Alertas feitos por autoridades europeias sobre a necessidade de o continente se preparar para um possível conflito têm elevado os níveis de tensão na região.
No dia 25/11, um oficial da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) instou empresas na Europa a se prepararem para um cenário de guerra e a ajustarem suas linhas de produção e distribuição, a fim de ficarem menos vulneráveis ??à chantagem de países como Rússia e China.
"Se pudermos garantir que todos os serviços e bens cruciais possam ser entregues, não importa o que aconteça, isso será uma parte fundamental da nossa dissuasão", disse o presidente do comitê militar da Otan, o almirante holandês Rob Bauer, segundo a agência Reuters.
Em um evento em Bruxelas, Bauer se mostrou preocupado sobre uma possível dependência europeia em relação à China e à Rússia em áreas como fornecimento de energia e metais raros e medicamentos.
Segundo o militar, é inocência pensar que os governos russo e chinês não podem usar essa dependência como vantagem em um cenário de guerra.
“Embora sejam os militares que vençam batalhas, são as economias que vencem as guerras”, disse.
Ameaça 'séria e real' de guerra global
A preocupação em relação a um conflito expandido na Europa cresceu após a escalada no conflito na Ucrânia nos últimos dias.
O presidente Vladimir Putin anunciou em novembro uma mudança no protocolo russo sobre o uso de armas nucleares, relaxando os critérios para o emprego desse tipo de armamento em um conflito.
Pouco antes, Estados Unidos e Reino Unido cruzaram (outra) linha vermelha traçada por Putin, ao permitirem que a Ucrânia dispare contra a Rússia mísseis de longo alcance fornecidos pelo Ocidente.
E tudo isso aconteceu na mesma semana em que Putin ameaçou o Reino Unido, os EUA e qualquer outro país que estiver suprindo a Ucrânia com esse tipo de arma e para esse tipo de propósito.
"Nos consideramos no direito de usar nossas armas contra bases militares nestes países que permitirem o uso de armas contra nossas bases", disse o líder russo, em um pronunciamento à nação na quinta-feira (21/11).
Desde o começo da guerra, governos ocidentais já ultrapassaram diversas "linhas vermelhas" da Rússia: fornecendo tanques, sistemas de mísseis avançados e caças F16 à Ucrânia. E as "consequências" citadas pelo Kremlin nunca se materializaram.
Diante desses acontecimentos, o primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk, fez um alerta sobre uma ameaça "séria e real" de guerra global.
A invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia "está entrando em uma fase decisiva", disse Tusk em um discurso ao Sindicato dos Professores Poloneses no dia 22/11.
"Todos nós sabemos, sentimos que o desconhecido está se aproximando. Nenhum de nós sabe o fim deste conflito, mas sabemos que ele está assumindo dimensões muito dramáticas no momento", afirmou.
"Os eventos das últimas dezenas de horas mostram que esta ameaça é realmente séria e real em termos de um conflito global".
No Reino Unido, o vice-chefe do Estado-Maior, Rob Magowan, disse em uma audiência em um comitê do Parlamento que as forças britânicas estão prontas para lutar caso Vladimir Putin decida invadir outra nação do Leste Europeu.
"Se o Exército britânico recebesse um pedido para lutar esta noite, ele lutaria. Eu não acho que ninguém aqui deveria ter qualquer ilusão de que se os russos invadissem o Leste Europeu na noite de hoje, nós não nos juntaríamos a essa luta", disse.
Valery Zaluzhny, atual embaixador da Ucrânia no Reino Unido e ex-comandante-chefe militar do país, foi ainda além e disse acreditar que a Terceira Guerra Mundial já havia começado.
Segundo ele, como a Rússia vem recebendo cada vez mais ajuda de países aliados, como China, Irã e Coreia do Norte, já estaria na hora de falar sobre um conflito expandido.
'Se houver crise ou guerra'
Localizados em uma área de risco e temendo as consequências de suas movimentações geopolíticas recentes, países escandinavos também têm instruído suas populações sobre como agir em caso de um conflito.
Em novembro, milhões de suecos começaram a receber um panfleto que orienta a população sobre como se preparar e lidar com a situação em caso de guerra ou outras crises inesperadas.
Intitulado "Se houver crise ou guerra", o panfleto é uma versão atualizada de uma edição distribuída há seis anos, devido ao que o governo de Estocolmo chama de piora na situação de segurança — em outras palavras, à invasão em grande escala da Rússia na Ucrânia. O livreto tem o dobro do tamanho da versão anterior.
A Finlândia, país vizinho, também publicou online suas novas orientações sobre "preparação para incidentes e crises".
E os noruegueses receberam recentemente um panfleto pedindo que se preparem para se virar sozinhos por uma semana em caso de condições meteorológicas extremas, guerra e outras ameaças.
Durante o verão no hemisfério norte, a agência de gestão de emergências da Dinamarca disse que estava enviando por e-mail aos adultos dinamarqueses detalhes sobre água, alimentos e medicamentos de que necessitariam para ultrapassar uma crise durante três dias.
