PUNHAL VERDE AMARELO

Por que Braga Netto não foi preso? E outras 2 perguntas sem resposta sobre plano de matar Lula

A operação da PF que revelou um suposto plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes tem pontos a serem esclarecidos.

A operação da Polícia Federal que revelou um suposto plano para assassinar Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes e dar um golpe de Estado no Brasil em 2022 ainda tem pontos a serem esclarecidos.

Uma das questões centrais é por que as investigações não levaram à prisão do ex-ministro da Casa Civil Braga Netto, que disputou a eleição de 2022 como candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro.

Segundo a investigação, o general teria participado dos planos golpistas, inclusive realizado uma reunião sobre o tema em sua residência em Brasília.

A operação levou a outras cinco prisões, na terça-feira (19/11), de agentes que teriam operacionalizado a tentativa de golpe de Estado.

Foram presos o policial federal Wladimir Matos Soares e quatro militares do Exército, integrantes de forças de operações especiais, conhecidos como "kids pretos" — o general de brigada da reserva Mario Fernandes, o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo e o major Rafael Martins de Oliveira.

Outro ponto ainda não esclarecido é o que levou os investigados a abortar uma tentativa de sequestrar Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Essa emboscada teria sido realizada dentro dos planos intitulados "Copa 2022" e "Punhal Verde Amarelo", que envolviam o monitoramento, a prisão ilegal e até uma possível execução de Moraes, Lula e Alckmin, que naquele momento eram o presidente e o vice-presidente eleitos.

Uma terceira questão é qual será o impacto das novas revelações sobre Bolsonaro, que também é investigado no inquérito que apura os atos antidemocráticos de 8 de janeiro e supostos planos golpistas, mas não foi alvo direto da operação de terça-feira (19/11).

Há expectativa de que esse inquérito seja concluído ainda este ano, podendo levar ao indiciamento de Bolsonaro, primeiro passo para uma eventual denúncia criminal.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) saiu em defesa do pai e chamou a operação de "mais cortina de fumaça" "para desgastar sua imagem política".

"Mais uma vez ele não tem nenhuma responsabilidade direta ou indiretamente. Eram agentes de segundo ou terceiro escalão", disse em entrevista ao jornal O Globo.

"Você não pode responsabilizar uma pessoa pelos atos de outra. Se é que é verdade, obviamente que ninguém sabia. Parece muito mais narrativa, para mais uma vez tentar envolver Bolsonaro."

Entenda melhor a seguir os três pontos em aberto.

1) Por que Braga Netto não foi preso?

Após a operação da Polícia Federal na terça-feira, muitos passaram a questionar nas redes sociais por que Braga Netto não teve a prisão preventiva decretada, já que ele é apontado como um dos mentores do suposto plano golpista.

"A pergunta que não quer calar: que horas o Braga Netto vai ser preso?", questionou, por exemplo, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), vice-líder do governo Lula na Câmara.

Para o criminalista Davi Tangerino, professor de direito penal da Universidade de Estado do Rio de Janeiro (Uerj), não é possível entender os fundamentos jurídicos para a Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitar — e Moares decretar — a prisão de apenas parte dos investigados.

"A investigação indica que Braga Netto teve uma posição hierárquica muito importante [nos planos de golpe]", diz Tangerino.

"Se há elementos para a preventiva dos demais, o que eu tenho dúvidas, porque já passou bastante tempo dos atos investigados, essas mesmas razões valeriam, talvez até com mais força, para a prisão dele", analisa o criminalista.

Na sua leitura, porém, não parece haver elementos suficientes para a prisão de nenhum dos suspeitos, porque os casos investigados ocorrerem há quase dois anos.

Ele ressalta que a lei prevê alguns requisitos para a prisão preventiva, como indícios de que a atividade criminosa continua em curso ou que os suspeitos estejam tentando atrapalhar as investigações, com destruição de provas.

Para Tangerino, a decisão de prender apenas parte dos investigados pode ter razão política.

"Nós não encontramos um bom motivo jurídico para deixá-lo de fora dessa conta. A segunda vertente [de interpretação] é que ele ficou de fora por uma ponderação político-institucional: evitar uma rota de colisão ainda maior com as Forças Armadas. Me parece a única explicação tangível", avalia.

Tangerino pondera ainda que eventual prisão de Braga Netto poderia aumentar a pressão para a prisão de Bolsonaro, que seria "o último na hierarquia" do suposto golpe.

"Se prende o Braga Neto, só ficaria faltando o Bolsonaro. Talvez o Supremo não queira se ver numa posição de ser cobrado pela prisão do Bolsonaro, enquanto não estiverem seguros de que estão colocados todos os elementos para essa prisão", ressalta.

2) Por que emboscada a Moraes foi abortada?

