Teiji Hayashi, embaixador do Japão no Brasil, reconhece a parceria estratégica entre os dois países e o potencial de cooperação na área da economia. Mas também os fortes laços nas relações políticas, econômicas, culturais e pessoais. Em entrevista exclusiva ao Correio, o diplomata, que chegou a Brasília há 2 anos e 10 meses, contou que visitou 18 estados brasileiros e lembrou que 680 empresas japonesas atuam no Brasil. "Na área econômica, espera-se que a combinação entre biocombustíveis, nos quais o Brasil tem pontos fortes, e equipamentos de mobilidade de alto desempenho, nos quais o Japão tem pontos fortes, fortaleça ainda mais cooperações como uma área que desempenhará um papel importante na neutralidade de carbono", afirmou, ao exemplificar as capacidades de fortalecimento da cooperação. Hayashi admitiu que "os lançamentos repetidos de mísseis e outras ações da Coreia do Norte constituem uma ameaça séria e iminente à segurança do Japão". Também defendeu que os conflitos territoriais envolvendo o Mar do Japão devem ser resolvidos pacificamente, por meio do diálogo. "Todos os Estados apoiam uma paz justa e duradoura, baseada nos princípios do direito internacional e na Carta das Nações Unidas", lembrou. De acordo com o embaixador japonês, apesar dos debates sobre a revisão da Constituição pacifista do Japão, em vigor desde a Segunda Guerra Mundial, o país "continuará a aderir ao caminho de um Estado pacífico e a contribuir mais ativamente para assegurar a paz, a estabilidade e a prosperidade na comunidade internacional, do ponto de vista do pacifismo positivo baseado no princípio da cooperação internacional". Leia a entrevista:
Como o senhor analisa as atuais relações bilaterais de Japão e Brasil?
O Japão e o Brasil são parceiros estratégicos globais que compartilham valores e princípios — como a liberdade, a democracia e o Estado de Direito. Além disso, são amigos históricos, com laços humanos muito fortes, com aproximadamente 2,7 milhões de nipo-brasileiros (a maior população nikkei do mundo) e 210 mil brasileiros vivendo no Japão. Nos 26 meses desde a minha chegada ao Brasil, visitei 18 estados. Em todos eles senti os fortes laços entre os dois países, nas relações políticas, econômicas, culturais e pessoais, bem como o potencial para fortalecer ainda mais esses laços.
Em maio de 2024, o primeiro-ministro Fumio Kishida esteve no Brasil para a primeira visita bilateral em uma década, e concordou em reforçar a cooperação para manter e fortalecer uma ordem internacional livre e aberta, baseada no Estado de Direito e para garantir um mundo em que a dignidade humana seja protegida. A declaração conjunta firmada nessa visita, com 90 parágrafos, representa o alargamento e o aprofundamento das relações entre os dois países. O ano de 2025 marcará também o 130º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas entre o Japão e o Brasil, e os dois líderes designaram-no como o "Ano de Amizade e Intercâmbio entre o Japão e o Brasil", ocasião que deve promover a cooperação em várias áreas.
Em que campos a cooperação é mais forte?
Na área econômica, o Brasil possui abundância de alimentos, energia e recursos minerais, e, portanto, há um potencial muito alto para cooperações entre os dois países nessas esferas. Em relação ao comércio bilateral, os principais itens exportados pelo Brasil ao Japão são recursos minerais (minérios, alumínio entre outros) e alimentos (milho, carne, café, soja entre outros), enquanto itens relacionados à indústria automotiva e produtos imunobiológicos são exportados do Japão para o Brasil.
