Esqueça os protestos contra o sistema e os alertas de ameaças à democracia que circulam na América Latina: no Uruguai, ganhe quem ganhar as próximas eleições, tudo continuará mais ou menos igual.
À primeira vista, é possível pensar que, neste domingo (24/11), data do segundo turno das eleições presidenciais no país, os uruguaios terão opções diferentes ou até antagônicas.
De um lado estará Yamandú Orsi, da coalizão de esquerda da Frente Ampla, que conquistou 43,9% dos votos no primeiro turno. Ele é afilhado político do ex-presidente José "Pepe" Mujica, que governou o país entre 2010 e 2015.
Do outro, estará Álvaro Delgado, representante do grupo de centro-direita do atual presidente, Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional. No Uruguai, não há reeleição.
Delgado teve 26,7% dos votos.
A disputa no Uruguai tem sido considerada "chata" porque, quem quer que se consagre vencedor, acredita-se que tudo continuará mais ou menos igual no país.
Orsi, do grupo opositor, já descartou realizar uma "mudança substancial" na condução econômica caso suceda Lacalle Pou na Presidência.
Lacalle Pou, por sua vez, também evitou em sua gestão uma mudança brusca de direção em relação aos 15 anos anteriores de governos de esquerda.
A proposta de reforma mais radical a ser votada no Uruguai vem de fora dos partidos: um plebiscito impulsionado pela central sindical Pit-Cnt e por movimentos sociais para reformular o sistema previdenciário e eliminar os fundos de poupança individual.
Mas os candidatos são contrários a essa iniciativa, e o debate entre eles se dá mais por nuances do que por diferenças profundas — ao ponto de parecer tedioso em comparação com as disputas eleitorais acaloradas de outros lugares, como no Brasil.
"O Uruguai é um país onde historicamente se valorizam as transições mais lentas. Candidatos que propuseram mudanças mais drásticas perderam as eleições", explica a socióloga Mariana Pomiés, diretora da consultoria local Cifra.
"Somos como nossa geografia: uma peniplanície [região quase plana] suavemente ondulada. E as mudanças que gostamos são suavemente onduladas", diz Pomiés à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).
Isso pode ser invejável em outros países, embora para alguns uruguaios também seja um peso difícil de carregar.
Nem histórica, nem épica
Para entender quão peculiares são as eleições uruguaias, basta compará-las com outras realizadas no continente este ano.
Algumas foram históricas: o México escolheu sua primeira mulher presidente, Claudia Sheinbaum, e El Salvador viu Nayib Bukele celebrar uma reeleição inédita em um país que, por mais de quatro décadas, proíbe pela Constituição dois mandatos presidenciais consecutivos.
Na Venezuela, por outro lado, Nicolás Maduro foi declarado vencedor por instituições alinhadas ao governo, sem apresentar as atas de votação, enquanto seus opositores o acusam de fraude e repressão.
Os outros dois pleitos presidenciais deste ano na região, no Panamá e na República Dominicana, foram relevantes além de suas fronteiras porque os vencedores propuseram medidas duras para conter a migração para os Estados Unidos através do Darién e do Haiti, respectivamente.
E no início deste mês, os olhos do mundo se voltaram para as eleições nos EUA. O ex-presidente Donald Trump foi eleito para um novo mandato, em um contexto de crescente violência política e ansiedade sobre o futuro da democracia americana.
Recentemente, o historiador israelense Yuval Noah Harari fez um comentário no programa The Daily Show sobre a política americana: "Não seria melhor que fossem um pouco mais entediantes?".
No entanto, nada indica que a votação presidencial no Uruguai será histórica, épica ou transcendental fora de suas fronteiras.
'Por que deveria?'
O Uruguai, com seus 3,4 milhões de habitantes, esteve até agora afastado dos níveis de polarização política de outros países.
Os candidatos participaram de eventos sem atritos, até com sorrisos, e o presidente caminhou recentemente pelo centro de Montevidéu sem grande aparato de segurança, como também faziam Mujica e outros antecessores.
A economia uruguaia, considerada uma das mais prósperas da região, cresceu anualmente desde 2010 um pouco acima ou abaixo da média sul-americana, sem os altos e baixos de países vizinhos, exceto pela queda durante a pandemia.
"Neste país, ninguém pensa em colocar em risco a estabilidade macroeconômica", disse Orsi em junho.
Ele é ex-prefeito de Canelones, o segundo departamento mais populoso do Uruguai.
"Isso faz parte de uma lógica que atravessa os partidos", acrescentou, em um evento do semanário local Búsqueda.
O Banco Mundial resume que "o Uruguai se destaca na América Latina por ser uma sociedade igualitária, com alta renda per capita e baixos níveis de desigualdade e pobreza".
Orlando D'Adamo, especialista argentino em opinião pública e psicologia política que trabalhou em vários países latino-americanos, acredita que esse equilíbrio relativo é o motivo pelo qual as eleições uruguaias são "mais entediantes" que as de outros países da região.
"A estabilidade democrática nunca foi dita como algo divertido, mas, por outro lado, é cheia de benefícios", explica.
"Um país forte institucionalmente e que não enfrentou nos últimos 20 anos uma crise econômica grave, por que deveria ter uma mudança radical de governo?".
"De fora, nunca ouvi ninguém dizer que o funcionamento político democrático do Uruguai não seja invejável", afirma D’Adamo à BBC Mundo.
'Não acontece nada'
O Uruguai se destaca pela continuidade de suas políticas, independentemente do partido no governo, incluindo iniciativas inovadoras como energia renovável e a legalização da maconha.
Em seu livro Repúblicas defraudadas, o cientista político peruano Alberto Vergara observa que a constância e o pluralismo político foram chaves no progresso uruguaio.
Porém, em conversa com a BBC News Mundo, Vergara explica que, na política, "há uma linha tênue entre previsibilidade e inércia".
O Uruguai enfrenta grandes desafios que foram negligenciados nesta campanha ou tratados de forma superficial.
Apesar de sua relativa prosperidade, faltam propostas e discussões sobre como reduzir a criminalidade em um país cuja taxa de homicídios se aproxima de 11 por 100 mil habitantes — acima da Argentina ou Chile, embora inferior ao Brasil ou Equador —, atribuída em boa parte à expansão do narcotráfico.
Com a segurança pública sendo a maior preocupação dos uruguaios, segundo pesquisas, os políticos têm preferido culpar uns aos outros em vez de buscar possíveis acordos.
Também não foram alcançados consensos para combater a pobreza infantil, que afeta 20% das crianças menores de seis anos — o dobro da taxa da população geral —, enquanto a Unicef apontou a "necessidade urgente" de implementar políticas integradas nessa área.
Uma pesquisa da Cifra em agosto mostrou que mais da metade dos uruguaios (53%) acredita que o próximo governo deve "fazer muitos ajustes" ou "mudar de rumo".
Diante disso, alguns alertam que o lado negativo do status quo, que traz estabilidade ao país, é dificultar mudanças, mesmo em desafios como a reforma administrativa, considerada essencial por cada novo governo.
"Há uma enorme falta de rebeldia e coragem para mudar as coisas, porque todos estamos mais ou menos confortáveis”, diz Martín Bueno, advogado especialista em tecnologias da informação.
"Mas existe um Uruguai que está sofrendo bastante e, se não houver mudanças estruturais, não vai melhorar muito".
"Enquanto não geramos mudanças, o mundo avança cada vez mais rápido", observa.
"E, com tudo de bom e ruim que tem, no Uruguai, não acontece nada".