Em um discurso na noite de terça-feira (4/12), o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, decretou lei marcial no país, alarmando o Parlamento e testando o comprometimento do país com a democracia.
Menos de 24 horas depois e com a revogação do decreto após a reação do Parlamento, seu futuro político está à beira do abismo, com protestos nas ruas e processos de impeachment contra ele em andamento.
Mas afinal, o que Yoon Suk Yeol pretendia com suas ações?
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A lei marcial foi introduzida pela última vez na Coreia do Sul em 1979, desencadeada pelo assassinato do então governante militar em um golpe. A Coreia do Sul de hoje, no entanto, está muito longe de um contexto semelhante e dos anos repressivos que seguiram a declaração.
É uma democracia estável e próspera — ainda assim Yoon alegou que estava declarando lei marcial para salvar o país de forças obscuras. Ele classificou a Assembleia Nacional controlada pela oposição como um "covil de criminosos" que estava "tentando paralisar" o governo.
Horas depois, ele foi forçado a recuar enquanto manifestantes e legisladores furiosos se reuniam do lado de fora da Assembleia Nacional. Os parlamentares entraram e rejeitaram a ordem.
Sua declaração chocante foi, na verdade, uma tentativa de obter o tipo de controle sobre o poder que lhe escapou desde que ganhou a Presidência em 2022 pela menor margem na história da Coreia do Sul.
Menos de um mês após assumir o cargo, a primeira controvérsia atingiu sua administração. No final de 2022, ele foi criticado pela resposta de seu governo à terrível tragédia que levou à morte de 159 jovens durante um evento de Halloween em Seul.
Posteriormente, o governo foi abalado por pedidos para uma investigação sobre a primeira-dama, depois que ela foi pega aceitando uma bolsa Dior como presente — um escândalo que ainda paira nas manchetes.
Em abril deste ano, seu partido foi derrotado nas eleições parlamentares, deixando-o em uma posição de impotência. E ainda nesta semana, Yoon estava travado uma batalha política com os legisladores da oposição sobre o orçamento do país.
Mesmo antes de dizer aos sul-coreanos que estava suspendendo seus direitos, sua taxa de aprovação estava abaixo de 20%.
No discurso proferido por Yoon na noite de terça há algumas que ajudam a entender qual poderia ser sua estratégia.
O que ficou imediatamente evidente é que ele estava frustrado com o Parlamento controlado pela oposição. Em sua declaração, ele afirmou que o Legislativo era um "monstro que destrói o sistema democrático liberal".
A referência a uma ameaça da Coreia do Norte e "forças anti-Estado" sugere que ele também esperava obter apoio dos conservadores de direita na Coreia do Sul, que costumam rotular políticos liberais de "comunistas".
Mas o presidente interpretou mal seu país e sua política.
Sua declaração foi um lembrete assustador de um período que muitos na Coreia do Sul tentam esquecer. Na televisão, apresentadores de notícias foram vistos tremendo.
Em 1980, quando ativistas pró-democracia, muitos deles estudantes, foram às ruas da cidade de Gwangju para protestar contra a lei marcial, o exército respondeu com violência e cerca de 200 pessoas foram mortas.
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Enquanto a lei marcial durou três anos - de 1979 a 1981 — o regime militar havia começado décadas antes, e continuou até 1987.
E naqueles anos a Coreia do Sul foi inundada pela sensação de desconfiança, com ativistas antigoverno apelidados de espiões comunistas e sendo presos ou mortos.
No entanto, durante sua campanha eleitoral, Yoon elogiou o general autoritário Chun Doo-hwan e disse que ele havia administrado bem os assuntos do governo — exceto por sua repressão aos ativistas pró-democracia.
Mais tarde, ele foi forçado a se desculpar e disse que "certamente não defendeu ou elogiou o governo de Chun".
Mas suas declarações fornecem alguns insights da visão do presidente sobre o que constitui poder.
Rumores de que Yoon estava considerando impor a lei marcial circulam há meses nos círculos políticos sul-coreanos. Em setembro, líderes da oposição e membros do seu partido declararam que essa era uma possibilidade. Mas a maioria descartou essa opção, dizendo ser muito extrema.
Mas Yoon pode muito bem ter sido motivado por algo mais: o medo de um processo.
Park Geun-hye, a primeira líder mulher do país, foi presa após ser considerada culpada de abuso de poder e corrupção. Seu antecessor, Lee Myung-bak, foi investigado por alegações de que estava envolvido em manipulação de preços de ações. Ele foi condenado a 17 anos de prisão por corrupção e suborno em 2020.
Outro ex-presidente, Roh Moo-hyun, tirou a própria vida em 2009 enquanto estava sob investigação por supostamente receber milhões em subornos.
Na Coreia do Sul, os processos quase se tornaram uma ferramenta política — uma ameaça usada pela oposição. Isso pode explicar em parte por que o presidente Yoon tomou uma ação tão drástica.
Quaisquer que sejam seus motivos, a carreira de Yoon lutará para se recuperar de tudo o que aconteceu nas últimas horas.
O presidente enfrenta pedidos de renúncia e alguns meios de comunicação locais reportaram que membros de seu próprio Partido do Poder Popular estavam discutindo expulsá-lo da liga.
A Coreia do Sul é uma democracia estável — mas é barulhenta. E se recusou a aceitar outra ordem autoritária.
O presidente Yoon agora enfrentará o julgamento de um Parlamento e de um povo que rejeitou o desafio mais sério à democracia do país desde a década de 1980.