As eleições americanas de 5 de novembro resultaram não apenas na vitória do republicano Donald Trump, que deverá voltar à Casa Branca quatro anos após o fim do seu primeiro mandato, mas também na dominância de seu partido no Senado e, possivelmente, na Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil).
Até o fechamento desta reportagem, várias disputas continuavam sem resultado final, mas os republicanos já tinham consolidado a maioria no Senado, com 52 das 100 cadeiras.
Na Câmara, os republicanos já conquistaram 211 das 435 cadeiras, à frente das 199 dos democratas. O partido que conquistar no mínimo 218 assentos vai controlar a Câmara.
Trump ultrapassou o mínimo de 270 votos do Colégio Eleitoral que precisava para ser eleito presidente, conquistando, até agora, 295. Também se encaminha para ser o vencedor do voto popular, com 50,7% até o fechamento da reportagem, à frente dos 47,7% de sua adversária democrata, a vice-presidente Kamala Harris.
“A América nos deu um mandato poderoso e sem precedentes”, disse o republicano quarta-feira (06/11), ao declarar a vitória.
O controle da Presidência e do Congresso pelo mesmo partido não é algo inusitado. Segundo o instituto de pesquisas Pew Research Center, “o controle de um único partido em Washington (na Casa Branca, no Senado e na Câmara) é comum”, especialmente “no início de uma nova presidência”.
No total, desde o governo de Theodore Roosevelt (1901-1909), 16 dos últimos 21 presidentes conseguiram o feito em algum momento de seus mandatos.
Entre eles, o atual presidente, o democrata Joe Biden, em seus primeiros dois anos no poder, e o próprio Trump, quando tomou posse pela primeira vez, em 2017.
O democrata Barack Obama, antecessor de Trump que governou até o início de 2017, também tinha a maioria nas duas Casas quando iniciou seu primeiro mandato, em 2009.
No entanto, a situação de Trump deverá ser diferente da de seus antecessores e mesmo de seu primeiro mandato.
“Há algumas coisas que mudaram”, diz à BBC News Brasil o cientista político Ken Kollman, professor da Universidade de Michigan.
“Entre elas, a natureza do Partido Republicano. Não consigo pensar em uma época em nosso país, desde antes do início do século 20, em que você tivesse um partido tão controlado por uma única pessoa”, afirma Kollman, referindo-se ao poder de Trump.
Caso a maioria na Câmara se confirme, o controle da Casa Branca e do Congresso deve facilitar a implementação da agenda de Trump, que inclui desde a promessa de deportações em massa de imigrantes ilegais e cortes de impostos até a expansão da extração de petróleo e a eliminação do Departamento de Educação.
Mas, assim como ocorreu com outros presidentes antes dele, o controle do Congresso não será o suficiente para garantir a aprovação de todas as suas prioridades legislativas. Em vários casos será necessária maioria de 60 votos no Senado, o que o partido não deve obter.
Cenário diferente de 2017
Nos últimos dois anos, os republicanos já tinham maioria na Câmara, com 220 das 435 cadeiras. Os democratas controlavam o Senado, com 47 cadeiras e o apoio de quatro senadores independentes — somando assim maioria de 51 votos, à frente dos 49 republicanos.
Nestas eleições, candidatos republicanos retomaram o Senado não apenas vencendo em Estados onde a cadeira em disputa já estava nas mãos do partido, mas também derrotando democratas que buscavam a reeleição em Ohio e Montana.
Também venceram na Virgínia Ocidental, onde o governador republicano Jim Justice conquistou a vaga do Senado deixada pela aposentadoria de Joe Manchin, ex-democrata que virou independente neste ano.
Nos Estados Unidos, o mandato dos deputados federais é de dois anos, enquanto os senadores servem por seis anos. A cada dois anos, há eleições para todas as cadeiras da Câmara e um terço do Senado.
Os novos deputados e senadores serão empossados em 3 de janeiro, e o presidente toma posse no dia 20 de janeiro.
