O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a Cúpula de Líderes do G20 nesta segunda-feira (18/11) enfatizando o agravamento de crises globais, com aumento de guerras, extremos climáticos, fome e pobreza.
"Estive na primeira reunião de líderes do G20, convocada em Washington no contexto da crise financeira de 2008. Dezesseis anos depois, constato com tristeza que o mundo está pior", afirmou.
A fala foi feita na primeira sessão da cúpula, realizada este ano no Rio de Janeiro, que começou com o lançamento oficial da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
A iniciativa liderada pelo Brasil, presidente do G20 neste ano, nasce com 147 membros fundadores, incluindo 81 países e grandes instituições internacionais, como o Banco Mundial e organismos das Nações Unidas (ONU).
"Esse será o nosso maior legado", disse o presidente sobre a Aliança.
Dos membros do G20 — formado por 19 países mais União Europeia e União Africana —, apenas a Argentina não aderiu.
O país, presidido por Javier Milei, tem apresentado resistência a diferentes agendas multilaterais, desde que seu aliado, Donald Trump, foi eleito como novo presidente dos Estados Unidos. A postura argentina está, inclusive, dificultando que os líderes fechem uma declaração consensual para a Cúpula.
Lula criticou o gasto mundial de US$ 2,4 trilhões em armamentos no ano passado, quando existiam 733 milhões de pessoas subnutridas no mundo, segundo dados da ONU para 2023.
"Temos o maior número de conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial e a maior quantidade de deslocamentos forçados já registrada. Os fenômenos climáticos extremos mostram seus efeitos devastadores em todos os cantos do planeta", continuou Lula, em fala aos líderes mundiais.
O presidente destacou ainda que "as desigualdades sociais, raciais e de gênero se aprofundaram, na esteira de uma pandemia que ceifou mais de 15 milhões de vidas".
"O símbolo máximo na nossa tragédia coletiva é a fome e a pobreza", acrescentou.
Brasil driblou 'tretas' do G20 com Aliança
Com a missão espinhosa de presidir neste ano o G20 — grupo das maiores economias do mundo — em meio a conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio e à maior crise climática da história, o Brasil optou por colocar no centro da agenda o combate à fome e à pobreza, bandeira que marca os governos Lula.
Diplomatas brasileiros e de outros países ouvidos pela BBC News Brasil concordam que foi uma boa estratégia trazer um tema mais agregador para a mesa de negociações, o que possibilitou a criação de uma iniciativa considerada inédita, por seu formato e peso político: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
A Aliança é apontada como um raro exemplo de um impacto concreto do G20, que costuma se restringir a declarações de intenções dos seus membros — mas sua eficácia ainda será testada e dependerá, sobretudo, da capacidade de liberar recursos, ressaltou à reportagem o economista-chefe da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o peruano Maximo Torero.
A iniciativa pretende facilitar a implementação de políticas públicas já testadas com sucesso em diferentes países — como o Bolsa Família, programas de merenda escolar, agricultura familiar e microcrédito — em nações pobres ou de renda média baixa, que careçam de ações estruturadas nacionalmente.
Além disso, a Aliança pretende ser um facilitador dos fluxos de financiamento, tornando menos burocrático o acesso desses países a recursos existentes em instituições financeiras multilaterais, como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e outras fontes.
Um dos membros, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) se comprometeu a fornecer até US$ 25 bilhões (R$ 140 bilhões) em financiamento para apoiar países em políticas contra a fome e a pobreza.
As primeiras metas anunciadas preveem a ampliação de programas de transferência de renda em países como Togo, Chile e Nigéria, com previsão de atingir 500 milhões de pessoas. Também está previsto dobrar a quantidade de crianças com acesso à alimentação escolar em países pobres, alcançando 150 milhões de alunos até 2030.
Do outro lado, países como França, Alemanha e Noruega se comprometeram a apoiar financeiramente a expansão de refeições escolares.
Segundo dados da ONU, havia 733 milhões de pessoas famintas no mundo em 2023, um aumento de 152 milhões em comparação com 2019. A projeção atual é que, sem esforços adicionais, não será possível atingir o objetivo firmado em 2015 de zerar a fome global até 2030.
Os membros são aceitos após firmarem compromisso e podem participar de três formas: como financiadores, fornecedores de conhecimento (políticas públicas bem-sucedidas) ou como implementadores desses programas em escala nacional.
A intenção da Aliança é fomentar ações de larga escala, lideradas pelos Estados, após o diagnóstico de que, hoje, as iniciativas de combate à pobreza e à fome são fragmentadas e, muitas vezes, lideradas por organizações filantrópicas, com impacto limitado.
Cúpula acontece no Brasil pela primeira vez
Esta é a primeira vez que o G20 é realizado no Brasil, que está na presidência temporária do grupo desde o fim de 2023.
Fazem parte do grupo, além do Brasil: Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Rússia, Índia, Canadá, Coreia do Sul, Arábia Saudita, México, Argentina, Turquia, Indonésia, Austrália e África do Sul.
Originalmente, são esses 19 países somados à União Europeia — daí o nome G20 (Grupo dos 20). Em 2023, também foi incorporada a União Africana, que reúne os 55 países e territórios da África.
Além dos membros, a cúpula do Rio conta ainda com 19 convidados, entre eles Espanha, Portugal, Chile, Colômbia, Emirados Árabes e Angola.
O encontro, que termina na terça-feira (19/10), representa a conclusão dos trabalhos conduzidos pelo Brasil na liderança.
Nele, os chefes de Estado "aprovam os acordos negociados ao longo do ano, e apontam caminhos para lidar com os desafios globais", segundo a organização do evento.
O Brasil escolheu três prioridades para a sua presidência: combate à fome e às desigualdades; reforma da governança global; e transição energética e desenvolvimento sustentável.
Os debates têm como pano de fundo crescentes tensões globais, com guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, crise climática histórica e um mundo marcado pela polarização entre Estados Unidos e China.
Esse contexto tem dificultado os membros do grupo a fechar um texto consensual para o comunicado final da Cúpula.