Suécia e Finlândia são os mais recentes países a aderirem à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
A decisão das duas nações de abandonarem sua posição de neutralidade foi um revés para Vladimir Putin, que condena a expansão da Otan e lista os movimentos da aliança como um dos motivos para a sua invasão da Ucrânia.
A Finlândia compartilha uma fronteira 1.340 km com a Rússia e solicitou formalmente a adesão à Otan com a Suécia em maio de 2021 por causa da guerra. Já Noruega e Dinamarca fazem parte dos membros fundadores da aliança militar.
Abrigos antibomba
Outros países na Europa têm experimentado ainda uma corrida por abrigos antibomba. Na Espanha, empresas especializadas na construção de bunkers tem relatado aumento na procura pelos seus serviços.
"A nossa demanda simplesmente triplicou nos últimos meses. Antes as pessoas pediam orçamento e tiravam um tempo para pensar se queriam ou não, agora muita gente já liga diretamente fazendo o pedido", revela Guillermo Ortega, proprietário da Bunker World.
O empresário diz que um bunker como os que eles produzem, que são pré-fabricados, demora cerca de 75 dias para ficar pronto, e que pelo atual aumento na demanda eles já estão com lista de espera para atender novos clientes. "Estou recebendo pedidos até mesmo da França, muitos da Alemanha e tive consultas até de pessoas da Colômbia", compartilha.
Na Alemanha, as autoridades locais estão elaborando um novo levantamento de bunkers que podem servir de abrigo de emergência para civis.
O Ministério do Interior pretende criar um aplicativo com uma lista de estações subterrâneas de metrô e trens, estacionamentos e prédios públicos e privados que podem servir como abrigos.
O governo também começou a incentivar a população a criar esconderijos em suas casas, adaptando porões e garagens.
O que esperar?
Richard Caplan, professor da Universidade de Oxford, acredita que os preparativos são justificados.
"É difícil avaliar ou medir a seriedade do risco [de uma guerra na Europa]", diz o especialista em Relações Internacionais e segurança. "Mas acho que é um risco bastante plausível na situação atual."
Caplan afirma que as preocupações advêm principalmente do temor de que a Rússia repita suas ações na Ucrânia em outras nações do seu entorno, particularmente nos Estados Bálticos.
"Isso seria muito sério porque muitos deles são Estados-membros da Otan", diz o analista, em referência ao princípio segundo o qual um ataque a um dos membros da aliança representa um ataque aos demais.
Por outro lado, o professor da Universidade de Oxford afirma que as guerras vivenciadas pela Europa no passado ainda influenciam a reação das pessoas no continente.
"Não me surpreende que alguns indivíduos vejam isso [os preparativos] como uma forma de aliviar suas ansiedades. Os governos também tomam medidas de mitigação de riscos para tranquilizar o público — o que pode às vezes ter um efeito contrário."
"Mas o comportamento que vemos hoje parcialmente inspirado pelo que aconteceu antes, pelas experiências de guerra às quais essas populações e esses países foram expostos."
Steve Rosenberg, editor de Rússia da BBC News, diz que é difícil saber o que esperar de Vladimir Putin e do futuro do conflito.
Para ele, talvez nem mesmo o presidente russo saiba seus próximos passos, o que deixa tudo mais grave.
Rosenberg afirma que Putin tem usado constantemente nos últimos anos a escalada de tensões como método para atingir suas metas — neste caso, o controle sobre a Ucrânia ou a paz nos termos da Rússia.
“Há muitos exemplos de Putin escalando a guerra: a invasão de grande escala da Ucrânia, a decisão de declarar quatro territórios ucranianos como parte da Rússia, o envio de soldados norte coreanos para a região de Kursk, a decisão de atacar a cidade de Dnipro com um novo míssil balístico hipersônico de alcance médio na quinta-feira e as ameaças de atacar o Ocidente”, diz.
“Uma vez eu descrevi Putin como um carro sem marcha ré ou freio, voando baixo em uma estrada, com o acelerador no máximo. Pelo visto, pouco mudou.”
Segundo o editor da BBC, a escalada é uma possibilidade clara e a Ucrânia deve estar se preparando para mais ataques russos, com bombardeios ainda mais pesados.
Por outro lado, Rosenberg vê a mudança de governo nos Estados Unidos, com Donald Trump assumindo a presidência em 2025, como um evento que pode mudar o rumo atual do conflito.
Trump tem expressado ceticismo sobre assistência militar americana à Ucrânia e críticas em relação à aliança militar Otan. Ele também disse recentemente que conversar com Vladimir Putin seria “algo inteligente”
“Tudo isso deve soar como música aos ouvidos de Putin”, diz Rosenberg. “O que significa que apesar das mais recentes ameaças e alertas, o Kremlin pode decidir evitar uma grande escalada agora.”
“Isso se o Kremlin estiver calculando que Trump vai ajudar pôr um fim à guerra em termos que beneficiam a Rússia. Se esse cálculo mudar, a resposta de Moscou também pode mudar.”