O advogado Richard Moussa, morador de Mar Roukoz, a 7km do centro de Beirute, não se sente aliviado, apesar das notícias que chegam de Jerusalém. Nesta terça-feira (26/11) à noite, o gabinete de segurança do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, votará um cessar-fogo com o movimento xiita Hezbollah, depois de 64 dias de bombardeios ao Líbano. Uma autoridade libanesa confirmou à emissora de televisão CNN que a trégua seria anunciada em 24 horas. O site de notícias Axios divulgou que o cessar-fogo terá como fundamento um plano dos Estados para uma trégua de dois meses.
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Durante esse período, o Hezbollah e as Forças de Defesa de Israel (IDF) se comprometem a deixar o sul do Líbano, na fronteira com o norte de Israel, o que possibilitaria o envio do Exército libanês para a região. Um comitê internacional para supervisionar a implementação do pacto de não agressão será criado e comandado pelos Estados Unidos.
"A paz verdadeira depende da conclusão de várias etapas. Como podemos imaginar a paz com uma parte da população convencida de que o Hezbollah pode eliminar Israel? Não vejo isso ocorrer, a não ser que o Hezbollah seja completamente desarmado, e uma trégua seja estabelecida entre Líbano e Israel sob os auspícios da Organização das Nações Unidas", afirmou Richard Moussa ao Correio. Itamar Ben Gvir, ministro da Segurança Nacional, que não faz parte do gabinete de segurança de Netanyahu, considera o cessar-fogo "um grande erro".
As hostilidades recentes entre as partes começaram em 8 de outubro de 2023, quando o Hezbollah aproveitou-se do massacre cometido pelo grupo terrorista Hamas, em Gaza, para atacar o norte de Israel com foguetes. Mais de 60 mil israelenses tiveram de ser retirados às pressas da região. De acordo com o jornal The Times of Israel, Netanyahu estaria propenso a firmar o cessar-fogo por temor de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU apoiada pelos EUA, seu principal aliado. Nesta segunda-feira (25), as IDF mantiveram a campanha de ataques aéreos contra o leste e o sul do Líbano, deixando pelo menos 31 mortos.
Habib C. Malik, professor de história aposentado da Universidade Libanesa Americana (em Beirute), prefere manter o ceticismo até que o cessar-fogo se materialize. "O Hezbollah morre de vontade de ter uma trégua porque foi gravemente ferido. Sob pressão dos presidentes Joe Biden (EUA) e Emmanuel Macron (França), quer garantir que a interrupção das hostilidades seja rigorosamente respeitada e que o Hezbollah não busque se rearmar ou se reorganizar", admitiu à reportagem. Ele alertou que Israel estará pronto para retomar as ações militares, caso detecte violações por parte da milícia xiita. "Aconteça o que ocorrer nesta terça-feira, os maiores perdedores serão o Irã e seus aliados, especialmente o Hamas e o Hezbollah, que renegará seus compromissos e tentará se reorganizar."
Medo
Também moradora de Beirute, a estudante de direito Tatiana Hasrouty, 19, disse ao Correio que, apesar do alívio com a iminente suspensão dos combates, tem medo do que virá. "Não temos um governo funcional, nem um presidente. A maior parte das instituições do Estado é corrupta ou não funciona. O que ocorrerá ao nosso povo, às pessoas que perderam suas casas? O futuro é assustador, a situação se mostra instável. Os libaneses desabrigados não têm dinheiro para a reconstrução. Algumas cidades foram simplesmente varridas do mapa. Há muitos desalojados, e isso tudo danificou o tecido social no Líbano", afirmou.
Hasrouty lembra que uma trégua terá duração de 60 dias. "Ninguém sabe o que acontecerá. O cessar-fogo não põe fim à guerra, é apenas uma medida preliminar. O Hezbollah recuará para antes do Rio Litani? Israel pode assegurar que seus cidadãos retornem aos seus lares? De acordo com ela, o problema está no fato de o Líbano chegar a um possível cessar-fogo na condição de parte derrotada da guerra. "Se houver uma trégua, isso será do interesse de Israel ou dos Estados Unidos, não do Líbano. Os israelenses bombardearam o nosso país e mataram tantos civis, além de algumas figuras políticas, e ninguém fez absolutamente nada", desabafou.
Nicholas Blanford — especialista em Hezbollah pelo instituto Atlantic Council baseado em Beirute — assegurou ao Correio que o clima em Beirute, onde vive, é de ceticismo. "Eu me reuni com um grupo de embaixadores, há pouco, e eles demonstraram esse mesmo sentimento. Acho que parte do problema é que muitas autoridades norte-americanas sinalizam que o acordo está feito e expressam muita positividade. As ações em curso no sul do Líbano, os combates entre o Exército israelense e o Hezbollah, não indicam uma iminência de cessar-fogo."
AS BASES DO ACORDO
Como funcionará a trégua firmada no Líbano
— Cessar-fogo mútuo;
— As Forças de Defesa de Israel devem permanecer no Líbano por até 60 dias;
— O Exército israelense se retirará assim que o Exército libanês for mobilizado;
— Não haverá a criação de uma zona de segurança no sul do Líbano. Os moradores da região poderão voltar para casa;
— Os israelenses que foram forçados a fugir do norte de Israel terão que aguardar antes do retorno;
— O governo do Libano supervisionará todas as compras e produção de armas no Líbano;
— Os Estados Unidos comandarão um comitê internacional que supervisionará a implementação do acordo.
EU ACHO...
"Os detalhes do acordo ainda são prematuros. Pode muito bem haver cláusulas e entendimentos não declarados ou secretos entre as partes ou entre membros do mesmo lado. A minha sensação é a de que algum tipo de zona-tampão terá de se tornar semipermanente no lado libanês da fronteira, para que os habitantes do norte de Israel possam regressar e viver em segurança nas suas cidades e aldeias."
Habib C. Malik, professor de história aposentado da Universidade Libanesa Americana (em Beirute)
"Os israelenses ainda tentam capturar e invadir uma cidade chamada Khiam, no sudeste do Líbano. Eles tentaram duas vezes e não conseguiram. Se o governo de Israel deu luz verde para um cessar-fogo, por que tem arriscado as vidas de seus soldados? Se houver uma trégua, Israel terá que sair da região de Khiam. Isso sinaliza que os israelenses não concluíram as operações em solo."
Nicholas Blanford, especialista em Hezbollah pelo instituto Atlantic Council baseado em Beirute