Oriente médio

Facções impõem uso do hijab a mulheres e remoção de ícones em igrejas da Síria

Segunda maior cidade do país está sob controle total de milícias antigoverno lideradas por grupos islamistas, como Hayat Tahrir al Sham (HTS). Presidente sírio, Bashar al-Assad promete reprimir os "terroristas" com o apoio de aliados

Ataques aéreos e por terra deixaram mortos em Alepo, já são mais de 500 vítimas em menos de uma semana
 -  (crédito:  AFP)
Ataques aéreos e por terra deixaram mortos em Alepo, já são mais de 500 vítimas em menos de uma semana - (crédito: AFP)

Pela primeira vez desde o início da guerra civil na Síria, em 2011, as forças do governo local perderam o controle total da cidade de Alepo, a segunda maior do país, para milícias rebeldes dominadas pelo grupo islamista Hayat Tahrir al Sham (HTS). Cerca de 40 km ao norte, ontem, combatentes apoiados pela Turquia "tomaram o controle da cidade de Tal Rifat" e de várias localidades vizinhas, uma posição estratégica, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH). Desde o início da ofensiva, na última quarta-feira, foram registradas quase 500 vítimas dos conflitos, entre combatentes e civis.

Os rebeldes liderados pelo HTS e facções aliadas "controlam Alepo, com exceção dos bairros sob o controle das forças curdas", declarou à Agence France-Presse (AFP) Rami Abdel Rahman, diretor do OSDH. O grupo também domina grande parte do território nas províncias de Idlib, Hama e Latakia. Os curdos sírios estabeleceram uma autoridade autônoma apoiada por uma força militar em áreas do noroeste, mas o OSDH reportou que há 200 mil curdos-sírios no norte da província de Alepo que estão "sob assédio de milícias pró-turcas".

Em resposta, o presidente sírio Bashar al-Assad garantiu reprimir com firmeza os ataques. "O terrorismo só entende a linguagem da força, e é com essa linguagem que vamos acabar com ele e eliminá-lo, quaisquer que sejam seus apoiadores e promotores", afirmou ontem, em conversa com uma autoridade da Abkhazia, região separatista pró-russa da Geórgia.

Em Damasco, capital da Síria, Assad se reuniu, neste domingo, com o ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, que atribuiu os incidentes a "um plano americano-sionista para perturbar a estabilidade e a segurança na região". O chanceler também reafirmou o apoio ao governo local: "O Exército sírio vencerá novamente esses grupos terroristas, como no passado", disse ele, citado pela agência de notícias oficial Irna. A próxima parada de Araghchi é a Turquia.

Presos em casa

Georges Hajjar, 66 anos, ex-morador de Alepo: "Uma Síria sem maestro, o pobre povo sírio sendo sacrificado!"
Georges Hajjar, 66 anos, ex-morador de Alepo: "Uma Síria sem maestro, o pobre povo sírio sendo sacrificado!" (foto: Arquivo pessoal)

A crise na Síria se agravou na quarta-feira, quando o frágil cessar-fogo no Líbano entre Israel e o movimento islamista Hezbollah, apoiado pelo Irã, entrou em vigor após dois meses de guerra. Em Idlib, há corpos em um hospital e carros incendiados nas ruas, segundo consta nas imagens da AFP, depois que o OSDH reportou que um bombardeio russo matou, pelo menos, oito civis ontem, entre eles, duas crianças.

"Estamos entrincheirados em casa", contou um morador à AFP, que pediu para não ser identificado por motivos de segurança. Os rebeldes "estão tentando fazer cara de bonzinhos e tranquilizar a população. Eles forçaram as padarias a trabalharem a noite toda e distribuíram pão grátis nos cruzamentos hoje", acrescentou.

Nascido em Alepo, Georges Hajjar, 66 anos, estudou na cidade até 16 anos, quando mudou-se para o Canadá. "Saí logo depois da guerra de 74 para o Canadá, e estou no Brasil há 34 anos", conta ao Correio. Acompanhando as notícias da cidade natal, Georges afirmou que as facções que controlam Alepo estão fazendo exigências à população, impondo o uso do hijab (véu) para mulheres cristãs e a remoção dos ícones das igrejas dentro de três dias. "Infelizmente a situação está piorando rapidamente", afirmou o ex-morador.

Palavra de especialista

Heitor Loureiro
Heitor Loureiro, doutor em história e pesquisador associado do Gepom: "Oportunidade ideal para a Turquia" (foto: Arquivo pessoal)

"O regime sírio tem condições limitadas de revide e, por isso, depende do apoio bélico e logístico russo e iraniano, bem como das forças curdas que combatem suas próprias batalhas contra os extremistas islâmicos patrocinados pela Turquia. A minha impressão é que para Washington, Moscou e Teerã, a Síria é um problema menor no momento. O Hezbollah também foi um aliado importante de Assad nos anos 2010 e agora estão desarticulados por conta da guerra contra Israel. Para a Turquia, por outro lado, parece ser a oportunidade ideal para controlar o norte da Síria, neutralizar os curdos e integrar — ainda que informalmente — a região à Turquia. Para a Europa, a queda de Alepo pode representar uma nova onda de refugiados sírios que tentariam chegar à Europa em busca de paz e estabilidade, que passariam por território turco."

Heitor Loureiro, doutor em história e pesquisador associado do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom)

Olho

"Uma Síria sem maestro, o pobre povo sírio sendo sacrificado!"

Georges Hajjar, 66 anos, ex-morador de Alepo

Oportunidade ideal

"O regime sírio tem condições limitadas de revide e, por isso, depende do apoio bélico e logístico russo e iraniano, bem como das forças curdas que combatem suas próprias batalhas contra os extremistas islâmicos patrocinados pela Turquia. A minha impressão é que para Washington, Moscou e Teerã, a Síria é um problema menor no momento. O Hezbollah também foi um aliado importante de Assad nos anos 2010 e agora estão desarticulados por conta da guerra contra Israel. Para a Turquia, por outro lado, parece ser a oportunidade ideal para controlar o norte da Síria, neutralizar os curdos e integrar — ainda que informalmente — a região à Turquia. Para a Europa, a queda de Alepo pode representar uma nova onda de refugiados sírios que tentariam chegar à Europa em busca de paz e estabilidade, que passariam por território turco."

Heitor Loureiro, doutor em história e pesquisador associado do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom)

postado em 02/12/2024 06:01
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