Cerca de 680 empresas japonesas atuam no Brasil. Além de manter negócios em São Paulo, muitas companhias japonesas também estão presentes no restante do território brasileiro, incluindo a região amazônica. Por exemplo, itens produzidos por empresas japonesas no Brasil, como Cup Noodles, Café Iguaçu e tênis da Asics, assim como as lojas de Daiso, fazem parte da vida cotidiana brasileira há muito tempo. No setor automotivo, a produção local das empresas japonesas tem avançado e a participação dos seus produtos no mercado tem aumentado, fazendo com que a indústria contribua para o fortalecimento das relações bilaterais, por meio da expansão de indústrias e da capacitação das pessoas no Brasil.
O alicerce das relações tradicionais e amistosas entre o Japão e o Brasil é a sua comunidade Nikkei, a maior do mundo. A imigração japonesa tem 116 anos de história. Os imigrantes e seus descendentes superaram muitas dificuldades, por meio de seus esforços e perseverança, e contribuíram muito para o desenvolvimento do Brasil e para o aprofundamento das relações entre os dois países, atuando como uma ponte de amizade entre o Japão e o Brasil. Além disso, eles divulgam a cultura japonesa de várias formas; por isso, diversas expressões da cultura do Japão são amplamente enraizadas no Brasil.
Por exemplo, aqui em Brasília, realizam-se vários eventos de cultura japonesa, incluindo o Festival do Japão, Anime Summit e outros. Eu participo do Anime Summit de cosplay todos os anos. Neste ano, escolhi um cosplay de Dragon Ball, em homenagem ao criador do mangá, Sr. Akira Toriyama, depois de receber a triste notícia de seu falecimento, em março. Eu sinto aqui, no Brasil, a popularidade da cultura japonesa, incluindo a cultura pop.
Há oportunidades de fortalecimento em quais setores?
A amizade tradicional entre o Japão e o Brasil teve início em 1895, com a assinatura do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre o Japão e o Brasil, que, ao longo dos últimos 130 anos, se desenvolveu em diversas áreas — como política e economia, meio ambiente, ciência e tecnologia, prevenção de desastres, justiça criminal e segurança. É forte o potencial para estreitar ainda mais as nossas relações.
Por exemplo, na área econômica, espera-se que a combinação entre biocombustíveis, nos quais o Brasil tem pontos fortes, e equipamentos de mobilidade de alto desempenho, nos quais o Japão tem pontos fortes, fortaleça ainda mais cooperações como uma área que desempenhará um papel importante na neutralidade de carbono. Na última visita do primeiro-ministro Kishida ao Brasil, chegamos em acordo, com o presidente Lula, para o lançamento da Iniciativa para Combustíveis Sustentáveis e Mobilidade (ISFM) como uma nova iniciativa internacional. Espero que, a partir de agora, nossa iniciativa se torne um movimento mundial sob a cooperação e a liderança dos dois países. Além de veículos combustíveis, a Universidade de São Paulo (USP) e a Toyota estão realizando um projeto conjunto sobre carros movidos a hidrogênio. O avanço deste tipo de pesquisa e desenvolvimento de última geração levará a um fortalecimento ainda maior das relações econômicas.
Ademais, como o desastre pela chuva no estado do Rio Grande do Sul deste ano revelou, medidas contra desastres naturais, que estão sendo cada vez mais radicais e frequentes por conta das mudanças climáticas, são um desafio em comum entre as duas partes. O Japão possui uma série de conhecimentos sobre a prevenção de desastres naturais, a começar pelas enchentes. Existem várias empresas japonesas com tecnologias de ponta adequadas de prevenção, monitoramento, reações a desastres e recuperação/reconstrução. A prevenção de desastres é uma área de cooperação tradicional nipobrasileira. Vejo um potencial para fortalecer ainda mais as cooperações nesta área, como parceiros que enfrentam as mudanças climáticas juntos.
