A três horas e meia de Damasco, 240km rumo ao norte, rebeldes e jihadistas celebraram a tomada da cidade de Hama com um recado a Bashar Al-Assad. Derrubaram a imensa estátua do ex-presidente Hafez Al-Assad, pai do atual ditador, e a arrastaram pelas ruas. Pouco depois, avançaram mais 90km e se aproximaram de Homs, a terceira maior cidade da Síria, a 150km da capital.
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"Quando falamos de objetivos, o objetivo da revolução continua sendo derrubar este regime", declarou Abu Mohammad Al-Jawlani, líder do grupo islamista radical Hayat Tahrir al Sham (HTS), que comanda a ofensiva sem precedentes. "Temos o direito de usar todos os meios disponíveis para alcançar essa meta", acrescentou, em entrevista à emissora CNN. O HTS chegou a manter laços com a rede terrorista Al-Qaeda.
Depois de tomarem Aleppo (nordeste) e Hama, os insurgentes abriram uma nova frente de combates, no sul do país, e conquistaram Dera, berço da insurreição de 2011. "As facções locais assumiram o controle de mais áreas da província de Dera, incluindo a cidade de Dera (...) Agora, controlam mais de 90% da província, enquanto as forças do regime se retiraram", declarou a ONG Observatório Sírio de Direitos Humanos.
A rebelião começou em 27 de novembro, a partir de Idlib, no noroeste do território sírio. Em Sweida (sul), funcionários do regime, incluindo o governador regional, abandonaram os prédios administrativos, enquanto grupos armados aproveitaram a retirada do Exército para tomar um posto fronteiriço com a Jordânia na província de Dera.
"Gentis"
O fotógrafo e pesquisador sírio Fared Al-Mahlool estava, nesta sexta-feira (6/12), em outra região de Hama e não viu a estátua de Hafez ser vandalizada. De acordo com ele, os moradores da cidade estão "muito felizes pela Tahrir (libertação)". "Os combatentes estão nas ruas, protegendo Hama, e são muito gentis com os civis. Al-Assad e seus aliados tornaram muito difícil a vida dessas pessoas. Elas fazem café e saem de suas casas para oferecer aos combatentes", contou ao Correio, por meio do WhatsApp.
Al-Mahlool afirmou que Bashar Al-Assad perdeu o controle da nação. "Por aqui, dizem que ele está no Irã, e que sua família viajou para a Rússia e para os Emirados Árabes Unidos", relatou. "O que ocorre na Síria é algo muito positivo e excitante. Os rebeldes avançam, primeiro, até Homs. Depois, para Damasco. O regime de Bashar colapsou, politicamente. É um grande progresso e uma enorme vitória", comemorou. Aviões da Rússia e da Síria lançaram bombas sobre posições perto de Homs, deixando ao menos 20 mortos.
A ONU estima que 370 mil sírios, em sua maioria mulheres e crianças, tornaram-se deslocados internamente. Por meio de um comunicado conjunto, os chanceleres Bassam Al-Sabbagh (Síria), Abbas Araghchi (Irã) e Fuad Hussein (Iraque) advertiram que o avanço das forças de oposição a Al-Assad representa um grave perigo à região. O trio de países classificou as forças da oposição síria como "terroristas" e cobrou uma "ação coletiva" para confrontar a ameaça.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, expressou apoio aos insurgentes. "Direi que o nosso desejo é que esta marcha na Síria continue sem quaisquer acidentes ou dificuldades. Caso vocês se recordem, telefonamos para Al-Assad e dissemos: 'Venha, vamos conversar sobre a Síria e sobre seu futuro'. Infelizmente, não obtivemos uma resposta positiva", declarou a jornalistas, em Istambul. Na noite de sexta-feira (6), o governo dos EUA recomendou aos seus cidadãos que "saiam da Síria agora", enquanto ainda há voos comerciais.
Mudança
Em entrevista ao Correio, Joshua Landis — especialista em Síria e professor da Universidade de Oklahoma — previu a derrocada de Bashar Al-Assad. "Parece-me bem claro que o regime de Al-Assad está prestes a cair. As forças rebeldes começaram a atacar Homs, uma cidade-chave. Por sua vez, o Exército sírio não mais parece disposto a lutar", afirmou, por e-mail. "Acredito que os rebeldes tomarão Damasco nas próximas semanas, se não antes disso. Isso será o prenúncio de uma grande mudança no equilíbrio regional de poder, e, claro, no futuro do povo sírio."
De acordo com Landis, Al-Jawlani insiste que não é mais um jihadista com ambições para além da Síria. "Ele fez um trabalho extraordinário ao se unir a um departamento de mídia profissional para mudar sua imagem e tranquilizar os cristãos sírios. Tanto que seus soldados se fotografaram perto de árvores de Natal e de igrejas. Por outro lado, também há vídeos de militantes derrubando árvores de Natal em Aleppo e destruindo lojas de bebidas."
Para o estudioso, será preciso aguardar para entender até que ponto Al-Jawlani estaria disposto a acomodar tradições e liberdades não-muçulmanas. "Os sírios alauítas, que apoiaram Al-Assad e os militares sírios, estão receosos de sofrerem ataques motivados por vingança", disse Landis.
A guerra civil síria, que começou em 2011, deixou 500 mil mortos. A nova ofensiva coincide com o 14º aniversário da Primavera Árabe, a série de protestos que se estendeu do norte da África ao Oriente Médio e teve início em 18 de dezembro de 2010.
EU ACHO...
"Uma vitória dos rebeldes na Síria significa que um muçulmano sinita governará o país pela primeira vez desde 1970. Mohammed Al-Jawlani, o líder dos rebeldes, pertenceu ao Estado Islâmico e à rede Al-Qaeda. Ele alega ter abandonado esse passado e assumido seu nome de infância, Ahmed Al-Sharaa, ao preterir seu nome de guerra, Al-Jawlani. É uma incógnita como ele acomodará a diversidade do povo sírio."
Joshua Landis, especialista em Síria e professor da Universidade de Oklahoma