Horas depois de a Ucrânia ter denunciado o lançamento sem precedentes de um míssil balístico intercontinental (ICBM) contra o seu terrório, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, elevou a retórica e avisou: "Nós consideramos que temos o direito de usar nossas armas contra instalações militares daqueles países que permitam usar seus armamentos contra nossas instalações". Em tom firme, o chefe do Kremlin advertiu que "o conflito provocado pelo Ocidente na Ucrânia adquiriu elementos de caráter mundial".
Foi uma menção ao fato de o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ter autorizado o governo de Kiev a usar o ATACMS, um sistema de mísseis de longo alcance, contra a Rússia. Na terça-feira (19/11), a Ucrânia atacou um depósito de munições na região russa de Bryansk, 247km a noroeste da cidade de Kursk, onde estão mobilizados cerca de 11 mil soldados da Coreia do Norte.
Putin explicou que suas forças usaram um míssil balístico de médio alcance, um artefato diferente do ICBM. "Neste caso, foi um míssil balístico em equipamento hipersônico não nuclear. Nossos engenheiros o chamaram de 'Oreshnik'. Os testes foram bem-sucedidos. A meta de lançamento foi alcançada", declarou, em discurso à nação.
Ele acrescentou que o ataque teve como alvo "um local do complexo militar-industrial ucraniano". "Não há meio de se contrapor a este tipo de armas. Os mísseis atacam alvos com uma velocidade de Mach 10, isto é, de 2,5 a 3 km/s. Os sistemas de defesa antiaérea atualmente disponíveis no mundo e os sistemas de defesa antimísseis criados pelos americanos na Europa não interceptam estes mísseis."
O líder russo reforçou que seu país está "pronto" para qualquer cenário no conflito. "Sempre preferimos, e agora estamos preparados para resolver todas as questões em disputa de maneira pacífica, mas também estamos prontos para qualquer evolução dos acontecimentos. Se alguém duvidar disso, estará equivocado. Sempre haverá uma resposta", prometeu Putin. De acordo com o governo do Reino Unido, o míssil balístico lançado por Moscou pode alcançar "vários millhares de quilômetros". "Obviamente é profundamente preocupante e outro exemplo do comportamento imprudente da Rússia, que serve apenas para fortalecer a nossa determinação em apoiar a Ucrânia", disse o porta-voz do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer.
A Organização das Nações Unidas (ONU) admitiu preocupação com o lançamento do míssil de médio alcance. "É uma nova evolução preocupante, e tudo está indo na direção errada", afirmou o porta-voz Stéphane Dujarric. Ele convocou Kiev e Moscou a adotarem "medidas urgentes para uma desescalada, a fim de garantir a proteção dos civis e das infraestruturas civis essenciais".
"Estamos na Terceira Guerra Mundial, se considerarmos quantos países estão envolvidos no conflito", alertou ao Correio a deputada ucraniana Lesia Vasylenko. "A Rússia usa tecnologia bélica chinesa e drones iranianos, além de mobilizar soldados norte-coreanos no front, na Ucrânia. Rússia, Irã, Coreia do Norte e China lutam, atualmente, contra uma nação", acrescentou. Ela lembrou que, enquanto Estado, a Coreia do Norte endossou e autorizou a agressão russa contra a Ucrânia." Vasylenko crê que a única maneira de deter a Rússia é o uso da força. "O mundo tem que apoiar o Exército da Ucrânia, reforçar as sanções e isolar Moscou, até que a Rússia retorne à posição de respeito à ordem mundial. Isso está no interesse de cada país de cada um dos continentes. Não queremos enviar um sinal verde a agressores."
Escolha
Petro Burkovsky, analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev), admite que o confronto na Ucrânia entrou em uma "nova realidade". "Os Estados terão que escolher entre dois campos: democracias e autocracias. Ao contrário da Guerra Fria, países indecisos sofrerão ameaças de regimes autocráticos", disse ao Correio. "A ONU irá desmoronar, porque dois países-membros do Conselho de Segurança, Rússia e China, acham que podem usar a força para mudar fronteiras e ocupar vizinhos, a fim de absorver seus recursos naturais e humanos, e matar aqueles que resistirem."
Burkovsky coloca em xeque a versão de que a Rússia teria lançado um ICBM. "Foi um míssil balístico intermediário (IBM), que tem alcance entre 1.000 e 5.500km. Um artefato obsoleto, da época da União Soviética. Os mísseis intermediários foram desenhados para atacar tropas dos Estados Unidos e da Otan na Europa, a partir da Rússia."
Por sua vez, o também ucraniano Olexiy Haran — professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiyv-Mohyla — concorda que a guerra ganhou contornos mundiais, culpa o Kremlin e vê propaganda bélica no discurso de Putin. "O presidente russo deu os passos para um conflito de caráter global. Ele recebeu soldados norte-coreanos, usa drones iranianos e aceita apoio tecnológico chinês. A Coreia do Norte também fornece munição para a Rússia."
EU ACHO...
"O conflito não escalará se a Rússia for detida. Apenas uma abordagem consolidada de toda a comunidade internacional e das potências ocidentais pode surtir em um resultado: interromper a agressão russa. A Rússia, país com direito ao veto no Conselho de Segurança da ONU, decidiu que poderia começar uma guerra. A nossa leitura é a de que regras não importam. Se falharmos agora, em um modo unificado, teremos que aceitar uma agressão ao mundo e o fato de que aqueles que têm mais armas estão mais certos em quebrar as regras."
Lesia Vasylenko, deputada da Verkhovna Rada (Parlamento da Ucrânia)
"Putin testou um míssil balístico intermediário que está obsoleto, no teatro da guerra na Ucrânia, para intimidar a Europa. Outro objetivo é isolar as nações europeias dos Estados Unidos. A reação da União Europeia será crucial para compreender o desdobramento do conflito."
Petro Burkovsky, analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev)
"A guerra entre Rússia e Ucrânia tem consequências globais, pois envolve vários países. Não creio que estejamos perto de uma Terceira Guerra Mundial. Isso exigiria um conflito direto entre Estados Unidos e Rússia. A China apoia Moscou, mas não acho que participará diretamente. Putin também não está interessado em envolver diretamente os Estados Unidos e a Otan."
Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiyv-Mohyla