No contexto da difícil situação internacional na Ucrânia e no Oriente Médio, o Japão e o Brasil partilham a importância dos direitos e princípios fundamentais, como a soberania, a integridade territorial, o respeito pelos direitos humanos e o Estado de Direito, tal como estabelecido na Carta das Nações Unidas, e são parceiros importantes para lidar com os desafios enfrentados pela comunidade internacional. Particularmente no que diz respeito à reforma do Conselho de Segurança, os países do G4 cooperam, há muito tempo, pelo quadro do G4, salientando a urgência da reforma do Conselho de Segurança por meio do aumento do número de lugares permanentes e não permanentes. Os países do G4, incluindo o Japão e o Brasil, manifestaram o seu apoio à participação mútua de membros permanentes num Conselho de Segurança reformado.
Neste contexto, na Cúpula do Futuro — realizada na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro deste ano —, os líderes mundiais apelaram, pela primeira vez, por uma reforma urgente do Conselho de Segurança, e confirmaram iniciativas futuras concretas, incluindo passos no sentido de negociações baseadas em textos. O Japão pretende alcançar resultados concretos o mais rapidamente possível, tendo em vista o 80º aniversário da fundação da ONU no próximo ano. Para esse efeito, o Japão, juntamente com os países do G4, incentivará amplamente os Estados-Membros a reformarem o Conselho de Segurança da ONU e a cooperarem com eles de boa-fé. Gostaríamos de sublinhar que a reforma do Conselho de Segurança continua a ser uma prioridade máxima no contexto da reforma da governança globa — uma das prioridades da Presidência brasileira do G20, tal como confirmado na reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros do G4 realizada por ocasião da Assembleia Geral das Nações Unidas.
O primeiro-ministro Fumio Kishida e o presidente Lula assinaram 38 memorandos de cooperação. Tais memorandos seriam suficientes para restaurar o nível comercial entre Japão e Brasil? O comércio caiu de US$ 18 bilhões para US$ 11 bilhões. Por que?
Na ocasião da visita do primeiro-ministro Kishida, em maio, os empreendedores de 46 empresas japonesas fizeram parte da delegação e trocaram opiniões com empresas brasileiras, o que é uma prova do alto interesse das empresas japonesas nos mercados brasileiro e sul-americano. Além disso, os memorandos assinados durante a visita tratam de cooperação em diversas áreas, como novos investimentos no futuro, a expansão e o aprofundamento das colaborações entre empresas parceiras, pesquisas e desenvolvimentos, entre outros temas. As atividades econômicas entre o Japão e o Brasil têm sido diversificadas: investimento direto, que é a produção local por uma empresa japonesa no Brasil; contrato de produção por empresas parceiras; contrato de franquia e a construção de uma cadeia de suprimentos global. Espero que as trocas de opiniões entre os líderes de governo nesta visita promovam o aprimoramento da parceria econômica, que não é mensurável apenas por mera quantidade de comércio bilateral.
Como vê a ameaça que a Coreia do Norte representa para a Ásia?
Em conformidade com a Declaração de Pyongyang de setembro de 2002, o Japão continua a tomar várias iniciativas com base na sua política de resolver várias questões — tais como: os raptos, as armas nucleares e os mísseis — de apuramento do passado infeliz e de normalização das relações diplomáticas entre o Japão e a República Popular Democrática da Coreia (RPDC, ou Coreia do Norte), Por outro lado, os lançamentos repetidos de mísseis e outras ações da Coreia do Norte constituem uma ameaça séria e iminente à segurança do Japão, bem como um desafio óbvio e sério à região e à comunidade internacional, e são absolutamente inaceitáveis. O Japão continuará a cooperar com a comunidade internacional, incluindo os EUA e a República da Coreia, para promover a aplicação completa das resoluções pertinentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Nos últimos meses houve um debate sobre a revisão da Constituição pacifista do Japão. O seu país realmente abandonará o pacifismo?
