Oriente Médio

Israel aproveita vácuo de poder e ataca a Síria

Aviões e navios israelenses bombardeiam 350 alvos e destroem 80% da capacidade militar criada por Bashar Al-Assad. Ofensiva teria o objetivo de impedir o uso do arsenal pelos rebeldes. ONU condena violação de integridade territorial

Garoto carrega uma granada lançada por foguete (RPG) em local de ataque israelense, em Qamishli, no nordeste da Síria  -  (crédito: Delil Souleiman/AFP)
Garoto carrega uma granada lançada por foguete (RPG) em local de ataque israelense, em Qamishli, no nordeste da Síria - (crédito: Delil Souleiman/AFP)

Enquanto os rebeldes sírios se preparavam para nomear o novo chefe de governo, horas depois, Israel lançava uma campanha militar histórica contra Damasco. A Operação "Seta de Bashan" (em referência ao nome bíblico da atual Síria), conduzida pela Força Aérea e pela Marinha israelense, destruiu 80% da força bélica do regime deposto de Bashar Al-Assad. Desde domingo (8/12), houve quase 350 ataques aéreos a instalações de defesa da Síria e à maior parte dos armazéns de armas estratégicas, inclusive munições químicas. 

Quinze navios da frota de Bashar Al-Assad, nos portos mediterrâneos de Al-Bayda e Latakia, também foram destruídos. Além deles, os alvos incluíram baterias antiaéreas; pistas de pouso usadas pela Força Aérea; fábricas de armas em Damasco, Tartus, Palmira, Latakia e Homs; caças; helicópteros; tanques de guerra; mísseis e radares. 

Na madrugada desta terça-feira (9/12), jornalistas da agência France-Presse relataram fortes explosões em Damasco. O Centro de Pesquisa Científica de Barzeh, ligado ao Ministério da Defesa sírio e situado no norte da capital, foi gravemente impactado pelos bombardeios israelenses. De acordo com o governo dos Estados Unidos, o complexo era utilizado pelo programa de armas químicas de Al-Assad.

A Organização das Nações Unidas (ONU) condenou "qualquer violação da integridade territorial da Síria". "Somos contra esses ataques. Acho que esse é um ponto de virada para a Síria. Isso não deveria ser usado pelos vizinhos para se apossarem do território sírio", advertiu Stephane Dujarric, porta-voz do secretário-geral António Guterres. 

Mensagem

Depois dos bombardeios, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, gravou uma mensagem em vídeo dirigida ao novo regime sírio. Ele disse que seu país deseja estabelecer relações com Damasco, mas ameaçou novas ações militares. "Se esse regime permitir o Irã a se reestabelecer na Síria ou a transferência de armas iranianas ou de quaisquer armamentos pra o Hezbollah, ou nos atacar, nós responderemos energicamente e haverá um preço pesado", advertiu Netanyahu. Sem meias palavras, ele avisou: "O que ocorreu ao regime anterior também acontecerá a este regime".

Em outra manobra considerada polêmica, as Forças de Defesa de Israel (IDF) entraram na zona desmilitarizada ao redor das Colinas do Golã — território sírio ocupado e anexado desde 1967. A ONU classificou a incursão de "violação" do acordo de retirada de 1974 entre Israel e Síria. A denúncia partiu dos governos de Arábia Saudita, Jordânia e Irã. 