Apesar de Trump já ter governado com maioria no Senado e na Câmara quando iniciou seu primeiro governo, ele deverá encontrar agora um Congresso bem diferente do que o recebeu oito anos atrás.
Na época, parte da bancada republicana e da liderança tradicional do partido tinha uma posição de cautela ou até rejeição em relação a Trump, um “outsider” ("alguém de fora", neste caso, da política) que havia ingressado na política pouco tempo antes e chocou Washington ao vencer a eleição de 2016.
Desde então, Trump transformou o Partido Republicano à sua imagem e é hoje seu líder incontestável. Quase todos os parlamentares que inicialmente resistiam a Trump mudaram de posição ou deixaram o Congresso, e o novo presidente deverá ser recebido por uma bancada disposta a levar à frente sua agenda.
A certa folga na margem de maioria no Senado significa ainda que Trump poderá aprovar determinadas medidas mesmo se não tiver os votos de alguns dos senadores considerados mais centristas, como Lisa Murkowski (Alasca) ou Susan Collins (Maine), que várias vezes se desviaram da linha do partido.
Antes mesmo de se confirmar se os republicanos manterão a maioria na Câmara, o atual presidente da Casa, Mike Johnson (republicano da Louisiana), prometeu a “agenda mais agressiva da Era Moderna” nos primeiros 100 dias do governo Trump e disse que os deputados da bancada estão “prontos para agir imediatamente”.
Gabinete e Judiciário
O Senado americano tem um mecanismo de obstrução chamado de "filibuster", que só pode ser evitado com uma maioria de 60 votos. Isso permitiria que, mesmo em minoria, os democratas tentem bloquear determinadas propostas, já que os republicanos têm menos de 60 votos.
“O filibuster costumava se aplicar a quase tudo que o Senado fazia, incluindo nomeações judiciais”, observa Kollman.
No entanto, isso mudou, e vários cargos do gabinete e do Judiciário que precisam ser aprovados pelo Senado podem receber maioria simples.
Nesses casos, a maioria republicana poderá garantir a confirmação de nomes para o gabinete de Trump, além de juízes federais e eventuais vagas na Suprema Corte, que têm mandato vitalício.
“Não espero que ele tenha muitos obstáculos para nomear quem quiser”, diz Kollman.
Em seu governo anterior, Trump indicou três membros para a Suprema Corte, a mais alta instância da Justiça americana. Isso consolidou a maioria de seis membros na “ala conservadora”, como são chamados os juízes indicados por presidentes republicanos, e apenas três na “ala liberal”, composta por nomeados por presidentes democratas.
A composição da Suprema Corte tem impacto em diversas questões que afetam o país inteiro. Foi a maioria conservadora que, em 2022, levou à anulação de uma decisão que por quase 50 anos garantiu o direito constitucional ao aborto no país, deixando cada Estado livre para adotar suas próprias proibições.
Neste ano, esta mesma maioria conservadora garantiu a decisão de que ex-presidentes — como era o caso de Trump, acusado de tentar interferir no resultado das eleições de 2020 — têm direito à imunidade judicial em acusações criminais por "atos oficiais" praticados durante o mandato.
Em caso de morte ou aposentadoria de algum dos membros atuais da ala liberal, Trump poderia aumentar ainda mais a maioria conservadora na Corte. Mesmo que uma eventual vaga seja na ala conservadora, o presidente poderia nomear um juiz jovem, garantindo assim que a vaga permaneça do lado conservador por vários anos ou décadas.
Trump também deve nomear juízes conservadores para tribunais inferiores. Durante os quatro anos de seu governo anterior, o republicano conseguiu a confirmação de mais de 230 juízes.
Impostos
Em outras questões, porém, o filibuster pode ser um empecilho aos planos do novo presidente.
“Há diferenças importantes entre a Câmara e o Senado”, diz à BBC News Brasil o cientista político Adam Sheingate, professor da Universidade Johns Hopkins.