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o Japão tem seguido sistematicamente o caminho de um Estado pacífico e contribuído para a paz e a estabilidade na comunidade internacional. O Japão continuará a aderir ao caminho de um Estado pacífico e a contribuir mais ativamente para assegurar a paz, a estabilidade e a prosperidade na comunidade internacional, do ponto de vista do pacifismo positivo baseado no princípio da cooperação internacional. Para tal, o Japão trabalha, por exemplo, na cooperação internacional para prevenir o terrorismo internacional, envia pessoal para as operações de manutenção da paz da ONU, apoia os refugiados, presta assistência à reconstrução após o fim dos conflitos e responde a catástrofes naturais de grandes dimensões, com base no princípio da paz ativa assente na cooperação internacional. Sendo o único país do mundo que sobreviveu a duas bombas atômicas, está também ativamente envolvido no desarmamento e na não-proliferação, e lidera os esforços da comunidade internacional para a concretização de um "mundo sem armas nucleares".
Que tipo de solução o senhor vê para o conflito no Mar do Japão? Como podem ser resolvidas as disputas territoriais na região?
Acreditamos que existem princípios importantes que devem ser partilhados por todos os países, em qualquer parte do mundo, quando se trata de enfrentar os desafios da paz e da estabilidade que a comunidade internacional enfrenta. Em maio de 2023, o Japão, na presidência da Cúpula de Hiroshima do G7, e com a presença do presidente Lula, que tem muita experiência e conhecimentos neste domínio, debateu a forma de responder aos desafios à paz e à estabilidade que a comunidade internacional enfrenta. Por meio desses debates, os chefes de Estado e de governo chegaram a um entendimento comum sobre a importância de quatro pontos: primeiro, que todos os Estados devem respeitar os princípios da Carta das Nações Unidas, tais como a soberania e o respeito pela integridade territorial.
Segundo, que os conflitos devem ser resolvidos pacificamente, por meio do diálogo, e todos os Estados apoiam uma paz justa e duradoura baseada nos princípios do direito internacional e na Carta das Nações Unidas. Em terceiro, que as tentativas unilaterais de alterar o status quo pela força não devem ser toleradas em nenhuma parte do mundo. E o quarto ponto é salvaguardar uma ordem internacional livre e aberta baseada no Estado de direito.
Temos de basear a nossa resposta a qualquer desafio à paz e à estabilidade nestes princípios. Em reconhecimento deste fato, na Cúpula Japão-Brasil, realizada em maio, os líderes dos dois países concordaram em reforçar a sua cooperação para manter e fortalecer uma ordem internacional livre e aberta, baseada no Estado de Direito, e para assegurar um mundo onde a dignidade humana seja protegida.
E como vê os exercícios militares realizados pela Rússia no Mar do Japão? Isso é motivo de preocupação por parte do Japão?
Nos últimos anos, a Rússia e a China têm expandido e intensificado cada vez mais as suas atividades militares no Japão e nas suas imediações, incluindo no Mar do Japão. Em agosto e em setembro deste ano, aviões militares chineses e russos violaram o espaço aéreo japonês, respectivamente. Não se trata apenas de graves violações da soberania do Japão, mas também de uma ameaça à sua segurança totalmente inaceitável. O Japão apresentou protestos extremamente severos a ambos os países através dos canais diplomáticos e exigiu-lhes vivamente que evitassem uma nova ocorrência.
Além disso, a Rússia e a China reforçaram os seus laços militares na imediação do Japão, incluindo voos navais e de bombardeiros conjuntos e de vários exercícios de treino. Estas séries de ações conjuntas dos dois países não podem deixar de ser vistas como atividades de demonstração contra o Japão, e estamos seriamente preocupados com o fato de as forças armadas chinesas e russas continuarem a conduzir ações conjuntas com uma frequência crescente na imediação do Japão. Na declaração conjunta assinada e anunciada na cúpula China-Rússia realizada com Xi Jinping durante a visita do Presidente Putin à China, em maio deste ano, a China e a Rússia manifestaram a sua intenção de reforçar ainda mais a cooperação militar, nomeadamente através do aumento da escala dos exercícios conjuntos e do treino de combate, e acompanharemos com grande preocupação os futuros desenvolvimentos.