Em 10 de dezembro de 2023, o ultralibertário Javier Milei tomava posse como o 12º presidente da Argentina e prometia usar a famosa "motosserra" contra o establishment, do qual se considera um inimigo. "Vamos tomar todas as decisões necessárias para resolver o problema causado por 100 anos de desperdício da classe política", prometeu, ao receber a faixa presidencial. Na ocasião, Milei prometeu avançar nas mudanças de que o país necessita. "Temos a certeza de que abraçar as ideias de liberdade é a única forma de conseguirmos sair do buraco em que fomos colocados", afirmou, em crítica indireta ao peronismo e ao antecessor, Alberto Fernández.
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No primeiro ano de governo, completado nesta terça-feira (10/12), Milei conseguiu freiar a eleição e manter a popularidade em alta. "Em 2023, a inflação anual da Argentina subiu para 210%. Hoje, chega a 110%. Este foi um ponto positivo de seu governo", admitiu ao Correio Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA). "Outro ponto positivo, ao menos sob a perspectiva do governo, foi que ele conseguiu reduzir a inflação sem grandes protestos ou conflitos sociais e, por fim, sem recorrer à repressão nas ruas."
Segundo De Luca, o controle inflacionário produziu custos sociais, ao esfriar a economia. "Houve aumento da pobreza, uma drástica redução das expectativas de crescimento e de desenvolvimento econômico. Outra façanha do governo foi a aprovação, por parte do Congresso, de itens importantes do programa econômico de Milei, apesar de o presidente contar com minoria de legisladores", observou.
Milei empunhou a "motosserra" contra o próprio Estado. Enxugou ministérios, repartições públicas e fundos orçamentários voltados a obras públicas e ao cuidado de setores vulneráveis da sociedade. De Luca afirma que o presidente também usou o liquidificador, ao não aumentar as pensões e ao não ampliar os salários do funcionalismo público, como os professores universitários. "De fato, o ajuste consistiu mais em um 'liquidificador' do que em uma 'motosserra'", disse o professor. Na última sexta-feira, Milei assumiu a presidência rotativa do Mercosul.
Colega de universidade, a cientista política Fanny Maidana concorda com De Luca que um dos grandes êxitos do atual governo foi a forte redução nos índices de inflação. "Antes da chegada de Milei, a Argentina enfrentava um forte processo de aceleração da inflação, inclusive durante o último ano do governo de Alberto Fernández. O peso, de acordo com as estatísticas, é uma das moedas que mais valorizou em 2024. É claro que o lado oposto disso está no encarecimento do custo de vida, em comparação com Brasil. Uruguai e Chile", disse ao Correio a também professora da Universidad Nacional del Litoral, na cidade de Santa Fé.
Aborto e união gay
"Na contramão, Milei revisou questões consideradas resolvidas. Ele propôs a rediscussão da interrupção voluntária da gestação, do casamento igualitário e do financiamento universitário. Estamos em um forte questionamento frente à redução da cobertura de medicamentos para aposentados", acrescentou Maidana.
Por sua vez, Carlos Fara — presidente da Associação Internacional de Consultores Políticos (em Buenos Aires) — explicou à reportagem que Milei consolidou-se politicamente, mesmo na condição de presidente mais frágil, politicamente, desde 1983. "Ele manteve a governabilidade com um esquema econômico que resistiu, ao reduzir a inflação e ao canalizar créditos para a Argentina. No entanto, uma das coisas que mais preocupa no governo Milei é o custo social das medidas tomadas pelo chefe de Estado. Ele tem um esquema político pouco afeito às instituições. Causa mal-estar a excessiva confrontação ante a liquidação de oportunidades econômicas. Além disso, a política externa de Milei parece pouco profissional."
Segundo Maidana, a "motosserra" de Milei também atingiu os orçamentos de universidades e o financiamento de centros de investigação. "Ao mesmo tempo, o aumento salarial do funcionalismo público foi ínfimo, comparado à inflação", explicou. Ela lembrou que o governo Milei não reduziu impostos, uma das promessas de campanha. A especialista considera uma incógnita o modo com que Milei manterá as relações bilaterais com o Brasil e a China, dois dos principais sócios comerciais da Argentina."
EU ACHO...
"A popularidade de Milei se mantém em alta. Ele conseguiu reduzir a inflação, ainda que a um custo social elevado, e estabilizou o dólar. Na Argentina, onde os problemas econômicos são recorrentes, o controle da inflação e do dólar um período de tempo considerável é sempre algo muito apreciado pelos eleitores. Há outros pontos a serem resolvidos, como a pobreza, o desemprego e a insegurança."
Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA)
"Milei é um fenômeno bem particular. Em linhas gerais, é alvo de estudos da ciência política. Ele tem mostrado números contrários a uma tendência de duração cada vez menor da lua-de-mel do eleitorado com o presidente. A avaliação de Milei é bastante positiva, e a figura particular do presidente rende crédito e esperança por parte dos cidadãos. Isso tem a ver com a redução da inflação durante o seu governo. A gestão de Milei escolheu uma política de choque, sem perder a boa imagem entre os argentinos."
Fanny Maidana, professora de ciência política na Universidad Nacional del Litoral e na Universidad de Buenos Aires (UBA)
"Em 2023, a Argentina carregava uma herança de problemas de longa data. Milei teria que tomar medidas antipáticas e levaria muito tempo para a obtenção dos resultados. Essa era a base para ter uma paciência social frente a um remédio amargo. Depois de 12 anos de estancamento econômico, a sociedade argentina concedeu crédito a Milei. Sabia-se que ele era alguém sem experiência política e de gestão estatal. Esse cenário possibilitou que a 'motosserra' avançasse sem probemas."
Carlos Fara, presidente da Associação Internacional de Consultores Políticos (em Buenos Aires)
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