Reuters
Investigação não detectou por que suposta emboscada contra Moraes foi abortada

Segundo a investigação, o grupo teria tomado ações concretas para tentar prender Moraes na noite de 15 de dezembro de 2022, mas a operação acabou abortada. O relatório da PF não aponta o que teria levado os suspeitos a desistirem da missão.

A tentativa teria ocorrido próximo ao estacionamento do restaurante Gibão Carne de Sol, localizado no Parque da Cidade, em uma via por onde o carro do ministro passaria.

Os planos foram identificados a partir de trocas de mensagens, por meio de celulares comprados em nomes de laranjas.

Segundo a polícia, os participantes do plano se comunicavam em um grupo chamado Copa 2022, composto por seis integrantes, que usavam os codinomes Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana.

O documento do STF aponta que "as mensagens trocadas entre os integrantes do grupo 'Copa 2022' demonstram que os investigados estavam em campo, divididos em locais específicos para, possivelmente, executar ações com o objetivo de prender o ministro Alexandre de Moraes".

Às 20h33 daquela noite, a pessoa associada ao codinome Brasil informa um dos locais em que estava atuando.

Ele diz: "Estacionamento em frente ao gibão carne de sol. Estacionamento da troca da primeira vez".

Em seguida, a pessoa associada ao codinome Gana informa que já estava no local combinado: "Tô na posição".

A troca de mensagens continua até que, às 20h57min, a pessoa de codinome Áustria diz: "Tô perto da posição. Vai cancelar o jogo?".

Segundo a PF, ele possivelmente queria saber se a ação contra Moraes seria cancelada.

Cerca de dois minutos depois, Japão, o suposto líder do grupo, respondeu: "Abortar... Áustria... volta para local de desembarque... estamos aqui ainda...".

Antes de a missão ser abortada, foi enviada no grupo a informação de que sessão do STF daquele dia havia sido adiada. A investigação não explica por que isso era importante.

A investigação da PF cruzou as informações fornecidas pelos envolvidos e também dados de chips de celular, de aluguel de carros e outras fontes para concluir que o grupo monitorava Moraes.

"A análise [...] permite concluir que é plenamente plausível que a pessoa de codinome Gana estivesse próxima à residência funcional do ministro Alexandre de Moraes."

Reuters
Inquérito sobre os atos antidemocráticos do 8 de janeiro de 2023 está sendo finalizado pela PF

3) Quais as implicações para Bolsonaro?

A operação da PF sobre supostos planos para matar Lula, Alckmin e Moraes ocorre no momento em que a PF estaria finalizando o inquérito que investiga os atos antidemocráticos do 8 de janeiro de 2023.

A conclusão desse inquérito pode levar ao indiciamento de Bolsonaro, caso a polícia entenda haver elementos da participação do ex-presidente no planejamento daqueles ataques às sedes dos Três Poderes.

Se Bolsonaro for indiciado, a PGR decidirá, na sequência, se apresenta uma denúncia criminal contra ele.

Não está claro o quanto as novas investigações podem implicar o ex-presidente, que não foi alvo direto da nova operação.

Por outro lado, a apuração trouxe elementos contra pessoas muito próximas ao então presidente, como o próprio Braga Netto e o general de brigada da reserva Mario Fernandes.

Fernandes atuou como secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo de Jair Bolsonaro e também exerceu a função de assessor do deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ), mas foi afastado do posto por determinação do STF.

Segundo o relatório da PF, Fernandes enviou uma mensagem de áudio para Mauro Cid, então ajudante-de-ordens de Bolsonaro, indicando que o então presidente participava dos planos golpistas.

“Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo", teria dito, em referência à diplomação de Lula como presidente em 12 de dezembro de 2022, ocasião em que bolsonaristas causaram tumulto em Brasília, chegando a incendiar carros.

"Mas, porra, aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”, teria continuado Fernandes no áudio para Cid.

Essa não é a primeira vez que investigações apontam possível atuação direta de Bolsonaro.

Em fevereiro, outra operação da PF indicou que então presidente teria recebido uma minuta com teor golpista, prevendo as prisões dos ministros do STF, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, e do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Na ocasião, o próprio Bolsonaro teria feito ajustes no texto.

"A investigação vai se aproximando muito de Bolsonaro. Braga Netto era o vice dele. Começou a ficar muito difícil", afirma Tangerino.

A nova operação também reforçou a oposição ao movimento pela anistia dos condenados pelos atos de 8 de janeiro, uma bandeira bolsonarista para tentar perdoar os que já receberam condenações, abrindo um caminho para tentar evitar que Bolsonaro também seja, eventualmente, punido.

"Acho incogitável falar em anistia nesta quadra e neste quadro. Seria até irresponsável. Como todos sabem, tenho vários interlocutores no meio político, e não me parece que faça qualquer sentido, antes mesmo de termos uma denúncia, se falar em anistia", disse o ministro do STF, Gilmar Mendes, na tarde da operação.

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