“A Câmara é onde a maioria exerce controle em termos de definir a agenda e aprovar legislação. Na maioria das circunstâncias, o partido majoritário consegue o que quer."
“No Senado, a menos que o partido majoritário tenha 60 votos, o partido minoritário tem a capacidade de bloquear ou atrasar a ação”, ressalta.
“Embora controlado pelos republicanos, é onde o Partido Democrata terá mais oportunidades de atrasar ou mudar a agenda [de Trump].”
No entanto, certas questões fiscais e propostas vinculadas de alguma maneira ao orçamento também podem ser aprovadas por maioria simples, graças a um processo legislativo chamado de "Budget Reconciliation" (reconciliação orçamentária).
Isso facilitaria a aprovação de uma das prioridades de Trump: a extensão dos cortes de impostos implementados em 2017, uma das principais conquistas legislativas de seu governo anterior. Além disso, ele prometeu ampliar isenções fiscais, incluindo sobre gorjetas e horas extras.
Os cortes de 2017 devem vencer no próximo ano, e sua extensão representaria uma vitória legislativa importante para Trump em seus primeiros cem dias de governo.
Análises indicam que os cortes estimularam o crescimento econômico, mas beneficiaram os mais ricos. Também projetam que poderiam aumentar a dívida do país, que já é de aproximadamente US$ 36 trilhões (cerca de R$ 206 trilhões), em mais de US$ 9 trilhões (mais de R$ 51 trilhões) na próxima década.
Os republicanos podem tentar usar o Budget Reconciliation para aprovar outras medidas relacionadas à economia, imigração e outros temas.
Em seu primeiro mandato, Trump tentou, sem sucesso, acabar com o Affordable Care Act (ACA), a reforma da saúde sancionada por Barack Obama em 2010 e apelidada de "Obamacare”.
Os republicanos continuam querendo restringir o acesso ao ACA e outras mudanças na lei.
“É possível que o Partido Republicano revogue o ACA usando esse processo”, salienta Sheingate. “Resta saber se o Partido Republicano teria 50 votos [já que membros mais moderados poderiam se opor].”
Ordens executivas
A desvantagem dos democratas significa que teriam dificuldade para iniciar investigações sobre eventuais abusos de poder, como as que levaram aos dois processos de impeachment contra Trump em seu primeiro governo.
No entanto, a margem de maioria republicana na Câmara será pequena, impondo limitações já vistas nos últimos dois anos quando, apesar de controlar a Casa, a bancada do partido ficou muitas vezes imobilizada por divisões internas.
Em vários momentos, precisaram de apoio dos democratas para aprovar propostas.
“Desde que foi eleito, em 2016, Trump consolidou seu controle sobre o Partido Republicano. Se isso se traduzirá em uma bancada republicana mais unificada, não tenho certeza”, observa Sheingate.
“Nos últimos anos, particularmente na Câmara, o Partido Republicano algumas vezes teve dificuldade de se manter unido, porque há uma ala de extrema direita”, afirma.
Nem todas as prioridades de Trump, entretanto, precisarão passar pelo Congresso.
“O presidente pode fazer muito sem o Congresso”, ressalta Sheingate, citando o exemplo do aumento de deportações ou mudanças em regulações.
Durante a campanha, Trump já disse que não precisa do Congresso para certas propostas, como o aumento de tarifas sobre importações, e que, se o Congresso não aprovar, exerceria sua autoridade executiva nesse caso.
Logo após a confirmação da vitória, seus assessores afirmaram em entrevistas à imprensa americana que o novo presidente deverá recorrer a ordens executivas para implementar imediatamente medidas relacionadas à imigração e à extração de petróleo.
Muitas partes de sua agenda, porém, vão depender do Congresso.
“Certamente ajuda ter maiorias nas duas Casas. Mas no Senado, não basta maioria, é preciso uma supermaioria para ter poder total”, salienta Sheingate.
“Trump não terá poder total.”
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