Professor do Departamento de Estudos da Guerra do King´s College London, Ahron Bregman avalia que existe uma razão óbvia pela qual Israel eliminou o velho Exército sírio. "Os israelenses não querem que o regime pós-Bashar Al-Assad utilize arsenal do antigo regime para atacá-los. O outro motivo é mais interessante. Israel prefere ver uma Síria dividida. Se o novo governo pudesse colocar as mãos nas armas de Al-Assad, teria mais chances de derrotar outras facções sírias, incluindo os curdos. Com esse arsenal eliminado, seria difícil para o novo regime destruir outros grupos. Assim, a Síria continuaria dominada por várias facções e representaria uma ameaça menor a Israel", explicou ao Correio

Bregman lembrou que, depois da Guerra do Yom Kippur (1973), entre Israel e uma coalizão de países árabes liderada pela Sìria e pelo Egito, uma zona desmilitarizada foi criada nas Colinas do Golã para separar os territórios sírio e israelense. Apenas a ONU recebeu a autorização de entrar na área e monitorar a segurança. "Nos últimos dias, Israel invadiu a zona desmilitarizada e transformou-a em uma zona de contenção, a qual passou a controlar. Os israelenses não construiram bunkers ali porque não querem assustar o mundo. Mas a permanência deles será longa. Semanas? Meses? Anos?", questionou. 

Para Habib C. Malik, professor de história aposentado da Universidade Libanesa Americana (em Beirute), Israel age de forma previsível, ao tomar medidas preventivas a fim de se proteger de qualquer confusão ou caos na Síria. Ele cita, como exemplos, ataques planejados pelos islamitas apoiados pela Turquia e o acesso ao arsenal dos enfraquecidos alauítas. 

O libanês disse ter certeza de que as incursões de Israel ao território sírio não são permanentes, mas de natureza preventiva e cautelar. "São passos sábios, ante uma situação de incerteza, que segue em evolução. Uma coisa parece certa: Israel não permitirá que armamentos ou outro apoio iraniano cheguem ao Hezbollah, no Líbano, nem diretamente, nem através da Síria", observou Malik.

EU ACHO...

Ahron Bregman, professor do Departamento de Estudos da Guerra do King´s College London
Ahron Bregman, professor do Departamento de Estudos da Guerra do King´s College London (foto: Wikipedia )
"Israel invadiu a Síria, em uma manobra ilegal, de acordo com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional. A resposta da comunidade internacional tem sido relativamente muda. Por que? Porque o mundo não sabe como 'engolir' o novo regime sírio, formado por antigos integrantes da rede terrorista Al-Qaeda. Agora, seus membros começam a enforcar pessoas nas ruas de Damasco."
Ahron Bregman, professor do Departamento de Estudos da Guerra do King´s College London 
Habib Malik, professor aposentador de história da Universidade Libanesa Americana (em Beirute)
Habib Malik, professor aposentador de história da Universidade Libanesa Americana (em Beirute) (foto: Arquivo pessoal)
"Alguns especialistas têm especulado que a destruição do equipamento militar russo defasado de Bashar Al-Assad pavimenta o caminho para a reconstrução de um novo Exército sírio abastecido com armas ocidentais. Isso inclui arsenal de fabricação israelense e norte-americana. Tal cenário dependeria de o novo regime de Damasco provar ser verdadeiramente moderado e se abrir à paz com os vizinhos, incluindo Israel."
Habib C. Malik, professor de história aposentado da Universidade Libanesa Americana (em Beirute)

  • Centro de pesquisas de Barzeh, ligado ao Ministério da Defesa: em ruínas
    Centro de pesquisas de Barzeh, ligado ao Ministério da Defesa: em ruínas Foto: Omar Haj Kadour/AFP
  • Ahron Bregman, professor do Departamento de Estudos da Guerra do King´s College London
    Ahron Bregman, professor do Departamento de Estudos da Guerra do King´s College London Foto: Wikipedia
  • Habib Malik, professor aposentador de história da Universidade Libanesa Americana (em Beirute)
    Habib Malik, professor aposentador de história da Universidade Libanesa Americana (em Beirute) Foto: Arquivo pessoal
  • Jipe militar de Israel retorna da zona de contenção, nas Colinas do Golã
    Jipe militar de Israel retorna da zona de contenção, nas Colinas do Golã Foto: Jalaa Marey/AFP
Rodrigo Craveiro
postado em 11/12/2024 06:00
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