação de água foi retomada.
Problemas conhecidos
Inaugurada nos anos 1960, a Ponte Juscelino Kubitschek tinha 533 metros — e seus problemas já eram conhecidos.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informou que obras de reparos foram feitas ali entre 2021 e 2023, mas que a ponte precisava passar por "obras de reabilitação".
Em maio de 2024, foi lançado um edital no valor de aproximadamente R$ 13 milhões "para a contratação de empresa especializada para elaboração dos estudos preliminares, projeto básico e executivo de engenharia e execução", diz o Dnit.
"A licitação, no entanto, foi fracassada, sem que nenhuma empresa tenha vencido o certame", prossegue a nota.
O jornal Folha de S.Paulo teve acesso a um relatório que mostrava que o Dnit sabia desde 2019 de situação precária na ponte que desabou.
O professor de engenharia civil da Universidade Federal do Tocantins (UFT) Fabio Ribeiro, especializado em patologia das construções, disse à reportagem que o acidente é resultado de uma série de falhas.
"É uma ponte relativamente antiga, que foi projetada e construída em condições bem diferentes do que se faz hoje. Já existia, por parte de moradores locais, denúncias. Alguns ex-alunos meus que moram na região falam que há mais de dez anos já se identificava alguns desses problemas".
Para o especialista, era evidente a necessidade de manutenção do equipamento.
"As imagens mostram armadura exposta (aço que fica dentro do concreto), rachaduras e trincas. Essa armadura exposta gera um grande problema, que é a corrosão, que é progressiva. Chega um momento em que a ponte não suporta mais a carga", diz.
"Não dá pra afirmar que não se sabia. Temos um grande problema no Brasil em relação à inspeção de pontes. Nao é feita como deveria. Quando é feita, muitas vezes barra na questão orçamentária e os reparos não são feitos."
Em nota, o Ministério Público do Estado do Maranhão informou que será aberto um procedimento para apurar "eventuais repercussões ambientais". O caso ficará a cargo da Promotoria de Justiça de Estreito.
Já o Ministério Público do Tocantins disse que "aguarda a conclusão dos laudos técnicos e diagnósticos pelos órgãos responsáveis para analisar possíveis providências em todas as áreas de sua atuação."
Ministro diz que causa será apurada
O Dnit anunciou, ainda no domingo, a interdição total no local, na BR-226/TO, e disse que equipes iriam apurar as possíveis causas da queda da ponte e tomar as medidas necessárias.
Segundo o órgão, foi decretada situação de emergência para facilitar os trâmites burocráticos para a reconstrução da ponte. O prazo estipulado para a obra é de 12 meses. E o custo estimado está entre R$ 100 a R$ 150 milhões.
Durante uma coletiva de imprensa em Estreito, o ministro dos Transportes, Renan Filho, confirmou que irá destinar mais de R$ 100 milhões para garantir a reconstrução imediata.
"Vamos, com a emergência decretada, contratar a reconstrução da ponte ainda no exercício de 2024", disse Renan Filho.
O ministro afirmou ainda que será instaurada uma sindicância para apurar responsabilidades.
"Vamos trabalhar dedicadamente para fazer dessa ponte um grande case de organização e capacidade resolutiva do Ministerio de Transportes."
'Nossa cidade está em choque'
Um vereador de Aguiarnópolis, Elias Junior (Republicanos), gravava uma denúncia sobre a falta de manutenção da ponte e acabou flagrando o momento em que a estrutura começa a ceder. Ele mostrava rachaduras no chão quando, de repente, aparece um buraco na ponte. No vídeo, é possível ouvir a pessoa que o filmava gritando: "olha, sai daí! Sai de perto, doido, meu deus do céu".
Ele disse à BBC News Brasil que os reparos eram uma reivindicação frequente dos moradores e que, por isso, foi ao local fazer os vídeos.
"É uma ponte que tem mais de 60 anos. Já estava gerando grandes preocupações. Nunca imaginaria que eu estaria gravando a situação bem na hora da tragédia", disse.
"Descemos aqui com a mão na cabeça, como se estivéssemos dentro de um filme. Nossa cidade está em choque."
@eliasjunior.to Muito triste a maior tragédia em nossa cidade
? som original - Elias Júnior